Em meio à grave crise, a
Pierce-Arrow decidiu ousar e mirou no topo do segmento de luxo com um
carro inovador pelo estilo streamline, fluido
Da integração de faróis e
para-lamas (dentro dos quais vinham estepes) à traseira em suave
declínio, o Silver Arrow impressionou pelas linhas
Neste modelo 1934 as linhas já
estavam mais tradicionais, na tentativa de aumentar sua aceitação, o que
retirou um dos diferenciais do modelo |
A
Grande Depressão, que se iniciou com a quebra da bolsa de valores de
Nova York em 1929, lançou uma sombra longa e profunda sobre os Estados
Unidos da década de 1930. Em 1933 o país era uma nação à procura de
trabalho. O desemprego atingia um em cada quatro norte-americanos,
bancos foram fechados e correntistas não conseguiam resgatar suas
economias. Havia ex-milionários pedindo empregos de baixa remuneração. A
indústria automobilística refletia o estado caótico pela qual a economia
do país passava. De uma saudável produção de quatro milhões e meio de
veículos em 1929, ela caiu para pouco mais de um milhão anual dali a
três anos. Entre os pequenos fabricantes era comum a falência.
A Depressão foi especialmente severa para o mercado de luxo. Peerless e
Marmon, duas das principais marcas do setor, que chegaram a construir
notáveis modelos com motores de 16 cilindros, haviam desaparecido em
1933. Não que os clientes de Cadillac, Packard ou Lincoln não pudessem
mais arcar com os carros, mas — como na recente crise financeira de 2008
— preferiam não serem vistos em carros de ostentação. Aqueles que
tentavam se esquecer dos tempos difíceis tinham como opção assistir à
Feira Mundial de Chicago. Lá se viam carros muito especiais, entre os
quais uma notável obra da empresa Pierce-Arrow: o Silver Arrow.
O carro tinha, em inglês, o mesmo nome das futuras estrelas da
Auto Union e da Mercedes-Benz no
automobilismo na segunda metade da década — Flecha de Prata. Esses
carros de corrida se chamavam Silberpfeile, com o mesmo significado em
alemão. Mas, enquanto os teutônicos tinham a cor prata porque era a
oficial do país nas competições — assim como era o vermelho para a
Itália, o azul para a França, o verde para o Reino Unido e o branco para
os EUA —, o modelo norte-americano tinha essa cor com objetivo de passar
um ar futurista. Na época o prata era muito usado por cineastas e
desenhistas de ficção científica para o “mundo do amanhã”, em situações
que hoje chegam a ser cômicas, como se toda a humanidade fosse vestir o
mesmo modelo de roupa e apenas na cor prata.
Com o programa Ato de Ajuda de Emergência Federal do presidente
Roosevelt, conhecido como New Deal, uma certa esperança surgiu, o que
começou a entusiasmar os fabricantes de automóveis — em especial os de
carros de luxo. E a esperança da Pierce-Arrow se depositava nesse modelo
de linhas bastante avançadas para a época, no estilo que se convencionou
chamar streamline, traduzível como fluido, aerodinâmico. A perspectiva
em torno do sucesso dos carros da marca era tanta que em agosto do mesmo
ano a empresa, graças ao capital de um grupo de negociantes de Buffalo,
Nova York, voltou a conquistar sua independência após um período de
cinco anos como propriedade da concorrente, e agora concordatária,
Studebaker.
O período em que a Pierce-Arrow pertenceu à Stude não foi muito bom para
a marca, fundada em 1865 com o objetivo de fabricar gaiolas para
esquilos e pássaros e com produção de automóveis desde 1901. As vendas
haviam caído de 6.795 unidades em 1930 para 2.692 dois anos depois. No
entanto, foi nesse período que surgiu o motor V12 da Pierce-Arrow.
Àquela época havia a tendência por motores de oito ou mais cilindros, de
funcionamento mais macio — a publicidade da marca dizia que para o teste
de suavidade do motor era usado até mesmo um sismógrafo. O V12 com
válvulas laterais, projetado pelo engenheiro Karl Wise, foi lançado em
novembro de 1931.
Com ele a empresa oferecia 17 estilos de carroceria em três linhas, que incluíam entre os opcionais um dos primeiros rádios
de fábrica.
As rodas podiam ser de madeira, de aço ou com
raios de arame e a distância entre eixos variava entre 3,48 e 3,73
metros. O motor existia em duas versões, com cilindradas de 398 e 429
polegadas cúbicas, o equivalente a 6,5 e 7,0 litros, na ordem, e
potências de 135 e 160 cv (valores
brutos). A versão menor foi abandonada em 1932 e a de 462 pol³ ou 7,6 litros surgiu no ano seguinte com 175 cv. Esta foi a versão
que equipou o Silver Arrow. A elegante carroceria do Silver foi
desenhada pelo projetista Ogden Wright, na época com apenas 25 anos. Roy
Faulkner, ex-presidente da Auburn, mal assumira como vice-presidente de
vendas da Pierce e já recebeu um telefonema do jovem estilista, que lhe
propôs um supercarro.
Continua
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