Em 1964, em meio à
recessão econômica que se seguiu ao golpe de estado, quatro
fabricantes lançaram os chamados
"carros econômicos".
DKW-Vemag Pracinha, Renault Gordini Teimoso, Simca Profissional e
Volkswagen Pé-de-boi — acredite, eram nomes comerciais e não
apelidos — vinham simplificados ao extremo. Eliminaram-se regulagens
de banco, lanternas traseiras, lavador do pára-brisa e todo tipo de
revestimento, para baixar o custo tanto quanto possível. Além do
preço final bem menor que os das versões conhecidas, eram
financiados a longo prazo pela Caixa Econômica Federal.
Sabe no que deu? Fracasso. Não só venderam pouco, como muitos desses
carros passaram por um "banho de loja" assim que saíram da
concessionária, um meio de recuperar um pouco do conforto e da
aparência perdidos na "depenação".
Vinte e seis anos depois, em 1990, surgia o Uno Mille, seguido por
Gol 1000 e Chevette Junior. Embora ainda não participassem do
projeto de "carro popular", lançado pelo presidente Itamar Franco em
1993, já vinham um tanto despojados. Encostos de cabeça dianteiros,
bancos de tecido, retrovisor interno dia/noite, servo-freio e quinta
marcha não costumavam vir de série nesses modelos de 1,0 litro, para
acentuar a vantagem de preço em relação às versões 1,3 e 1,6.
Se não se pode falar em insucesso nestes casos — a não ser no do
Junior —, o fato é que a fórmula teve de ser revista. Itens de
conforto e segurança logo se tornaram padrão no Mille e no Gol,
tendo o patamar sido elevado nos anos seguintes por Palio, Corsa e
Fiesta. O êxito do pioneiro Mille só teve a crescer quando ele
passou a oferecer cinco portas, ar-condicionado e a bem-acabada
versão ELX. Até a direção assistida ganhou muitos adeptos entre os
compradores de modelos de 1,0 litro.
Hoje
Avançamos mais algum tempo e chegamos ao lançamento, há poucos
dias, do Fiesta 2008. Como
ocorrera no ano passado com o
Celta, a Ford percebeu mediante pesquisas que os clientes não
estavam satisfeitos com o acabamento espartano, a falta de
inspiração no desenho interno, o uso de instrumentos de cristal
líquido. Tal e qual o modelo da GM, o Fiesta progrediu mais por
dentro que por fora em sua reestilização. Se nenhum deles transmite
luxo, ao menos deixaram de incomodar os olhos quando se abre a
porta. Entraram na normalidade.
O que isso tem com os "econômicos" dos anos 60 e os "populares" dos
90? Muito. No passado como na década atual, fabricantes apostaram na
simplificação excessiva para chegar a um menor preço e ganhar
competitividade. Celta e Fiesta conseguiram boas vendas — não resta
dúvida —, mas o desejo do consumidor apontou a direção para onde se
deveria seguir. Em todos os casos, nota-se que o comprador
brasileiro de automóveis é sensível no bolso, mas gosta de um pouco
de capricho.
A lição, porém, ainda não foi aprendida por todos. A Volkswagen
andou claramente na contramão com o Gol 2006 (a suposta "Geração
4"), que perdeu em acabamento, desenho interno e equipamentos diante
do anterior. Se boa parte de seu público — como frotistas — pouco se
importa com esses aspectos, a atenção que o consumidor particular
tem dado ao assunto pode explicar um pouco da perda de mercado que o
Gol vem sofrendo, tendo entregue ao Palio a liderança de vendas em
alguns meses do ano passado.
Pode ser que um dia o Brasil tenha carros realmente populares,
acessíveis a camadas da população que hoje só podem ter um usado (às
vezes bem usado). Então, um interior mais simples será
entendido em nome da redução de custo. Com os preços no patamar de
hoje, no entanto, o consumidor faz bem em exigir que os automóveis
tratem um pouco melhor quem passa horas dentro deles. |