Erwin Komenda, Ferry e seu
pai ao lado do primeiro protótipo do 356; embaixo, com o filho Butzi
junto ao 911 que foi desenvolvido por este
Junto a Porsches de rua e de
corrida, em
1968, e com o 914 especial que ganhou aos 60 anos, com motor de
oito cilindros, 3,0 litros e 260 cv
Com outro presente, o 928
recebido no 70°. aniversário em 1979 (em cima), e relembrando o primeiro
protótipo do 356 em 1994, com 85 anos |
A ideia de criar um carro esporte com base no Fusca estava bem viva nas
mentes de pai e filho. Ferry chegou a instalar um
compressor em um protótipo conversível
do Volkswagen, mas logo o governo proibiu o uso de motores de teste para
outros fins. "O que eu mais gostava era de dirigir apenas o chassi com o
banco, sem nenhuma lataria. Podia ver os pneus rodando e sentir o vento.
Foi neste momento que desenvolvi minha preferência por para-lamas com
cantos definidos nos carros", contou tempos depois. Sem poder usar o
motor VW, ele desenvolveu com o pai o Typ (tipo) 114, um carro esporte
com motor de 1,5 litro e algumas noções já usadas no Auto Union de
corridas. O motor central tinha duplo comando de válvulas e
câmaras de combustão hemisféricas, a
caixa de câmbio vinha atrás do eixo traseiro e os três ocupantes
sentavam-se na frente, próximos um do outro, com liberdade para o
motorista ir no meio ou à esquerda.
O Fusca ainda ganhou uma versão para corridas elaborada pelo Professor e
seu filho. O Tipo 64 ou 60K10, idealizado para uma corrida de longa
distância (1.500 quilômetros) de Berlim a Roma, teve três unidades cupês
construídas no primeiro semestre de 1939 com carroceria aerodinâmica de
alumínio, rodas encobertas e motor preparado para obter velocidade
máxima de 145 km/h. Mas veio a Segunda Guerra Mundial e os Porsches
passaram a trabalhar com armamentos como tanques para o governo alemão,
enquanto a versão civil do VW deu lugar na linha de produção às
aplicações militares Kübelwagen e
Schwimmwagen. A Berlim-Roma nunca aconteceu, mas o Tipo 64 foi usado
em estradas pelo Professor e seus engenheiros. Para evitar os
bombardeios a Stuttgart, Ferry transferiu parte da área de projetos para
Gmünd, na Áustria, embora ele permanecesse na cidade alemã comandando o
negócio.
Em novembro de 1945, ele, seu pai e o cunhado Anton Piëch eram presos
como criminosos de guerra pelo Serviço Secreto Francês. Ferry foi
liberado e, sem poder voltar a trabalhar em Stuttgart por causa das
forças de ocupação, levou a Gmünd toda a estrutura da empresa. Com o
apoio da irmã Louise, esposa de Piëch, recomeçou reparando automóveis e
logo passou aos primeiros contratos de projetos. Um, obtido por
intermediação de Carlo Abarth no
fim de 1946, era o projeto Porsche Tipo 360, um carro de corridas para o
italiano Piero Dusio e sua equipe Cisitalia, com motor central de 12
cilindros e 1,5 litro, compressor e tração integral. Não passou da fase
de testes por questões financeiras, mas Ferry recebeu por ele. O outro
plano era o de seu próprio esportivo com base no VW, o Tipo 356, que
seria o primeiro modelo de produção a levar a marca Porsche.
O pequeno motor arrefecido a ar de quatro cilindros
opostos, 1,1 litro e 35 cv, então em
posição central, não prometia grande desempenho, mas era ajudado pelo
baixo peso (585 kg), tornando-o ágil. Karl Rabe (1895-1968) era o chefe
de engenharia e Erwin Komenda (1904-1966) desenhou a carroceria feita em
alumínio. Depois do primeiro protótipo, identificado como 356/1 e hoje
exposto no museu da marca, o motor foi reposicionado atrás do eixo
traseiro (como no VW) para reduzir custos e permitir a colocação de
bagagem atrás dos bancos. O projeto era especialmente ousado em vista da
situação da Europa na época, em reconstrução no pós-guerra e com demanda
por modelos econômicos e baratos, não por esportivos. As primeiras 52
unidades tiveram as carrocerias feitas à mão para atender à encomenda de
um revendedor em Zurique, Suíça, em 1947. Assim que recebeu pelos
carros, Ferry entregou aos franceses o valor da fiança estabelecida para
que liberassem seu pai e seu cunhado. O Professor, ao analisar o Tipo
360, disse orgulhoso: "Eu teria feito tudo da mesma maneira, até o
último parafuso".
De fato, a Porsche caminhava bem pelas mãos de Ferry. Em 1949 ele
fechava com Heinz Nordhoff, que comandava a Volkswagen, a colaboração no
aprimoramento do Fusca em troca de participação nos lucros da venda do
carro, a concessão exclusiva da VW na Áustria e recursos técnicos e de
assistência da empresa para uso da Porsche. A empresa voltou a se
estabelecer em Stuttgart-Zuffenhausen em uma nova unidade alugada da
construtora de carrocerias Reutter, já que as antigas instalações da
Porsche estavam ocupadas pelos norte-americanos. Retomadas as atividades
em setembro de 1949, em março seguinte recomeçava a produção do
356, que dava início a uma história
de sucesso — o modelo superaria 78 mil unidades produzidas até 1965. O
Professor Ferdinand não assistiria a tal êxito: debilitado pelas más
condições da prisão, sofria um derrame e morria em janeiro de 1951.
Em 1963 era lançado o 911,
desenhado por "Butzi", e dois anos mais tarde Ferry recebia o doutorado
honorário do Colégio Técnico de Viena e da Universidade de Stuttgart. Em
1972 a sociedade limitada tornava-se a Porsche GmbH (sociedade anônima
em alemão) e Ferry, que desde 1951 era seu Diretor Administrativo,
assumia um cargo pouco abaixo, o de diretor do Comitê de Supervisão.
Permaneceu assim até março de 1990, quando se aposentou, sendo
substituído por Butzi, e foi morar na fazenda da família em Zell am See,
na Áustria. Ainda participava de eventos como o lançamento do 911
Carrera Cabriolet e, em 1993, a comemoração de 30 anos de produção do
911. Morreu em 27 de março de 1998 em Zell am See.
"O último carro a ser construído será um esportivo", disse certa vez
esse austríaco que tanto contribuiu para despertar nas multidões a
paixão por automóveis.
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