Do L-75 ao L-111, a série de pesados da Suécia teve boa fama de desempenho e robustez em nossas rodovias
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
No mundo dos automóveis são comuns os apelidos dados pela aparência: o Fusca é chamado de besouro, a Kombi de pão de forma, o primeiro Chevette de tubarão. Com os caminhões não é diferente: pela forma característica de seu “focinho” e a abertura do capô, uma duradoura série de pesados da Scania é conhecida no Brasil como “jacaré”.
A origem da Scania remonta a 1891, quando foi fundada na Suécia a Vagnfabriks Aktiebolaget i Södertelge (Vabis) ou fábrica de vagões ferroviários da cidade de Södertälje, próxima à capital Estocolmo. A empresa unia-se em 1911 à Maskinfabriks-aktiebolaget (companhia limitada de fabricação de máquinas) Scania, fundada em 1900, formando a Scania-Vabis. Embora tenha feito automóveis, o grupo dedicou-se de 1919 em diante a caminhões e ônibus que ganharam mercados pelo mundo. Metade da produção já era exportada em 1950.
O L-65 azul, um dos primeiros Scanias no Brasil, hoje está no museu da marca; ele deu lugar ao L-71 (imagens embaixo), que foi feito aqui seguindo o modelo sueco (vermelho)
Foi nessa época que desembarcaram no Brasil os primeiros caminhões Scania L-65, lote do qual um exemplar azul hoje pertence ao museu da marca na Suécia. Ele usava motor a diesel de seis cilindros em linha e 8,5 litros, com potência de 135 cv, e tinha peso bruto total de 11 toneladas. Embora as linhas básicas já previssem as da série “jacaré”, o capô em duas partes era aberto nas laterais e os para-lamas curvos deixavam os faróis salientes.
A Vemag (Veículos e Máquinas Agrícolas, que mais tarde fabricou aqui os automóveis DKW) passava a importar em 1953 os caminhões incompletos da Suécia. A montagem dos componentes faltantes dava-se no próprio porto de Santos, SP, de onde seguiam rodando para São Paulo. O modelo L-71, evolução do L-65, tinha motor de seis cilindros, 9,35 litros e 150 cv e podia carregar 10 toneladas ou tracionar 35 toneladas no caso do cavalo mecânico. Popular, a cor laranja se tornaria tradicional da marca por aqui.
A publicidade adotava o mote “rei da estrada”, destacando que o “senhor das distâncias” podia percorrer até 500 mil quilômetros sem retificar o motor. Anunciava ainda a “sensação de dirigir um carro de passageiros” e a economia do “gigante sobre rodas”. Incentivado pelo Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) do governo de Juscelino Kubitschek, o grupo sueco fundava em 1957 a Scania-Vabis do Brasil S.A. Motores Diesel, a primeira fábrica originária da Suécia no País, no bairro paulistano do Ipiranga.
Capô aberto para cima, origem do apelido “jacaré”, e motor de 10,3 litros com o maior torque do mercado eram novidades do L-75 (também na ilustração do alto)
A unidade começava em maio de 1959 a produzir os motores para a Vemag instalar nos caminhões importados, já da série L-75, e no ano seguinte iniciava a construção desse modelo no Brasil. As maiores diferenças de estilo em relação ao L-71 estavam no capô único e aberto para trás — origem do apelido “jacaré” — e nos para-lamas maiores com faróis embutidos.
Os caminhões conquistaram boa imagem de resistência e desempenho, com ajuda da publicidade: “O que mais o Scania usa na subida é a buzina, para pedir passagem aos concorrentes”
O motor de 10,3 litros rendia 165 cv e torque de 63 m.kgf, o mais alto em um caminhão brasileiro. Ele rendeu ao modelo o apelido de “maçarico”, pelas línguas de fogo que saíam pelo escapamento nas reduções de marcha. A transmissão de cinco marchas contava como uma caixa auxiliar planetária e sincronizada de duas reduções, que aumentava a força de tração em 40% — na prática, era como ter 10 marchas. O pesado vinha com freios a ar comprimido e trava do diferencial operada a ar.
A nova fábrica de São Bernardo do Campo, SP, era inaugurada em dezembro de 1962 e lançava o L-76 um ano depois. Com o mesmo desenho do anterior, o caminhão trazia novo motor de 11 litros com 195 cv e 76 m.kgf, suficiente para velocidade máxima de 75 km/h. No ano seguinte a linha ganhava as opções de cabine leito e versões com três eixos LS-76 e LT-76. A cabine continuava estampada pela Vemag.
Novo motor e direção assistida vinham no L-76 (acima à esquerda), seguido pelo 110 com o primeiro motor turbo do mercado; nas outras fotos, fábrica de São Bernardo e estande do Salão de 1962
Melhorias em 1965 eram o filtro de ar externo e a transmissão com botão na alavanca para acionar as marchas adicionais. O Uruguai era o primeiro país a importar um Scania brasileiro naquele ano. Os caminhões da marca já desfrutavam boa imagem por aqui, tanto pela resistência quanto pelo desempenho. Tinha ajuda da publicidade, que em uma campanha provocava: “O que mais o Scania-Vabis usa na subida é a buzina, para pedir passagem para seus concorrentes”.
A empresa também trazia inovações ao mercado, como a opção de direção com assistência hidráulica ZF. Além do esforço necessário bem menor, a relação mais rápida (4,4 voltas entre batentes em vez de 6,7) facilitava as manobras. Contudo, a expectativa de rápida aceitação desse conforto se frustrou: conservadores, os caminhoneiros só aderiram à novidade na década seguinte. Outros opcionais do L-76 eram segundo tanque de combustível para duplicar a capacidade de 190 para 380 litros, feixes de molas reforçados, freio de reboque e tomada de força para reduzir a rotação do motor em 26%. A cabine era remodelada com vidros maiores e novo painel em 1966.
Depois de aprimorar o 110 (primeira foto), a Scania lançava a série 111 (outras imagens) com 296 cv na versão turbo: a última linha do “jacaré”, que deixava o mercado em 1981
Uma nova série do “jacaré”, a 110, chegava em 1968 mantendo as versões L, LS e LT. Entre as novidades estavam freios com até cinco sistemas independentes e motor de seis cilindros e 11 litros, apto a 203 cv e 77 m.kgf. Um motor turbo — o primeiro em caminhão nacional — de 275 cv e 108 m.kgf aparecia no Super Scania LS para 1970. Nesse ano o nome da empresa mudava para Saab-Scania do Brasil S.A., reflexo da fusão com a Saab na Suécia.
Vida breve tiveram o L-100 e o LS-100, lançados em 1972, que abriam mão da caixa auxiliar. Embora mais baratos, tinham pior desempenho e menor capacidade de carga. Três anos depois, pela primeira vez, a fábrica brasileira superava a matriz sueca em vendas anuais. A série 110 recebia novos bancos, volante e painel de instrumentos, melhorias em ventilação e isolamento acústico e faróis com lavadores elétricos e limpadores, acionados junto ao lavador do para-brisa sempre que os faróis estivessem acesos. O motor turbo tornava-se padrão.
Em 1991, já fora de produção no Brasil por 10 anos, o “jacaré” laranja era lembrado no pôster alusivo ao centenário da fundação da Scania
A série 111, que estreava para 1976 no lugar da 110, marcava a inauguração da nova fábrica de chassis. Oferecia versões L-111 com tração 4×2, LS-111 com tração 6×2 e LT-111 com 6×4. Cada uma podia vir em três opções de entre-eixos de 3,8 até 5,4 metros e cabine normal ou leito. O peso bruto total era de 40 toneladas, sendo 25 de carga. O motor aspirado estava de volta com menor consumo, mas o turbo oferecido no L-111 S alcançava 296 cv.
A linha “jacaré” encerrava sua carreira no Brasil em 1981, quando as séries T-112, T-142 (também de capô saliente) e R-142 (cabine avançada ou “cara chata”) ganhavam as ruas. O “rei das estradas”, que vez ou outra ainda pode ser visto no trabalho pesado, foi fundamental para a consolidação da Scania no mercado brasileiro.