Pilotamos no circuito italiano a nova superesportiva, que apesar dos 205 cv está mais fácil de explorar que a 1199
Texto: Geraldo Tite Simões – Fotos: divulgação
Scarperia é uma pequena vila italiana com pouco mais de 7.000 habitantes na região da Toscana, a 35 quilômetros de Firenze. É daquelas cidadezinhas medievais compostas de uma rua, uma igreja e um castelo. Não tem grandes atrações turísticas, a não ser por um autódromo: o circuito de Mugello.
Fundada em 1914, essa pista passou por várias reformas até chegar ao atual traçado de 5.245 metros, com 15 curvas e uma reta de 1.141 metros. Atualmente pertence à Ferrari, mas está sendo negociada a venda para a Audi, marca alemã que recentemente comprou a Ducati. E é por isso que o Best Cars esteve nessa pista: para pilotar a Ducati 1299 Panigale S durante o Ducati Riding Experience.
De 1.198 cm³ a Ducati passou a 1.285; preço no mercado nacional ainda não foi anunciado
Em relação ao modelo 1199 que ela substitui, a 1299 Panigale tem grandes novidades. Quem olha de repente não percebe tantas alterações, mas elas começam pelo motor: aumentou a cilindrada (de 1.198 para 1.285 cm³) com novas medidas de diâmetro e curso e os cilindros agora são de aço. Não se trata de uma involução, mas sim de uma questão de tamanho: com aço é possível fazer paredes mais finas e manter as medidas externas do motor. A potência chegou a 205 cv a 10.500 rpm e o torque a 14,7 m.kgf a 8.750 rpm, o que dá uma faixa útil de 1.750 rpm — quase um motor de corrida. Na anterior 1199 eram 195 cv a 10.750 rpm e 13,4 m.kgf a 9.000 rpm.
Esperamos aquela vibração típica, mas nada: silêncio e baixo nível de vibração. Já quanto ao ronco do escapamento…
Outra importante alteração foi na central eletrônica Bosch, capaz de perceber os ângulos de inclinação da moto em todos os sentidos e, dessa forma, controlar desde as empinadas até os freios. O painel é algo tão completo e complexo que merece um curso avançado. A sofisticação chega ao ponto de se inserir a medida de pneus que se está usando, para que a central eletrônica comande a potência do motor conforme o perfil dos pneus.
Como só tivemos contato com as duas versões — antiga e nova — em autódromo, a avaliação será focada em desempenho em pista; portanto, não sabemos como ela se comporta na estrada ou na cidade. E quem se importa?
Parecida com a 1199, a 1299 Panigale esbanja beleza e esportividade; o farol usa leds
Invertido
O Ducati Riding Experience, ou DRE, é uma espécie de curso de pilotagem exclusivo da Ducati. Nosso instrutor, Nicoló Canepa, mostrou o painel de instrumentos e todos os comandos dos punhos. Achamos mais prudente deixar tudo na configuração Sport, a penúltima na escala: depois dela vem a Race, para uso em competição com pneus slick.
A 1299 impressiona logo ao primeiro olhar: trata-se de uma obra de arte sobre duas rodas. Muito difícil encontrar defeito de acabamento ou mesmo de estilo. Faróis de leds, escapamento embutido, encaixes da carenagem perfeitos, para-lama dianteiro de fibra de carbono, o desenho da rabeta, tudo muito bem acabado. Bella!
Ao acionar a partida esperamos aquela vibração típica, acompanhada do barulho de bolinhas de gude dentro de um liquidificador, mas nada: silêncio e baixo nível de vibração. Já quanto ao ronco do escapamento… Aí não tem sangue de barata que não ferva. As primeiras Ducatis esportivas tinham transmissão com embreagem a seco, o que provocava esse som de que tudo parece estar solto, mas nos atuais modelos de alto desempenho a embreagem banhada em óleo reduz muito os ruídos e vibrações. Além disso, o sistema deslizante ajuda a diminuir o efeito redutor do motor quando o piloto solta o acelerador de uma vez.
Dos freios à suspensão, a eletrônica controla tudo; no painel, muitas informações
Depois da primeira volta para conhecimento da pista o instrutor começou a puxar o ritmo. A nova versão pareceu bem diferente da 1199, sobretudo pela posição dos pedais e apoios de pés, que parecem mais afastados. A lembrança da anterior era de uma moto muito estreita e exigente na pilotagem, que causou dificuldade para adaptar aos pedais. Com a 1299 foi fácil se posicionar de forma mais confortável.
Confortável em termos, claro: a posição de pilotagem é puramente de corrida e a bolha da carenagem não passa de poucos centímetros — mas cumpre o serviço de desviar o ar por cima da cabeça do piloto. Os pés e braços também precisam ficar embutidos, numa postura de caramujo na concha, sem o que tudo é arremessado para fora com a força do vento. Deu certa pena dos pilotos com mais de 1,70 metro de altura. Para quem passou 22 anos competindo, é estranho pilotar em uma pista com a caixa de câmbio na posição convencional (primeira para baixo). Para a segunda bateria pedimos para inverter a posição, deixando a primeira para cima: aí, sim, começou a diversão.
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A Panigale que nos esperava para um teste em pista durante o curso de pilotagem da marca
Festival de corte de giro
Uma das facilidades da Panigale é justamente um de seus desafios aos iniciantes: o painel com várias informações simultâneas, incluindo a muito importante da marcha engatada, com número bem grande. Motos de alto desempenho não transmitem muito a sensação de qual a marcha em uso, sendo preciso recorrer ao painel para não correr o risco de errar.
O conta-giros também é bem visível, mas não há luz indicadora para o momento de troca de marcha. Como esse motor de dois cilindros em “L” (ou “V” de 90 graus) tem comando de válvulas desmodrômico, é muito fácil passar de rotação. Nas esportivas japonesas o corte de ignição em geral se dá em rotações acima de 12.000 rpm, mas nessa italiana é com 10.500. Nas primeiras voltas foi um festival de corte de giro.
O motor ganhou 10 cv e 1,3 m.kgf sobre a 1199; na frente, discos de 330 mm e pinças Brembo
A Panigale tem uma retomada de velocidade brutal, bem diferente dos antigos motores Ducati, que só funcionavam bem em alta rotação. O assistente para troca de marchas permite mudanças sem uso do manete de embreagem, tanto para cima quanto nas reduções. A versão S vem com rodas de alumínio forjado, garfo e amortecedor traseiro Öhlins.
Em modo Race o motor cresce de giro de forma mais vigorosa, os controles tornam-se mais permissivos e a moto empina o quanto quiser
Desde que a eletrônica veio com tudo às motos esportivas, já tivemos contato com vários modelos equipados com freios antitravamento (ABS), mas só as últimas gerações são equipadas com sistemas que “pensam”. É tudo baseado no acelerômetro. Nas motos não se pode aplicar o freio dianteiro com violência no meio de uma curva, porque ela levanta (questão de Física aplicada): para evitar essa ocorrência, os novos ABS avaliam o grau de inclinação da moto em relação aos planos vertical e horizontal e fazem a distribuição de força de frenagem entre o freio dianteiro e o traseiro. Com isso o piloto pode frear com tudo no meio da curva que a moto não se ergue.
Demora um pouco, é verdade, para se acostumar com a ideia de frear lá dentro e acelerar tudo com a moto inclinada — é preciso praticamente formatar o cérebro e começar do zero. Basta frear até o centro da curva, soltar o freio, abrir o acelerador e colocar a moto em pé o mais rápido possível, enquanto o coração não sai pela boca. Por isso essa onda “cotovelo no chão”, porque é preciso jogar o corpo todo para dentro da curva e manter a moto menos inclinada para a potência entrar mais cedo. O controle de tração DTC também percebe que a moto está inclinada e não entrega toda a cavalaria comandada pelo acelerador. O impressionante é que esse controle é quase imperceptível, ao contrário das primeiras esportivas, nas quais o piloto percebia claramente o motor “falhando”.
A 1299 em Mugello: mais torque em baixa e pilotagem mais fácil que na antecessora
A reta de Mugello tem uma pequena lombada no lado esquerdo e, quando a moto passa por lá a 300 km/h, a frente levanta. Para o piloto não enfartar o sistema DWC controla também a empinada da roda dianteira. Em várias ocasiões nas saídas de curva percebemos a frente levantar, mas tudo sob controle — só que ver a roda da frente sair do chão a 300 km/h é de mandar para a UTI cardiológica.
Essa versão conta com controle eletrônico de suspensão, como a nova BMW S 1000 RR, e percebe-se que o trato é essencialmente esportivo, tanto que afunda muito pouco nas frenagens. Com essa tecnologia a Panigale torna-se uma esportiva muito “perdoável”, porque o piloto pode até errar a frenagem, inclinar demais ou de menos que tudo se ajeita. Só cai mesmo se sair da pista ou pegar algum obstáculo.
Chegamos à última bateria do dia e o instrutor solenemente avisa: “Agora vocês sairão com a 1299 no modo Race”. Assim que ligamos o motor percebemos a diferença: o motor cresce de giro de forma mais vigorosa e todos os controles tornam-se mais permissivos. O DWC praticamente não atua e a moto empina o quanto quiser. Os freios continuam com ABS, mas já deixam a traseira dar aquela escorregadela básica, e o controle de tração deve ser feito também pelo punho do piloto. É um cavalo chucro pronto para derrubar um iniciante.
Com tanta eletrônica, pode-se frear forte com a moto inclinada sem que ela se levante
Na primeira saída de curva em que a Panigale empinou, já deu para notar que seria uma tarefa exaustiva depois de cinco baterias de 20 minutos. Mais um pouco e a moto deu uma leve derrapada, suficiente para nos fazer parar no boxe e voltar o programa para a posição Sport. A maior velocidade alcançada na reta foi de 317 km/h, apontada pelo sistema de medição do aplicativo de celular, porque o velocímetro só registra até 299 km/h.
Apesar de mais potente e “torcuda”, a 1299 Panigale S pareceu mais fácil de pilotar que a 1199, sobretudo com o seletor em modo esportivo. É também mais confortável, vibra menos e tem uma distribuição de potência mais suave. Não usamos a moto na estrada, mas graças a todos esses controles hoje pode-se andar com motos de altíssimo desempenho como se fossem comportados modelos de turismo. Resta saber o preço, uma vez que a Ducati Brasil ainda não iniciou as vendas desse modelo por aqui. Como referência, a 1199 é vendida por R$ 75.100 na versão básica.
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Ficha técnica
| Motor | |
| Cilindros | 2 em L |
| Comando de válvulas | desmodrômico |
| Válvulas por cilindro | 4 |
| Arrefecimento | líquido |
| Diâmetro e curso | 116 x 60,8 mm |
| Cilindrada | 1.285 cm³ |
| Taxa de compressão | 12,6:1 |
| Alimentação | injeção |
| Potência máxima | 205 cv a 10.500 rpm |
| Torque máximo | 14,7 m.kgf a 8.750 rpm |
| Transmissão | |
| Tipo de caixa e marchas | manual, 6 |
| Transmissão final | corrente |
| Freios | |
| Dianteiro | a duplo disco |
| Traseiro | a disco |
| Antitravamento (ABS) | sim |
| Quadro | |
| Material | alumínio |
| Suspensão | |
| Dianteira | garfo telescópico |
| Traseira | monobraço |
| Pneus | |
| Pneu dianteiro | 120/70 R 17 |
| Pneu traseiro | 200/55 R 17 |
| Dimensões | |
| Comprimento | 2,07 m |
| Largura | 745 mm |
| Altura | 1,105 m |
| Entre-eixos | 1,437 m |
| Altura do assento | 830 mm |
| Capacidades e peso | |
| Tanque de combustível | 17 l |
| Peso em ordem de marcha | 190,5 kg |
| Desempenho | |
| Velocidade máxima | ND |
| Aceleração de 0 a 100 km/h | ND |
| Dados do fabricante; ND = não disponível | |
