Fabricantes perseguem rótulos atraentes para seus carros, mesmo que isso represente imprecisão quanto à verdadeira categoria
O modelo 2016 do Ford Focus sedã, que será lançado no começo da próxima semana, chega com nova denominação: Fastback. Escolhido para buscar um apelo mais jovial e esportivo, o nome não deixa de ser inesperado — estamos habituados a vê-lo em modelos bem diferentes do Focus, como o Mustang —, mas é correto do ponto de vista da definição, que se refere à traseira inclinada sem que o vidro se levante junto da tampa do porta-malas. Também era fastback o primeiro Volkswagen Passat, exceto na versão de três portas, um típico hatchback.
Não é de hoje que os fabricantes causam surpresa com a escolha de nomenclaturas para identificar versões e modelos, seja com nomes existentes ou inventados sob medida. Os objetivos mais comuns com essa estratégia são rejuvenescer o automóvel — caso do Focus, em que Sedan soa conservador comparado a Fastback — e sobressair na categoria, fazendo parecer que se trata de segmento inédito.
Veja o caso das peruas, segmento ainda muito apreciado em mercados europeus, mas em franca extinção nos Estados Unidos e no Brasil (para lamento de muitos, como este editor). Em outros tempos os compradores as recebiam simplesmente como station wagons, mas de alguns anos para cá se tornaram necessárias outras nomenclaturas para afastar o perfil tradicional do segmento.
A BMW pegou tal gosto pela coisa que sua linha atual deixa qualquer um confuso, com cupês, sedãs, Gran Coupe e Gran Turismo
Surgiu então a expressão Sportwagon, ou perua esportiva, usada por marcas como a divisão Acura da Honda (no modelo TSX) e a Cadillac (na antiga CTS) nos Estados Unidos, a Volkswagen no Canadá (na perua que temos como Golf Variant; nos EUA ela é a Sportwagen, com “e”), a Alfa Romeo na Europa (156, 159) e a Holden na Austrália (na derivada do sedã Commodore, que foi vendido aqui como Chevrolet Omega). Até a BMW, embora chame as suas de Touring no mercado europeu, segue a tendência e anuncia a perua Série 3 como Sports Wagon aos norte-americanos. E a Audi não precisou renomear seus modelos, que desde os anos 80 adotam um nome elegante: Avant.
Depois foi a vez dos hatchbacks, outra classe que vários países da Europa compram em quantidade, mas os EUA nunca apreciaram, salvo em segmentos mais baratos — que o diga a BMW com seu Série 3 Compact dos anos 90, que fracassou ao oferecer três portas em uma marca de prestígio. Para a Audi, a solução foi chamar seus hatches de cinco portas A3, A5 e A7 de Sportback, nome escolhido também pela Mitsubishi para versão semelhante do Lancer.
Enquanto alguns nomes são evitados a todo custo, outros são perseguidos por sua aura de elegância e esportividade… como Coupe. Na definição clássica, cupê é um carro de duas portas, mas não qualquer um: há um formato de carroceria esperado para ele, com cabine compacta na parte traseira e, em geral, colunas posteriores mais inclinadas. Casos típicos são o Chevrolet Opala cupê, que se diferenciava com clareza do sedã de quatro portas (houve versão sedã de duas portas no equivalente alemão Opel Rekord, não fabricada aqui), e o Audi A5 cupê, de perfil mais esportivo que o A4.
Só que poucos compradores hoje se interessam por modelos de duas portas, com suas restrições ao acesso de passageiros, mesmo em mercados internacionais (no Brasil, nem se fala: de modo geral, só resistem nos carros mais baratos). Surgiu então em 2004 a figura do “cupê de quatro portas”, um sedã com a silhueta típica de um cupê, por meio do Mercedes-Benz CLS, seguido pelo Volkswagen Passat CC (hoje apenas CC) e o BMW Série 6 Gran Coupe. Contudo, como a definição de cupê passa por apenas uma porta de cada lado, para o Best Cars eles são apenas sedãs esportivos.
A BMW pegou tal gosto pela coisa que a variedade de sua linha atual deixa qualquer um confuso. Na faixa de médio porte, por exemplo, não existem apenas o cupê Série 4 e o sedã Série 3, mas também o Série 4 Gran Coupe — que é um hatchback de perfil esportivo, embora tenha “cupê” no nome — e o Série 3 Gran Turismo, que também é um hatchback, apesar de parecer para muitos um “cupê de quatro portas”… Imagino o desafio que signifique hoje ser vendedor de uma concessionária da marca.
SUV: uns querem, outros fogem
Desde que foi usado pela primeira vez por alguns fabricantes, no Salão de Detroit de 2001, o termo crossover — que em inglês significa cruzamento, no caso de raças — tornou-se comum para identificar qualquer modelo que não se enquadre bem nas categorias tradicionais. Assim são tratadas as dezenas de carros que mesclam elementos de automóveis e de utilitários esporte (SUVs), em geral com o estilo robusto destes últimos associado à plataforma dos primeiros.
Mais que uma demanda de mercado, havia nos Estados Unidos uma razão estratégica para convencer o público de que esse fosse o caminho. Lá os veículos são classificados por órgãos oficiais como carros ou trucks — caminhões no sentido literal ou, em tradução livre, utilitários. Os trucks usufruem benefícios como a permissão de maior consumo de combustível pelos padrões do CAFE, o programa governamental que fixa limites de gasto por fabricante (a marca que vende mais carros econômicos está facultada a vender também mais modelos gastadores).
Desde que o CAFE foi estabelecido, em 1975, os fabricantes de lá perceberam que poderiam continuar a oferecer motores potentes e de alto consumo sem a penalização do governo: bastava que os aplicassem a utilitários. O que se viu desde então foi grande crescimento dos mercados de picapes e de utilitários esporte, que adaptaram para uso urbano os jipes fora de estrada. Com o tempo, esses veículos tornaram-se cada vez mais próximos dos automóveis, em busca de melhores atributos de conforto de marcha, comportamento dinâmico e economia.
Quase não sobraram SUVs “puros”: quase todos podem ser considerados crossovers, o que banalizou essa categoria
Hoje o quadro é tal que quase não sobraram SUVs “puros”: por aqui, Chevrolet Trailblazer, Mitsubishi Pajero Dakar, Toyota Hilux SW4 e uns poucos outros. Todo o restante pode ser considerado de alguma maneira um crossover, o que banalizou essa categoria — ou esse intervalo entre categorias. No Best Cars, mais uma vez, evitamos esse rótulo: são utilitários esporte e pronto, como aparecem na Eleição dos Melhores Carros.
A BMW — sempre ela… — também não usa o termo crossover, mas tem sido muita criativa ao elaborar expressões para seus utilitários esporte. Já em 1999, com o X5 de primeira geração, ela rejeitou o rótulo de SUV (sport utility vehicle) e se saiu com SAV, Sports Activity Vehicle ou veículo para atividade esportiva. Era um meio de acentuar sua vocação para o lazer, sem sugerir que ele pudesse acompanhar um Jeep Wrangler embrenhando por trilhas.
Então alguém na marca de Munique decidiu ir além e, com base naquele mesmo SUV (ou SAV?), adotar uma carroceria típica de hatchback e eliminar um dos cinco lugares (na época o X5 ainda não levava sete) em busca de apelo mais esportivo. Nascia o X6. Como identificá-lo? Os bávaros não resistiram: Sports Activity Coupe. Isso mesmo: da noite para o dia um utilitário esporte de cinco portas tornou-se, para fins comerciais, um cupê — e ainda rendeu um filhote, o X4, anunciado da mesma forma.
Se há quem fuja do rótulo de SUV em carros que nada mais são que SUVs, também existem modelos que estão distantes das características de um utilitário esporte, mas cujos fabricantes gostariam de destacar alguma semelhança. Surgem então nomenclaturas como sportcross, usada pela Suzuki para o SX4 (que para nós é apenas um hatch), e até “SUV light”, como a Fiat certa vez estampou para sua Palio Weekend Adventure.
E há picapes que não são anunciadas como tal: são os modelos que os australianos, assim como os brasileiros, obtêm a partir de plataformas de automóveis — e não de chassis próprios, como manda a tradicional receita norte-americana. Foi ainda na década de 1950 que a Chrysler lançou mão da expressão coupe utility (utilitário cupê) para os modelos Dodge e De Soto, que pareciam um cupê normal até a metade, mas traziam na parte traseira uma caçamba.
Como se vê, há categorias em que todos desejam estar e há rótulos que ninguém quer para seus produtos. É mesmo um mundo curioso, esse do mercado de automóveis.
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