No Editorial anterior,
procurei trazer ao leitor algumas impressões que o Chile — em
particular a capital Santiago — me transmitiu durante uma breve
viagem, a do evento de lançamento do
Fiat Grand Siena.
Como esperava, houve uma interessante repercussão entre os que
acompanham a coluna, em que vários acrescentaram as próprias
experiências obtidas naquele país.
Ao lado de uma sensação de organização e desenvolvimento, a capital
chilena me cativou pela frota circulante, seja pela diversidade de
marcas e modelos, seja por sua atualização em relação à do mundo
desenvolvido. E fiquei de abordar o tema com mais atenção — já que
temos um limite de espaço, mesmo na internet — no Editorial desta
edição, junto a um ponto bastante sensível para os brasileiros: os
preços dos carros no Chile.
Antes, um passeio pela composição da oferta de automóveis daquele
mercado. O primeiro ponto que chama a atenção é quantas marcas
vendem carros por lá — um país sem fabricação local e que, por isso,
não sobrecarrega os importados de tributos como faz o Brasil. Além
desse fator, contribui o fato de que o Chile usa gasolina sem
álcool, compatível com o combustível da maior parte do mundo. Pode
parecer um detalhe, mas para receber a gasolina brasileira os
motores devem passar por uma reprogramação da central eletrônica,
operação de alto custo, sob risco de não funcionar em sua plenitude
ou de apresentar problemas.
Ao lado da profusão de marcas, há a de modelos dentro de cada
empresa. O catálogo de algumas delas contém carros das mais variadas
procedências. Sob o guarda-chuva da Chevrolet, por exemplo, estão
pequenos e médios de origem sul-coreana (Aveo, Spark antigo e novo,
Sonic, Optra, Cruze) e chinesa (Sail); utilitários norte-americanos
(Traverse, Tahoe, Suburban, picapes Colorado e Silverado),
sul-coreanos (Orlando e Captiva, que é diferente do nosso),
brasileiro (Montana) e o D-Max da japonesa Isuzu; o furgão Combo da
Opel e os esportivos Camaro e Corvette.
Na linha Ford, EcoSport brasileiro e Ranger antigo da Argentina
convivem com o novo Fiesta mexicano, o Focus (já na terceira
geração) e vários utilitários (Escape, Edge, Explorer, Expedition,
picape F-150) trazidos dos Estados Unidos ou do Canadá. Há ainda o
novo Ranger, que acredito ser importado da Tailândia. Da Fiat,
apenas os comerciais Uno Cargo (furgão), Fiorino e Strada vão do
Brasil: os demais, como Panda, Grande Punto, Punto Evo (também na
bela versão de três portas), Linea e Bravo, são importados da Europa
como os outros utilitários. Em comum temos o 500, que vem do México.
A Volkswagen vende Gol, Gol Sedán (Voyage), Saveiro e CrossFox
mandados daqui, assim como a Suran (SpaceFox) e o Amarok argentinos e
Golf, Bora e Vento (nosso Jetta) mexicanos. Curiosamente o Vento só
oferece o motor aspirado de 2,0 litros, não o turbo que temos aqui.
Em contrapartida, o Golf de sexta geração — duas à frente do nosso —
oferece motor turbo e câmbio DSG de
dupla embreagem. Polo (também mais moderno que o brasileiro),
Passat, CC, Tiguan, Touareg e os furgões comerciais vêm da Europa. E
não, eles não têm a Kombi...
Assim como as "quatro grandes" daqui, outras marcas instaladas no
Brasil vendem no Chile modelos mais atuais que os de nosso mercado.
A Peugeot complementa da Europa suas opções com os pequenos 107 e
207 (mais moderno que o nosso, lá vendido como 207 Compact), o
grande 508, a minivan 5008 e as versões conversíveis do 207 e do
308; já o 408 não está disponível. A Renault oferece tanto Logan,
Sandero, Symbol e Fluence quanto os europeus Mégane III hatch e
Koleos, um utilitário esporte. E se aqui a linha DS da Citroën nunca
chega às concessionárias, lá tanto o compacto DS3 quanto o médio DS4
são realidade. Outras opções são o pequeno C1 e os novos C3 e C4,
uma geração adiante dos nossos.
Nos casos de Honda e Toyota, que mantêm os produtos brasileiros em
sintonia com os mundiais, o que há mais no Chile é variedade de
opções. É o caso dos Civics Si cupê (com motor de 2,4 litros e 201
cv) e Hybrid importados dos EUA, do utilitário esporte Pilot (maior
que o CR-V) e do picape Ridgeline, na Honda. Já a Toyota vende o
compacto Yaris, o hatch médio Auris (da família do Corolla), o sedã
maior Avensis, sete modelos de utilitários esporte e o hatch
esportivo Zelas, que equivale ao Scion TC dos EUA. |
Impostos ou lucros?
Deixei para depois um item não menos importante: os preços. O
que se paga pelos carros no Chile é de causar espanto
— e indignação —
em qualquer brasileiro, em parte pela carga tributária muito menor
cobrada pelo governo de lá e, talvez, também por margens de lucro
mais estreitas em um mercado tão competitivo.
Como aqui até algum tempo atrás, o chinês Chery QQ é o carro mais
barato para eles, vendido pelo equivalente a R$ 12.500 na versão de
800 cm³. A de 1,1 litro passa a R$ 13.260, ou 47% menos que o
cobrado pelo mesmo carro no Brasil. Não gosta dos chineses? O Kia
Morning de 1,0 litro, que é nosso Picanto, começa em R$ 17.800 com
cinco portas — 55% abaixo do preço daqui.
O novo Ford Fiesta SE hatch — também mexicano e com motor 1,6 —
parte de R$ 29.600, ou 35% menos que no Brasil. A VW oferece o novo
Polo com motor 1,4 por R$ 34.200, mesmo valor do Honda Fit LX 1,35 —
importado daqui —, que sai quase 38% mais barato que em seu país de
origem. Vale lembrar que o Fit e o Fiesta, ao contrário do Chery ou
do Kia, não recolhem aqui IPI majorado nem Imposto de Importação;
por isso a menor diferença percentual.
Passando aos modelos médios, as opções não são menos atraentes. Os
chilenos pagam apenas R$ 35.700 pelo Focus sedã de última geração
com motor de 2,0 litros e 160 cv, 40% menos que os brasileiros pelo
GLX 2,0 (148 cv) antigo, já fora de linha na Europa. Já o Corolla
trazido do Japão custa R$ 36.400 em versão GLi com motor 1,6 de 110
cv, o único disponível, e caixa automática. Pagar 48% menos que o
preço do GLi brasileiro não parece uma boa compensação pela ausência
do motor 1,8 de 144 cv?
E por R$ 37.600 há o Hyundai Elantra 1,8, valor 47% abaixo do
sugerido no Brasil. Busca algo mais jovial? A mesma sul-coreana
oferece o Veloster entre R$ 39.900 e R$ 49.400, conforme a versão —
o mais caro ainda está 39% abaixo da versão de topo oferecida aqui.
E se o Bravo TJet brasileiro é um hatch atual e atraente, os
chilenos pagam 32% menos (R$ 46.700) pela versão italiana.
Talvez você prefira um utilitário esporte. O Mitsubishi ASX de 2,0
litros com câmbio CVT começa lá em R$ 49.400, desconto de 45% sobre
o modelo igual vendido aos brasileiros. Por um Ford Edge SEL V6 3,5
com tração integral pagam-se R$ 77.900, ou 47% abaixo do mercado
nacional. Se a escolha for um picape pesado, o Chevrolet Silverado
de cabine dupla com motor V8 de 5,3 litros e 355 cv, câmbio
automático e tração 4x4 sai por R$ 81.300. Aqui esse dinheiro não
compra nem o novo S10 LTZ de cabine simples com motor de 2,4 litros,
câmbio manual e tração 4x2.
O contraste continua grande — e penoso para nós — em segmentos
superiores do mercado. O BMW 320i automático, já na geração que
acaba de estrear na Europa, está por R$ 68 mil no Chile, 40% menos
que o modelo antigo ainda à venda no Brasil. Por R$ 75.200 leva-se o
Mercedes C 180 Coupe, também uma vantagem de 40% em relação ao preço
daqui.
E se o sonho for um "musculoso" norte-americano, por R$ 91.200 o
chileno leva para casa o Dodge Challenger R/T, com motor V8 de 5,7
litros, ou por R$ 102.600 o Chevrolet Camaro na configuração que
temos aqui, a SS V8 de 6,2 litros com caixa automática — 49% a menos
do que pagamos. Nem mesmo o topo de linha da GM por lá, o Corvette
Z06 com motor de 7,0 litros e 512 cv, custa tanto quanto o Camaro no
Brasil: R$ 191.100.
Com carros modernos, variedade espantosa de opções, preços pela
metade dos nossos, vias de qualidade e trânsito organizado, o mundo
do automóvel no Chile é mesmo de dar inveja a qualquer brasileiro.
Se serve de consolo, aqui não temos terremotos...
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O que se paga
pelos carros no Chile é de causar espanto — e indignação — em
brasileiros, pela carga tributária e, talvez, pelas margens de lucro |