Mesmo com uma série de lançamentos recentes em sua
linha de carros, a Chevrolet não renova os velhos costumes
Nenhuma outra marca renovou uma linha de automóveis em tempo tão curto como fez a Chevrolet no Brasil. Em questão de um ano e pouco, quase todos os segmentos ganharam novos representantes — sedãs e hatches compactos, sedã e hatch médios, picape média, utilitário esporte, minivan… Um enorme esforço de engenharia, manufatura, marketing, sem contar a mobilização de fornecedores. No entanto, algo me diz que essa renovação ainda mantém algo de passado e persiste em um jeito anacrônico de pensar e encarar o consumidor brasileiro.
O presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), Luiz Moan Yabiku Junior, diretor de Assuntos Institucionais da General Motors, quando questionado pela reportagem do jornal O Estado de S. Paulo a respeito do “atraso tecnológico dos trens de força produzidos no País, comparados ao resto do mundo”, foi evasivo e insistiu que o “motor flexível é uma invenção genuinamente brasileira e prova de nossa vanguarda tecnológica”.
Pura falácia. Nos Estados Unidos, o motor capaz de funcionar com gasolina e/ou álcool (em proporção de até 85%, o chamado E85, para evitar a necessidade de sistemas de partida a frio em locais com inverno severo) está no mercado desde meados da década de 1990, enquanto o primeiro flex brasileiro chegou às ruas apenas em 2003. De resto, se a suposta primazia era a única novidade técnica que Moan pôde apontar nos últimos 10 anos da GM, é porque o quadro realmente preocupa.
Seria injusto afirmar que a Chevrolet é a única a estar defasada em termos de mecânica, em especial nos segmentos mais acessíveis, mas há certo vento de mudança soprando nas grandes fábricas instaladas no País — vento que parece não alcançar a sede de São Caetano do Sul, SP.
A GM permanece fabricando, sem perspectiva de mudanças, os mesmos motores de 1,0, 1,4 e 1,8 litro da Família I com quase 20 anos de idade
A Volkswagen apresentou um novo e bom motor 1,0-litro de três cilindros, como já usa a Hyundai. A Ford tem feito amplo uso da linha Sigma, com versões de 1,5 e 1,6 litro, e do câmbio de dupla embreagem Powershift, o primeiro do tipo em um carro nacional. Tanto Ford quanto Hyundai ampliam o emprego de variação do tempo de abertura das válvulas, já habitual em Hondas (que contam ainda com variação de levantamento em vários casos) e Toyotas. Mesmo na Fiat, que ainda tem um caminho a percorrer em termos de atualização de motores, rumores apontam para uma versão brasileira e flexível do TwinAir de dois cilindros e 900 cm³, assim como o uso da tecnologia Multiair em alguns modelos.
Já a GM permanece fabricando, sem perspectiva de mudanças, os mesmos motores de 1,0, 1,4 e 1,8 litro da Família I, com quase 20 anos de idade (surgiram em 1994 para o Corsa), consumo e desempenho apenas medianos. Apenas o importado Sonic e o Cruze levam motores de quatro válvulas por cilindro mais atuais, mas pouco representam em termos de volume de vendas na marca.
Além dos motores, há incongruências no leque de produtos oferecidos aqui pela Chevrolet. Celta e Classic ganharam a opção de bolsa inflável e freios antitravamento (ABS), que serão obrigatórios a partir de janeiro de 2014. Modernização? Não: sinal que ainda vão durar no mercado alguns anos. O Celta segue sem mudanças relevantes desde 2006 e foi lançado em 2000 reutilizando uma plataforma de 1994. Assim como o Agile — outro problema da linha, que aumentou com o lançamento do Onix, mais moderno e visualmente menos crítico.
De uma vez só, o Onix mostrou o quanto Agile e Celta estão despropositados. Unidades do Agile com a frente reestilizada têm sido flagradas em testes, mas algo parece que não ficará bem. Em teoria, o Agile — que nem tem versão de 1,0 litro, oferecida no Onix — deveria competir no segmento dos chamados compactos premium com Citroën C3, Fiat Punto, o novo Ford Fiesta e Peugeot 208, mas já nasceu velho e não tem estilo, acabamento e arquitetura apropriados para essa missão.
O produto “correto”, nesse caso, seria o Sonic — que é caro demais por vir da Coreia do Sul. Na prática, o Sonic não serve de muito, o Agile exibe sua obsolescência e o marketing tentou tapar o buraco com o Onix de 1,4 litro, acompanhado pelo novo Prisma. Para o segmento de 1,0 litro, tudo bem, mas quando se sobe na escala de preços o consumidor percebe que Onix e Prisma são produtos de segmento inferior aos citados no parágrafo acima.
Montana e Spin
A Montana é outro triste exemplo. A atual geração surgiu obsoleta e com um estilo que, de tão controverso, lhe rendeu o apelido de “monstrana”, sendo comparada muito negativamente a sua predecessora. Não é capaz de enfrentar Fiat Strada e VW Saveiro de igual para igual. Nesse caso, o prejuízo é ainda maior: se havia algo pelo qual a Chevrolet deveria zelar é sua tradição como fabricante de picapes. A atual Montana, infelizmente, pode ter significado o apagamento definitivo da marca no segmento compacto, muito importante no Brasil.
Mas nada doeu tanto quanto a Spin. A minivan é prova de que mesmo uma plataforma moderna — enfim adotada, depois de infinitas reciclagens — não é capaz de resistir a uma equipe de desenho desastrosa. Se você achava impossível transformar um sedã (Cobalt) em uma minivan que substituísse dois carros de tamanhos e propósitos diferentes, enganou-se. Esse carro é a Spin. Ela matou Meriva e Zafira com suas versões de cinco e sete lugares.
Matou também a estética. Rodas não conversam com para-lamas, que não conversam com a imensa dianteira, que não conversa com uma traseira esquisita e de lanternas subdimensionadas. A Meriva, mesmo que estivesse envelhecida após uma década sem mudanças, hoje parece bem mais harmoniosa que a sucessora. A Zafira, então… Pergunte a qualquer proprietário dela o que ele acha da Spin, da perda de mais de 30 cv, do espaço interno, do abandono da prática solução de embutir os bancos da terceira fila no assoalho — nem precisa perguntar do estilo.
O Cruze é tudo o que a Chevrolet pode oferecer em sedã “de luxo” — logo ela, que nos anos 90 fabricava o carro mais luxuoso do Brasil
A GM de hoje é um caso de marketing a ser estudado, onde os produtos novos são, paradoxalmente, piores que os aposentados: do Corsa de segunda geração para o Agile, da primeira Montana para a segunda, de Meriva e Zafira para a Spin.
Cruze sedã e Cruze hatch parecem ir bem — mais o hatch, que vende melhor que o sedã —, mas é pouco para que o executivo pudesse encontrar uma resposta mais convincente à pergunta do jornalista. Nada do que esses carros trouxeram à GM era realmente novo na categoria. E, enquanto não chega o novo Malibu (terá melhor aceitação que a pífia obtida pelo antecessor?), o Cruze é tudo o que a Chevrolet pode oferecer em termos de sedã “de luxo”, pois a importação do Omega também foi encerrada. Logo ela, que nos anos 90 podia se orgulhar de fabricar o carro mais luxuoso do Brasil.
Com um leque de produtos tão limitado e concentrado nos segmentos mais acessíveis, não surpreende que a campanha publicitária de um modelo que começa com motor de 80 cv — o Prisma — o anuncie como um sedã esportivo… Rótulo que, na concepção de qualquer pessoa de bom senso, se aplicaria a um BMW M5 ou no mínimo a um Renault Fluence GT.
A Chevrolet renovou-se. Só que não. Continua no jeito antigo de pensar o consumidor brasileiro. Mesmo aquilo que parece renovado, é pensado de um jeito enviesado, desrespeitoso. E o que é novo e alinhado aos mercados aos quais a empresa parece dar mais valor, como Sonic e Cruze, tem preços proibitivos. Um tipo de renovação que interessa a quem?
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