Preciosidades em cortes precisos

Autor das linhas de supercarros entre os mais notáveis já produzidos,
Marcello Gandini deixou sua marca em traços retos e angulosos

Texto: Fabrício Samahá - Fotos: divulgação

Marcello Gandini e, no alto, uma de suas últimas contribuições ao estilo dos automóveis: o Lamborghini Diablo com suas formas intimidadoras

Se a autoria do Miura (em amarelo) provoca disputa com Giugiaro, o Marzal para a mesma Lamborghini tem uma clara assinatura de Gandini

As portas "tesoura" do Carabo, criação de Marcello, não chegaram a nenhum Alfa de produção, mas ganharam fama em vários Lamborghinis

A "safra" de 1938 parece ter sido das mais prósperas para o mundo do desenho automobilístico. Naquele ano nasceram na Itália Giorgetto Giugiaro, Leonardo Fioravanti e Marcello Gandini, três nomes marcantes desse setor da indústria, todos ainda em plena atividade aos 71 anos. Enquanto Giugiaro e Fioravanti abriram os próprios estúdios de estilo — um em 1974, outro em 1987 —, Gandini trabalhou para um grande estúdio até passar a se dedicar à carreira independente.

Filho de um maestro, Marcello nasceu em Turim em 26 de agosto daquele ano, apenas 19 dias após Giorgetto. Depois de trabalhar por algum tempo com desenho industrial, criou seu primeiro estudo de automóvel aos 20 anos. Em 1963 mostrou seus trabalhos a Nuccio Bertone, que mantinha desde 1950 um dos mais respeitados estúdios de desenho automobilístico do país, fundado em 1912, mas o então chefe de estilo da empresa — Giugiaro — não aprovou sua contratação. Dois anos mais tarde, a saída de Giorgetto para trabalhar na Ghia abriu uma lacuna no estúdio e uma grande oportunidade para Gandini, que logo preencheu a vaga e deu início a uma série de projetos ousados e imponentes.

E começou muito bem pelas linhas sinuosas e elegantes do Lamborghini Miura, um dos carros mais velozes da década de 1960 e entre os primeiros automóveis de produção em série com motor central-traseiro. A marca de Sant'Agata Bolognese havia desenvolvido um chassi com trem-de-força, mostrado no Salão de Turim de 1965, e encontrou tal aceitação à ideia que encomendou à Bertone a toque de caixa uma carroceria para vestir a mecânica. O carro ficou pronto dias antes do evento de Genebra de 1966 e, em meio à pressa, ninguém verificou antes se o motor cabia no cofre. Não cabia. O conceito LP400, que daria origem ao Miura no ano seguinte, apareceu no salão com lastros no lugar do motor e ninguém pôde abrir o capô.

É verdade que há certa disputa entre Gandini e Giugiaro pela autoria desse clássico entre os supercarros, sendo possível que o "projetista do século XX" já tivesse esboçado as linhas que seu sucessor teria finalizado. De fato, o Miura não se parece com nenhum outro carro desenhado por Marcello, enquanto revela grandes semelhanças com projetos anteriores de Giorgetto durante sua atuação na Bertone, como os italianos De Tomaso Mangusta, Iso Grifo e Maserati Ghibli.

Discussões à parte, Gandini passou a mostrar suas linhas-mestras para a criação de modelos esporte com aquele tido como seu segundo projeto: outro Lamborghini, o conceito Marzal, nunca produzido em série. Ao contrário do Miura, esse era um carro retilíneo, anguloso, com um mínimo de curvas, portas que se erguiam como asas de gaivota e uma grande área envidraçada. Até exagerada, aliás, pois um amplo vidro no teto e seções transparentes na parte inferior das portas deixavam os quatro ocupantes um tanto à mostra, não bastasse a amplidão do para-brisa e das janelas laterais. Como Ferruccio Lamborghini desejava que o Marzal rodasse normalmente, foi até desenvolvido um motor de seis cilindros em linha e 2,0 litros a partir de "meio" V12 do Miura, carro que também lhe cedeu a plataforma.

Se a capacidade de rodar não significou o aval para que o projeto chegasse às ruas, Gandini teve outras oportunidades de aplicar seus traços retos a carros esporte. Em 1968 era apresentado pela Bertone o Alfa Romeo Carabo, com base na mecânica do modelo 33 de competição, com motor V8 central-traseiro de 2,0 litros e 233 cv. Compacto (4,18 metros de comprimento) e baixo ao extremo (99 centímetros!), ele usava um para-brisa muito inclinado e saídas de ar no capô dianteiro. Enquanto as formas lembravam as do Marzal, o Carabo (besouro em italiano) inovava pela forma de abertura das portas para cima e para frente, como lâminas de tesoura — daí a expressão scissor doors pela qual são conhecidas hoje. Esse não foi seu primeiro projeto para a marca de Arese: em 1967 havia sido revelado o cupê Montreal, de motor V8 dianteiro, que em três anos passou de conceito à produção em série. Continua

No ousado Lancia Stratos Zero o para-brisa é que dava acesso ao interior; o cupê mais conservador Iso Lele (à direita) é outro desenho de Gandini

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Data de publicação: 3/11/09

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