A Fiat Toro tem rigidez torcional de 215.000 daNm/rad. Esse medida é adequada a um carro desta categoria ou está além dos similares construídos aqui?
Ricardo Bezerra – Teresópolis, RJ
A rigidez torcional raramente é divulgada pelos fabricantes, talvez por se tratar de número pelo qual o consumidor comum provavelmente não terá ideia de grandeza, bem como sobre sua influência ao uso do carro. Mas de onde vem este número e como ele é calculado ou testado?
Durante a fase de projetos, engenheiros responsáveis pelo cálculo estrutural da carroceria ou chassi simulam um teste que pode ser reproduzido na prática. Trava-se a traseira do veículo pelos pontos de fixação das molas da suspensão e se aplica uma força para cima em um lado da suspensão dianteira, também no ponto de fixação das molas, e a mesma força para baixo no outro lado. Sabendo-se a distância da força aplicada, obtém-se a rigidez torcional. Em geral, no meio mais teórico e usual, aplica-se uma força constante em Newtons e mede-se o quanto a estrutura torceu em graus, o que resulta na rigidez torcional em Nm/grau de torção. No caso de sua pergunta, 215.000 daNm/rad representam cerca de 37.500 Nm/grau.
Teste estrutural da Mercedes-Benz para o antigo Classe M: a carroceria pode ser “torcida” para se verificar a força necessária e, portanto, sua rigidez torcional
Em geral essa informação é restrita ao uso interno do fabricante, sendo mais comum se divulgar apenas uma comparação — “50% maior que na geração anterior”, por exemplo. A rigidez torcional pode influenciar o comportamento do sistema de suspensão, seu desempenho e previsibilidade de reações. Uma estrutura mais rígida significa menores deformações em curvas acentuadas, sobretudo em mudanças de direção.
Há casos no meio de competição com carros de rua (turismo) nos quais se trabalha com sistema de suspensão — molas e amortecedores — tão firme que o piloto percebe nitidamente a torção da carroceria, chegando a não conseguir trocar de marcha no meio de uma curva pelo desalinhamento da alavanca e de seu trambulador com a caixa de transmissão, em veículos que usam varão (e não cabo) para acionamento das marchas.
Hoje há uma tendência ao aumento da rigidez torcional como consequência dos avanços na integridade da cabine no caso de colisão: não só as condições para se atingir cinco estrelas nos testes estão ficando mais exigentes, como o consumidor, sobretudo em países desenvolvidos, procura veículos mais seguros. Há cerca de 15 anos, qualquer automóvel com 10.000 Nm/grau no Brasil era tido como rígido — havia alguns com apenas 5.000 Nm/grau. Hoje temos veículos acessíveis acima de 20.000 Nm/grau.
Leitores com mais anos ao volante, ou que têm carros antigos, devem ter tido a experiência de parar com uma roda em cima da guia ou entrar em garagem desnivelada e enfrentar dificuldades ao fechar a porta ou tampa do porta-malas, coisa pouco comum nos projetos atuais. Também era frequente, em nossas ruas tupiniquins mal conservadas, ter o para-brisa trincado por torção. Como o vidro está totalmente colado à estrutura do veículo e possui deformação mínima, um movimento maior da estrutura reflete-se em grandes tensões no para-brisa a ponto de trincá-lo.
Carros conversíveis, como se sabe, são estruturas complexas para rigidez. O raciocínio é simples: uma caixa de sapato se torna muito mais rígida com a tampa. Por mais que se adicione material à parte debaixo da caixa, dificilmente se consegue que fique tão rígida quanto a caixa com a tampa. Mesmo assim, os modelos abertos costumam ser mais reforçados na estrutura inferior e, por isso, muitas vezes pesam mais que os similares com teto.
No caso de picapes é mais difícil conseguir números confiáveis para comparação. A Fiat provavelmente divulgou esse valor (muito bom, por sinal) por ter aplicado à Toro uma estrutura monobloco em vez de carroceria sobre chassi, como é “receita de bolo” em picapes a partir de certo tamanho. Consegue-se maior rigidez torcional com chassi separado, além de isolar a cabine de esforços estruturais e vibrações do chassi e das suspensões — tarefas mais complicadas e caras no monobloco. Além disso, ao isolar a caçamba da cabine, evita-se a transmissão de esforços e torções daquela para esta.
O chassi separado ainda é o mais adequado para cargas pesadas, pelo isolamento de esforços e torções e por permitir cabine e caçamba independentes
Uma picape monobloco como a Toro, sobretudo com a capacidade de carga de sua versão a diesel (1.000 kg), necessita de reforços complexos para que a deformação causada pelo peso na caçamba não cause deformações ou mesmo trincas à cabine e a outras partes da estrutura. O resultado de tanto reforço é o elevado peso. Por outro lado, chassi separado dificulta o melhor posicionamento e o espaço para ocupantes e partes mecânicas, além de ser um tanto quanto complexo para comportamento em colisões.
Acredita-se que a Fiat tenha feito um bom estudo de mercado para saber o porcentual de compradores da Toro que a usarão com muito peso na caçamba e em terrenos irregulares. Óbvio que o veículo deve suportar as condições para as quais foi projetado, mas sua vida útil será maior se, como esperado, grande parte dos compradores nunca colocar mais que algumas malas ou uma moto na caçamba.
Mas a cereja do bolo na engenharia, no caso em projeto de carroceria monobloco ou chassi, é conseguir uma estrutura rígida sem ser pesada. Fazer algo rígido qualquer um faz: basta adicionar material como reforço ou espessura nas longarinas. Contudo, trabalhar com estruturas mais complexas exige “massa cinzenta” e custos adicionais, bem como materiais mais resistentes. Afinal, para obter o mesmo desempenho geral, estruturas mais leves necessitam de motor menos potente, freios menores, pneus e catalisadores mais baratos e por aí vai.
Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: divulgação