Tive nos últimos dias,
por uma feliz coincidência, a oportunidade de avaliar dois modelos
com câmbio automático de variação
contínua (CVT) que em breve estarão no site: o Nissan Sentra e o
Mercedes-Benz Classe B. Foi interessante pela possibilidade de
conhecer mais a fundo os sistemas, ainda que em carros diferentes em
proposta e preço, e de comparar seu funcionamento ao dos demais CVTs
que eu conhecia: o do Honda Fit e o do Audi A4. Não vou entrar aqui
na parte técnica do assunto, já explicada em
artigo na seção Técnica &
Preparação. O objetivo é mostrar o que cada caixa oferece ao
motorista.
A do Fit conta com três posições à frente: D (drive, marcha normal),
S (sport, modo esportivo) e L (low, marcha reduzida). Passar de D
para S e desta para L deixa o câmbio mais curto, de modo a levar o
motor a rotações mais altas, com o que se ganha agilidade e se obtém
freio-motor. A do Sentra, embora possua o exclusivo recurso do
conversor de torque — mais robusto que a embreagem multidisco do Fit
em condições como arrancadas em aclives —, é ainda mais simples em
operação: tem apenas duas posições (D e L) com as mesmas finalidades
das do Fit, além de um botão que deixa fora de ação a "marcha" mais
longa.
Para quem dirige, ambas as caixas dão as mesmas sensações. Parecem
uma automática comum em parte das situações de uso, mas são
diferentes dela quando se comanda uma aceleração com pressão
constante no acelerador — não importa se pouca ou muita pressão.
Como o CVT não tem marchas definidas, mas sim uma variação contínua
entre as relações extremas, nessa condição o carro ganha velocidade
com rotação constante ou quase constante.
É possível, por exemplo, ir de 0 a 100 km/h a cerca de 2.000 rpm
acelerando de leve. Ou, se o objetivo for máximo desempenho, levar o
pé direito ao fundo e ver o motor subir até 5.000 ou 6.000 rpm, de
onde não sairá até que o acelerador seja aliviado. Nada de mudanças
de marcha e, em conseqüência, extrema suavidade. A Audi chegou a
elaborar uma divertida propaganda de TV que destacava esse
benefício: de carona em um A4 Multitronic, um fã de Elvis Presley
decepcionava-se ao notar que, nas acelerações, o bonequinho do
cantor aplicado ao painel não mais "dançava" nas trocas de marcha
como em seu próprio carro.
Marchas virtuais
Esse é o modo mais eficiente de acelerar, sem dúvida, mas há um
problema: a impressão aos ouvidos não agrada, pois estamos
habituados ao aumento de rotações, marcha após marcha, à medida em
que a velocidade cresce. Para evitar essa sensação desagradável foi
que Audi e Mercedes, em nosso caso, aplicaram uma possibilidade que
o próprio Fit tem no mercado externo: a simulação de marchas.
O Classe B usa apenas a posição D à frente, mas oferece a escolha
entre os programas Conforto e Esporte, este com efeito moderado de
deixar o câmbio mais curto. No A4 há duas posições, D e S. E ambos
os carros permitem a seleção manual entre sete "marchas virtuais",
por movimentos para a frente e para trás no Audi (ou pelo uso de
comandos "+" e "-" no volante) e para direita e esquerda no Mercedes
(partindo de D).
Pode parecer um contra-senso que o CVT imite um câmbio convencional,
mas não é. Trata-se de obter o melhor de dois mundos: a suavidade da
variação contínua ou o tempero esportivo das mudanças de marcha,
conforme o interesse em cada momento. E a Audi ainda acrescentou uma
excelente idéia: dois jogos de "marchas virtuais", um para a posição
S, outro para a D. O motorista pode escolher entre sete relações
mais próximas (S), ideais para
manter o motor "cheio" em uso vigoroso, ou sete mais espaçadas (D),
o que traz baixa rotação em viagens tranqüilas.
Se no início da década passada o CVT parecia fadado ao esquecimento,
até mesmo pela baixa resistência dos sistemas disponíveis à época,
hoje o quadro é bastante promissor. O sistema ganhou robustez — é
aplicado a motores de mais de 200 cv, como nos Audis V6 e no Nissan
Murano — e resolveu a questão da sonoridade por meio das "marchas
virtuais". De resto, o recurso de dois jogos de relações vem a
calhar nestes tempos em que configurar o carro a seu gosto é o
objetivo de muitos.
É pena que os irmãos holandeses Van Doorne, criadores do pioneiro
CVT chamado Variomatic, não tenham chegado a ver esse
desenvolvimento — Wim morreu em 1978 e Hub um ano depois. Mas sua
idéia, implantada em 1958 nos carros de sua marca
DAF, tem à frente um longo futuro. |