A alta técnica dos Países Baixos

Quase desconhecidos pelos carros, os holandeses adotaram soluções
mecânicas ousadas pela Spyker, que produziu de 1900 a 1925

Texto: Fabrício Samahá - Fotos: Louwman Museum e divulgação

O 60 HP (nas três fotos acima), de 1903, surpreendeu para seu tempo: seis cilindros, tração e freios nas quatro rodas, máxima de 110 km/h

 
 

De cima para baixo, modelos 14-18 Double Phaeton 1906, 15-22 Double Phaeton 1907 e 15-22 Landaulette, com carroceria Rothschild, de 1908

Os Países Baixos, que muitos chamam de Holanda (na verdade, as Holandas são duas das 12 províncias desse país), são conhecidos por sua peculiar geografia, com 27% da área abaixo do nível do mar, assim como por seus moinhos de vento, suas tulipas e seu queijo gouda. Mas carros fabricados por lá são muito pouco famosos: à parte a DAF, com seus modelos econômicos e câmbios CVT, os holandeses ganharam projeção internacional apenas com a Spyker.

Os irmãos Hendrik e Jacobus Spijker, que construíam carruagens em Hilversum desde 1880, passavam 15 anos depois a importar os carros alemães Benz, aplicando-lhes modificações para atender aos anseios dos clientes holandeses. Em 1900, com a empresa já estabelecida em Trompenburg, Amsterdã, aparecia o primeiro automóvel com a marca Spyker, que usava motor refrigerado a ar de dois cilindros opostos e potência de 5 cv. O sobrenome dos empresários havia sido adequado à grafia inglesa com vistas a mercados de exportação.

Motores mais vigorosos estavam prontos dois anos depois: um dois-cilindros de 1,9 litro e um quatro-cilindros de 3,8 litros e 20 cv, que trazia como requinte técnico o virabrequim apoiado em cinco mancais para funcionamento mais suave e equilibrado. Depois deles, no Salão de Paris de 1903, a Spyker apresentava algo especial: o 60 HP, considerado o primeiro carro de seis cilindros no mundo, com motor de 8,7 litros e 60 cv projetado pelo belga Joseph Laviolette.

Câmbio de seis marchas (três em cada faixa de uso, como no sistema de redução hoje comum em utilitários, o que o deixava também com duas marchas à ré), tração permanente nas quatro rodas e freios a tambor que atuavam em todas elas eram outras especificações peculiares. O modelo foi avaliado pela revista inglesa Autocar  — a mais antiga do mundo sobre automóveis, fundada em 1895. "Seria impossível explorar um carro tão potente em um subúrbio, mas o motorista nos deu uma amostra do que ele pode fazer pelo modo como tomou a muito respeitável subida de montanha de Anerley", contou o jornalista. Sua velocidade máxima ao redor de 110 km/h era surpreendente.

Uma série limitada desses carros foi produzida entre 1904 e 1907, mas o protótipo que a revista havia experimentado não foi esquecido. Na subida de montanha promovida em 1906 pelo Clube do Automóvel de Birmingham, na Inglaterra, o Spyker foi o único carro a vencer as ladeiras depois de uma noite de chuva, deixando para trás os oponentes com tração em apenas duas rodas.
Hoje o modelo pode ser admirado no Louwman Museum, na cidade de Haia.

Mas foi com carros menos exóticos — em sua maioria com motor de quatro cilindros — que a marca holandesa ganhou maiores fatias do mercado, amparada em qualidades como boa qualidade de construção, robustez, baixo nível de ruído e um fundo bem protegido contra as estradas tão precárias da época. Também em 1903 haviam sido lançados os modelos 16/20 e 20/24 de quatro cilindros, 36/50 de seis cilindros e 5,1 litros e 60/80 de seis cilindros e 8,8 litros. Em 1906 a empresa fabricava os modelos 15/24 de 3,5 litros, 20/30 de 4,6 litros e 30/40 de 8,0 litros; o 10/15 de 1,8 litro vinha um ano depois.

Em qualquer dos casos, o número que antecede a barra indica a potência fiscal (um enquadramento para fins tributários), enquanto o seguinte refere-se à potência efetiva do motor, como em qualquer fabricante daquele período. Esses Spykers já adotavam o radiador em forma circular que caracterizaria a marca até o fim de sua existência. Os carros holandeses vinham desempenhando bem nas pistas, como o segundo lugar obtido pelo francês Charles Godard na corrida Pequim-Paris, em 1907, e ofereciam versões ainda mais potentes para esse fim, como o 40/80, com nada menos que 10,6 litros de cilindrada.

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Data de publicação: 25/2/12

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