O patriota e o bobo

A suposta auto-suficiência em petróleo de um lado, a
 indústria de automóveis de outro: patriotismo tem hora certa

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorOs lares de milhões de brasileiros foram invadidos, desde a semana passada, por uma pesada campanha oficial de televisão sobre a suposta auto-suficiência do País na produção de petróleo. São R$ 37 milhões — do seu, do meu, do nosso dinheiro — com que o governo tenta nos convencer de que a Petrobrás, com uma nova plataforma, passou a produzir o "ouro negro" em quantidade suficiente para não precisarmos mais da importação. Como parte do espetáculo, o presidente Lula molhou as mãos no petróleo, como o fizera Getúlio Vargas em 1953 por ocasião da fundação da estatal.

Há quem diga que de propaganda do governo, sobretudo em ano eleitoral, sempre se deve desconfiar. E neste caso com toda a razão: a propalada auto-suficiência é uma mentira. O que o Brasil produz em quantidade que supera seu consumo atual é o petróleo pesado, mas há um elevado consumo (para obter o óleo diesel, por exemplo) de petróleo leve. Então, o pesado é exportado para que possamos importar o leve. Este é o país "mais independente" de que fala a campanha que estamos pagando.

E, como também se espera de propaganda com fins eleitoreiros, há nesta algumas promessas que não resistem ao bom-senso. "Muito mais empregos em todas as áreas", anuncia a Petrobrás, enquanto a imagem mostra uma linha de produção de automóveis. Alguém pode explicar o que uma coisa tem com a outra? É evidente que para gerar empregos na indústria automobilística, por exemplo, deve-se antes aumentar a demanda por veículos. O que o governo federal tem feito com esse objetivo? Alguém já ouviu falar em redução — substancial — da carga tributária?

Alguma demanda, acredito, até poderia ser obtida indiretamente se a tal auto-suficiência trouxesse redução substancial dos preços de combustíveis. Isso tornaria mais acessível o uso do automóvel e, a médio prazo, poderia aquecer o mercado. Mas essa possibilidade foi descartada pelo presidente da Petrobrás
, José Sérgio Gabrielli.

Portanto, o ingênuo brasileiro que acredita em
duendes, no coelhinho da Páscoa e na publicidade do governo pode tirar o carro da chuva: vai continuar a pagar caro, muito caro, pelos combustíveis. Enquanto isso, os Estados Unidos preferem importar petróleo, guardando suas reservas para uma eventualidade futura. E o americano paga hoje, em meio às turbulências, em torno de R$ 1,70 pelo litro de gasolina comum.

Do México
Em meio ao triste cenário do mercado nacional, comentado no Editorial anterior, uma boa notícia: a chegada do Ford Fusion, vindo do México em pacote bem-equipado por R$ 80 mil. Não só deixou sem sentido o preço do concorrente direto nacional — o novo Vectra Elite 2,4, de motorização equivalente, mas inferior em equipamentos e atualização técnica —, como fez parecer caros os sedãs médios feitos aqui, como Corolla, Civic e Mégane, que chegam perto do preço do Fusion sendo menores, menos potentes e mais modestos em itens de série.

Há quem não veja com bons olhos essa vantagem para o produto importado, temendo queda de vendas para a indústria nacional e conseqüente desemprego. Do ponto de vista do consumidor, porém, a concorrência é muito bem-vinda — e dela há tempos precisávamos. Os modelos trazidos de outros países, Mercosul à parte, pagam um pesado imposto de importação que diminui muito suas chances de competir com os feitos aqui.

Protecionismo não resolve nada, como o provam os principais mercados do mundo, em que nacionais e importados brigam de igual para igual. Desde que o dólar deu seu primeiro salto, em 1999, a indústria nacional — com raras exceções — tirou o pé do acelerador, deixou defasar os produtos, reciclou velhos projetos sob a máscara de "nova geração" e subiu preços de maneira assustadora. Agora, com boas novidades vindas do México (inclua-se o Honda Accord com preço reduzido e o Volkswagen Jetta em breve, entre outras), o mercado pode voltar a experimentar o bom sabor de uma competição. Que vençam os melhores.

Seja quanto ao petróleo ou quanto aos automóveis, ser patriota é muito bom. Mas ser feito de bobo não tem a menor graça.

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Data de publicação: 29/4/06

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