Basta de simplicidade

Se os preços não são populares, é justo que o consumidor
tenha carros com um ambiente interno agradável

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorEm 1964, em meio à recessão econômica que se seguiu ao golpe de estado, quatro fabricantes lançaram os chamados "carros econômicos". DKW-Vemag Pracinha, Renault Gordini Teimoso, Simca Profissional e Volkswagen Pé-de-boi — acredite, eram nomes comerciais e não apelidos — vinham simplificados ao extremo. Eliminaram-se regulagens de banco, lanternas traseiras, lavador do pára-brisa e todo tipo de revestimento, para baixar o custo tanto quanto possível. Além do preço final bem menor que os das versões conhecidas, eram financiados a longo prazo pela Caixa Econômica Federal.

Sabe no que deu? Fracasso. Não só venderam pouco, como muitos desses carros passaram por um "banho de loja" assim que saíram da concessionária, um meio de recuperar um pouco do conforto e da aparência perdidos na "depenação".

Vinte e seis anos depois, em 1990, surgia o Uno Mille, seguido por Gol 1000 e Chevette Junior. Embora ainda não participassem do projeto de "carro popular", lançado pelo presidente Itamar Franco em 1993, já vinham um tanto despojados. Encostos de cabeça dianteiros, bancos de tecido, retrovisor interno dia/noite, servo-freio e quinta marcha não costumavam vir de série nesses modelos de 1,0 litro, para acentuar a vantagem de preço em relação às versões 1,3 e 1,6.

Se não se pode falar em insucesso nestes casos — a não ser no do Junior —, o fato é que a fórmula teve de ser revista. Itens de conforto e segurança logo se tornaram padrão no Mille e no Gol, tendo o patamar sido elevado nos anos seguintes por Palio, Corsa e Fiesta. O êxito do pioneiro Mille só teve a crescer quando ele passou a oferecer cinco portas, ar-condicionado e a bem-acabada versão ELX. Até a direção assistida ganhou muitos adeptos entre os compradores de modelos de 1,0 litro.

Hoje
Avançamos mais algum tempo e chegamos ao lançamento, há poucos dias, do Fiesta 2008. Como ocorrera no ano passado com o Celta, a Ford percebeu mediante pesquisas que os clientes não estavam satisfeitos com o acabamento espartano, a falta de inspiração no desenho interno, o uso de instrumentos de cristal líquido. Tal e qual o modelo da GM, o Fiesta progrediu mais por dentro que por fora em sua reestilização. Se nenhum deles transmite luxo, ao menos deixaram de incomodar os olhos quando se abre a porta. Entraram na normalidade.

O que isso tem com os "econômicos" dos anos 60 e os "populares" dos 90? Muito. No passado como na década atual, fabricantes apostaram na simplificação excessiva para chegar a um menor preço e ganhar competitividade. Celta e Fiesta conseguiram boas vendas — não resta dúvida —, mas o desejo do consumidor apontou a direção para onde se deveria seguir. Em todos os casos, nota-se que o comprador brasileiro de automóveis é sensível no bolso, mas gosta de um pouco de capricho.

A lição, porém, ainda não foi aprendida por todos. A Volkswagen andou claramente na contramão com o Gol 2006 (a suposta "Geração 4"), que perdeu em acabamento, desenho interno e equipamentos diante do anterior. Se boa parte de seu público — como frotistas — pouco se importa com esses aspectos, a atenção que o consumidor particular tem dado ao assunto pode explicar um pouco da perda de mercado que o Gol vem sofrendo, tendo entregue ao Palio a liderança de vendas em alguns meses do ano passado.

Pode ser que um dia o Brasil tenha carros realmente populares, acessíveis a camadas da população que hoje só podem ter um usado (às vezes bem usado). Então, um interior mais simples será entendido em nome da redução de custo. Com os preços no patamar de hoje, no entanto, o consumidor faz bem em exigir que os automóveis tratem um pouco melhor quem passa horas dentro deles.

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Data de publicação: 3/2/07

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