Há quem o dispense ou até rejeite, mas há boas razões para que
esse auxílio eletrônico seja obrigatório também no Brasil
Muitos nem imaginam, mas meu primeiro “automóvel” pesava mais de 2.300 kg, tracionava as rodas traseiras, tinha elevado centro de gravidade, não oferecia suspensão independente — nem a dianteira — e, com freios a tambor nas quatro rodas, só parava após muita força e antecedência no pedal. Na quinta marcha, o velho Toyota Bandeirante chegava a perigosos 120 km/h reais e se tornou meu primeiro instrutor de dinâmica veicular.
Quando se aprende a dominar um trambolho como o Bandeirante, fica fácil controlar qualquer outro veículo. Mas confesso que passei muitos apuros, alguns desnecessários: não é nada agradável vir na velocidade máxima da rodovia e se deparar com o trânsito parado logo após uma curva cega em Cajamar. Guardadas as proporções, a Anhanguera passou a ser meu “Inferno Verde”, como é conhecido pelos íntimos o exigente circuito alemão de Nürburgring. No meu lugar, Jackie Stewart também daria preferência à Bandeirantes.
Era um Diablo SV com pneus lisos: foi afivelar
o cinto, dar a partida e sumir dali antes
que alguém tentasse cancelar a avaliação
Como tributo, dediquei ao velho Toyota um pequeno “tratado”, reconhecendo suas virtudes e também suas deficiências. Na mesma época, discutia com amigos filigranas como as janelas das portas traseiras dos carros mais simples do mercado. Fumante inveterado, defendi o VW Gol, com aquele vidro que descia por inteiro. Fabrício Samahá, o editor do Best Cars, retrucou: “Fuma-se cada vez menos. Prefiro o Fiat Palio, que tem sistema de freios antitravamento com distribuição de força entre os eixos”.
O tempo voa: a discussão ocorreu há 14 anos! Quem passou sustos com freios a tambor sabe que a então exclusividade do Palio, ainda que opcional, pode ter salvado muitas vidas. Distribuir frenagem entre os eixos era uma coisa nada prosaica em 2001, típica de bons carros importados. Hoje paira uma sensação de déjà vu (perdão pelo galicismo) quando vejo o Ford Ka oferecendo controle eletrônico de estabilidade em sua versão mais cara.
Mais e mais pessoas vão-se adequando a novos recursos e muitos deles tornam-se indispensáveis. Quem se lembra do luxuoso Ford LTD de 1969 com direção assistida, ar-condicionado e caixa de câmbio automática? Itens que há 46 anos equipavam apenas o suprassumo dos automóveis nacionais hoje, para uma parcela do mercado, foram rebaixados a pré-requisitos.
Não vamos tão longe. Quando ouço no rádio os repórteres preocupadíssimos com as “pistas escorregadias” só porque está chovendo, vem à mente o relato de um colega que enfrentou a mesma condição climática quando chegou a Sant’Agata Bolognese, Itália, em meados dos anos 90. O nome do touro bravo era Diablo SV, com motor V12, tração traseira e pneus lisos, de competição. Foi tudo muito rápido: afivelar o cinto, dar a partida e sumir dali antes que alguém tentasse cancelar a avaliação. Deu tudo certo e tanto o colega quanto o Lamborghini voltaram sãos e salvos.
Melhor ter e não precisar
Mas o tempo voa e os conceitos mudam: já há quem torça o nariz para um pacato sedã de tração dianteira e motor de quatro cilindros pelo simples fato de não oferecer o controle de estabilidade. O Toyota Corolla atual mostra o comportamento benigno de uma suspensão bem acertada apoiada em largos pneus com 205 mm de seção — não pisa em falso, mas se o sistema é praticamente unânime na faixa de preço de suas versões superiores, a marca japonesa deveria adotá-lo.
Se um carrinho de entrada da Ford (conhecida pelo bom comportamento de seus automóveis) pode vir com o controle de estabilidade, por que modelos de segmentos mais caros não o fazem? Não se trata de um fetiche tecnológico: trata-se daquela situação em que é melhor ter e não precisar do que precisar e não ter. Reparem que nem sequer discuti a questão do custo: os consumidores estão cada vez mais conscientes e dispostos a pagar pela tranquilidade que sistemas de segurança proporcionam.
Parece até que esse importante diferencial
só é valorizado pelos fabricantes
dispostos a retomar participação no mercado
Claro, ainda teremos consumidores deslumbrados com sensores de estacionamento e centrais multimídia com câmeras de ré em carrinhos com menos de quatro metros de comprimento. Deitada em berço esplêndido, a Fiat — que oferecia distribuição eletrônica de frenagem entre os eixos em 2001 — hoje limita a oferta do controle de estabilidade ao pequeno 500, ao esportivo Bravo TJet e ao grandalhão Freemont.
Parece até que esse importante diferencial só é valorizado pelos fabricantes dispostos a retomar participação no mercado: não foi surpresa encontrar controle de estabilidade no VW Golf alemão, mas foi interessante ver sua oferta no Fox e até na Saveiro. Arquirrival do Corolla, o modelo 2016 do Honda Civic traz o sistema de série a partir da versão intermediária LXR — poderia tê-lo como opcional na LXS, assim como caberia adotá-lo a Fit e City em versões de topo.
Mais grave, no cenário atual, é que utilitários esporte como Honda CR-V (na versão LX), Hyundai IX35 e Toyota RAV4 não tenham o controle nem mesmo como opcional. Afinal, com centro de gravidade elevado, esses veículos estão bem mais propensos que os automóveis a exigir perícia do motorista em situações de menor estabilidade.
Não seria exagero dizer que devemos muito aos suecos da revista Teknikens Värld. O fatídico teste do “desvio do alce” envolvendo o Mercedes-Benz Classe A de primeira geração, em 1997, ajudou a propagar as virtudes do sistema, até então restrito a grandes sedãs da Mercedes, BMW e Toyota. O sistema hoje é obrigatório nos Estados Unidos e na Europa, e é questão de tempo — espero que não muito — para que sua aplicação se torne compulsória também no Brasil.
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