Com motor V8 dianteiro e linhas ousadas, o 928 não parecia um
Porsche, mas representou com classe seu topo de linha por 18 anos
Texto: Francis Castaings e Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
O projeto de um Porsche para a era moderna nasceu em 1971. A ideia era substituir o 911 por um automóvel mais atual e arrojado, o segundo modelo da marca a romper com as tradições — o primeiro seria o 924, seu irmão caçula, que se encaixaria em outra faixa de mercado. Ernst Fuhrmann, engenheiro e presidente do conselho da empresa, queria que o novo carro esporte fosse o Porsche do futuro: maior, mais refinado, o modelo em série mais caro da companhia.
O 911 começava a perder clientes por causa da concorrência e da idade do projeto, que já pesava — e a fabrica alemã não queria o risco de entrar em decadência. Ainda, as leis ambientais (ruídos e emissões poluentes) e de segurança norte-americanas, que entrariam em vigor no início da década de 1970, poderiam colocar em risco a continuidade do 911, com seu motor traseiro arrefecido a ar.
O primeiro modelo do futuro carro, em escala 1:5, foi submetido a testes de aerodinâmica em 1972. Um ano depois, o primeiro motor V8 alimentado por carburadores funcionou no banco de ensaio. Na fase de testes, um modelo de quatro lugares foi feito em escala real, mas nunca chegou a ser produzido. A carroceria quase definitiva ficava pronta em 1974. Protótipos foram testados em toda a Europa e na África, nas mais adversas condições climáticas, sobre os mais diferentes revestimentos de piso. Rodaram em desertos, estradas de terra e asfalto, autoestradas e autódromos.
Após um desenvolvimento conturbado, que incluiu estudos de motor V6 e de uma
frente mais próxima à do 911, o 928 fazia a estreia no Salão de Genebra de 1977
Com a crise do petróleo deflagrada em 1973, a Porsche viu-se em dúvidas sobre levar adiante o projeto de um carro maior e com motor de oito cilindros. Uma versão do projeto com motor V6 chegou a ser cogitada e todo o desenvolvimento acabou sendo desacelerado, mas em março de 1977 o resultado era apresentado no Salão de Genebra, na Suíça, sob a designação 928. O moderno grã-turismo roubou a cena não só no estande da marca, sendo uma das maiores atrações do evento.
Houve quem o chamasse de “ovo sobre rodas”: o 928 fazia mesmo grande oposição aos carros retilíneos e cheios de adornos da época
O 928 era um belo carro, com um desenho ousado e de muito bom gosto: para-choques integrados à carroceria em plástico flexível (suportavam pequenos impactos sem danos), luzes de direção dianteiras e lanternas traseiras contornando as quatro extremidades do carro. As linhas curvas conseguiam boa aerodinâmica — o Cx era de 0,41 e mais tarde, na versão S, cairia para 0,39. Os faróis quando desligados ficavam em repouso, em alinhamento com a curva do capô, não atrapalhando o fluxo de ar. A solução era inspirada no Lamborghini Miura de 1966.
Na linha abaixo havia quatro faróis retangulares de longo alcance, e nas extremidades, as luzes de direção. No centro estava uma pequena grade com o tradicional escudo da marca de Stuttgart. Se não estivesse lá, os admiradores da marca talvez não o reconhecessem como um legítimo Porsche, tal o rompimento com as linhas habituais da empresa. Embora na Europa a aceitação fosse melhor, nos Estados Unidos houve quem o chamasse de “ovo sobre rodas” e até o comparasse a um AMC Pacer mais esportivo. O 928 fazia mesmo grande oposição aos carros retilíneos e cheios de adornos que os norte-americanos compravam à época.
As linhas arredondadas chamavam atenção e dividiam opiniões, sobretudo nos
EUA; o perfil baixo e alongado faz do 928 um desenho atraente ainda hoje
A carroceria era em aço estampado, mas o capô, as portas — incluindo a traseira — e os para-lamas dianteiros vinham em alumínio. Isso já garantia longevidade contra corrosão, importante no mercado norte-americano, com a rica e quente Califórnia, e no próprio continente europeu com suas condições adversas de clima. Por dentro era notável a riqueza de equipamentos: ar-condicionado com extensão para refrigerar o porta-luvas, ajuste elétrico dos bancos, computador de bordo — e um ótimo estudo ergonômico. Nada comparado ao “desconforto” de seu irmão mais famoso.
O tradicional volante de três raios do 911 também estava lá, para certificar que se tratava de mais um Porsche, e seu ajuste levava junto o quadro de instrumentos. Detalhe interessante era a existência de dois reservatórios para a limpeza do para-brisa: um guardava o detergente, outro a água, com mistura automática. O que dividia opiniões era a alavanca do freio de estacionamento à esquerda do motorista. Como opção era oferecido teto solar. Era um supercarro que poderia ser usado no dia a dia por homens de negócios bem sucedidos, jovens esportistas ou mulheres dinâmicas. BMW Série 6, Jaguar XK-S e Mercedes-Benz SL estavam entre os concorrentes.
Não era o primeiro modelo com motor dianteiro refrigerado a água da empresa que tem mais tradição em carros esporte na Alemanha: o pioneiro foi o 924, um quatro-cilindros cuja arquitetura serviu de base para o 928. O novo carro, porém, estava equipado com um moderno V8 de 4,5 litros — meio litro menos que no projeto inicial, para reduzir o consumo — com bloco e cabeçote de alumínio e virabrequim, pistões e bielas forjados. Com comando de válvulas nos cabeçotes e alimentação por injeção Bosch K-Jetronic, fornecia potência de 240 cv e torque de 37,9 m.kgf.
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Os especiais
Na Europa e nos Estados Unidos logo surgiram preparadores para tornar o 928 mais rápido e intimidador. Os irmãos construtores alemães Buchmann, famosos pelos produtos BB, fizeram uma interessante versão targa três-volumes (à esquerda). Parte do teto era removível e o vidro traseiro vinha menor, em vez da grande terceira porta do modelo de série. Em 1981 apresentaram no Salão de Frankfurt, na Alemanha, uma bela versão conversível.
Também aberto era o 928 revelado em 1986 pela Gemballa, ainda hoje uma renomada preparadora de Porsches. Na carroceria transformada pela Voll (à direita) a capota de lona era guardada sob a tampa do porta-malas, que para esse fim era aberta no sentido oposto ao da colocação da bagagem. Trazia ainda para-lamas alargados, rodas especiais e o motor de 5,0 litros modificado para 450 cv pela aplicação de dois turbos.
A Koenig fez fama nos anos 80 ao preparar Porsches, Ferraris e outros supercarros. Seu 928 S, revelado em 1981, tinha para-lamas alargados, as clássicas rodas raiadas BBS com pneus traseiros extralargos (345/35 R 15), defletor dianteiro e um aerofólio traseiro que destoava das linhas curvas. O motor podia ser modificado para 380 cv.
Trabalhos ousados eram também os da Strosek, bem conhecida na preparação dos esportivos de Stuttgart. Para-lamas bastante alargados, para-choques refeitos, diminutos faróis fixos no lugar dos escamoteáveis, aerofólios e até portas que se abriam como asas — no caso do pacote Ultra Wing — estavam no catálogo.
Outra opção era a da DP Motorsport, que em 1984 apresentou um 928 com quase dois metros de largura e pneus traseiros 285/40 R 16. As mudanças na carroceria, feitas em plástico, traziam redução de peso anunciada de 300 kg e um aspecto bastante intimidador, com direito a tomadas de ar nos para-lamas traseiros. Alguns carros tinham os faróis escamoteáveis substituídos por saídas de ar, cabendo a iluminação aos faróis do para-choque. Motores de até 370 cv estavam disponíveis.
Alguns modelos especiais produzidos na Califórnia, nos EUA, eram realmente de gosto discutível. Até uma versão picape apareceu, com contornos da caçamba em madeira e forração interna das laterais e do piso em alumínio. Uma heresia.
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