Corvette: em 60 anos, muitas formas de prever o futuro

 

Durante sua longeva carreira, o esportivo da Chevrolet deu
origem a numerosos conceitos da GM e de estúdios externos

Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação

 

O Chevrolet Corvette completa 60 anos de produção em 30 de junho, o que o Best Cars comemora com um artigo especial em Carros do Passado neste dia 28. No entanto, um assunto relacionado ao carro esporte — os conceitos desenvolvidos em torno dele, pela General Motors e por outras empresas — envolve tantas histórias curiosas que mereceu um artigo à parte em Carros-Conceito do Passado.

 

 

Pouco após chegar ao mercado, em 1954, o Corvette já servia de inspiração para dois modelos conceituais. Um tinha carroceria cupê de teto rígido e se chamava Corvair (mesmo nome do sedã de produção que surgiria em 1960), com um desenho belo, limpo e simples. Inspirado nos esportivos europeus, lembrava os Ferraris e os primeiros Porsches. Sua cor inicial vinho, com a qual apareceu no Motorama (evento em que a GM apresentava carros-conceito) do começo daquele ano, foi substituída por um verde bem claro ao ser reapresentado no Salão de Los Angeles, em março.

O outro modelo era a Nomad, que mesclava os traços do esportivo com as linhas de uma perua — contudo, foi construída sobre um chassi de automóvel Chevrolet, com seis lugares em dois bancos inteiriços. A Nomad causou tanto furor no Motorama que no ano seguinte seria lançada como parte da linha familiar da marca, junto à gama Bel Air, abandonando a frente do Corvette. Mas a perua e seu clone Pontiac Safari acabariam em 1957, sendo o insucesso atribuído ao alto preço.

 

 

Projeto bastante ousado de 1957, que não chegou a ser apresentado ao público, foi o XP-84 ou “Q Corvette”. Além do desenho que mostrava certas semelhanças ao Sting Ray de produção, a ser lançado em 1963, o “Q” trazia motor V8 de 4,65 litros na frente, transmissão em transeixo na traseira, chassi-plataforma em aço (como no Porsche 356) e peso bastante baixo, 1.010 kg. A recessão econômica de 1958, porém, fez o projeto ser abandonado — e levaria 40 anos para que o transeixo chegasse ao Corvette de linha, na quinta geração.

Em 1958 aparecia o XP-700, concebido por Bill Mitchell, vice-presidente de estilo da GM, que adicionou uma grade mais pronunciada, similar à do Oldsmobile F88 de quatro anos antes, e traseira ao estilo “rabo de pato”, como a que seria adotada em 1961 no Corvette de série. A exemplo de vários outros conceitos, o XP mudou de cor — de vermelho para prata — e ganhou, no ano seguinte, uma grade menor, traseira mais longa e teto transparente de plástico, em forma de dupla bolha, revestido com partículas de alumínio para refletir a luz solar.

 

 

 

Ainda com base na primeira geração era apresentado em 1961 o Corvette Mako Shark. Mitchell tinha como lazer caçar tubarões na costa da Flórida. Certo dia caçou um mako shark, feroz tubarão da região, e decidiu criar um carro-conceito com os mesmos tons de preto a cinza-claro. O estilista Larry Shinoda obteve para ele linhas atraentes e intimidadoras, que inspiraram o Sting Ray de produção.

Quando este foi lançado — em 1963 — porém, a equipe de estilo já trabalhava no Mako Shark II, apresentado em 1965 com teto retrátil, faróis escamoteáveis, limpadores de para-brisa ocultos por uma tampa, aerofólio posterior móvel por um comando elétrico e aletas ajustáveis na traseira para melhor estabilidade em alta. Toda a seção dianteira movia-se para frente para acesso à mecânica. No interior eram usados comandos elétricos em profusão e o painel trazia velocímetro digital.

 

 

Da mesma época é o XP-819. Shinoda desenhou o esportivo de 1965, que idealizava o uso de motor traseiro, uma resposta norte-americana ao Porsche 911 lançado dois anos antes. Foi usado um motor marítimo da GM, todo de alumínio, de forma a evitar um peso ainda maior no eixo posterior, e câmbio de apenas duas marchas. O projeto nasceu por insistência do engenheiro Frank Winchell, envolvido no desenvolvimento do Corvair de produção, também de motor traseiro, mas a ideia não foi longe: um acidente durante testes destruiu o protótipo, que seria reconstruído mais tarde com um motor V8 convencional.

 

 

O Mako Shark II teve uma segunda etapa, sendo revisto e apresentado em 1969 como Manta Ray. Ganhou defletor dianteiro, traseira mais longa e novos escapamentos, além do motor ZL1 de 7,0 litros com bloco de alumínio e 430 cv (ainda brutos). Assim como o primeiro Mako, o conceito foi mais tarde incorporado à GM Heritage Center Collection, coleção de veículos históricos da corporação.

 

 

 

Um Corvette com motor central-traseiro, a exemplo de carros esporte europeus como o Lamborghini Miura, foi uma ideia estudada pela GM durante muito tempo. O conceito Astro II XP-880, do Salão de Nova York de 1968, sugeria essa proposta com um grande V8 de 390 cv brutos e um transeixo adaptado do Pontiac Tempest de tração dianteira. Toda a seção traseira da carroceria se erguia para acesso ao V8.

Do mesmo ano é o AstroVette, versão mais aerodinâmica do desenho Shark que acabava de ser introduzido com o Corvette de terceira geração. Rodas dianteiras lisas e traseiras encobertas, linhas muito suaves e ausência de adornos externos buscavam menor resistência ao ar, embora a ausência de teto na cabine conflitasse com esse objetivo. O motor era o V8 de 7,0 litros e 400 cv brutos com caixa automática.

 

 

Essa fase do Corvette serviu de base também para o Aero Coupe, de 1969. O carro foi modificado por Bill Mitchell com anexos aerodinâmicos, para-brisa mais alto, teto removível em peça única e escapamentos laterais. Usava o motor ZL1 V8 de alumínio de 7,0 litros, com caixa automática. Renomeado Scirocco um ano depois (assim como o esportivo da Volkswagen alemã, que surgiria só em 1974), ganhou defletor dianteiro e novos retrovisores, sendo usado como carro-madrinha para a categoria de competição Can-Am. Uma terceira edição do carro viria em 1975, o Mulsanne, pintado de prata em vez de vermelho, com faróis atrás de lentes fixas — não mais escamoteáveis —, novos para-choques e interior refeito. O motor passou a ser um V8 de 7,45 litros com injeção.

 

 

 

Outra proposta com motor central, mas bastante identificada com o Corvette de série pelo formato da frente e as quatro lanternas traseiras, foi o XP-882 de 1970. Foram construídos dois, com carrocerias algo diferentes, usando o motor V8 de 7,45 litros associado à transmissão do Oldsmobile Toronado, que tinha tração dianteira. A GM não pretendia mostrá-lo ao público, mas não viu alternativa ao saber que a Ford apresentaria o De Tomaso Pantera nos salões do mesmo ano, obtendo grande visitação ao estande.

Também com motor entre os eixos era o XP-895 do Salão de Nova York de 1973. Curiosamente, sua carroceria não era de plástico e fibra de vidro como em todo Corvette, mas de alumínio, feita pela Reynolds Metals Company. O gerente geral da divisão Chevrolet John DeLorean pretendia colocá-lo em produção, mas o projeto foi descartado pelo alto custo.

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O XP-882 teve evoluções. No Salão de Paris de 1973 aparecia o Four Rotor, com motor rotativo Wankel de quatro rotores e 420 cv (agora líquidos). A solução era estudada pela GM — como várias outras marcas —, mas foi abandonada por problemas de confiabilidade e elevado consumo. As portas abriam-se como asas de gaivota e tanto a frente quanto a traseira eram baixas e afiladas.

Três anos mais tarde o Four Rotor era renomeado Aerovette e ganhava um V8 de 6,6 litros em posição central-traseira transversal. Suas formas ousadas já pareciam viáveis para a produção em série, o que a GM cogitava para 1980, mas as boas vendas do Corvette C3 a levaram a estender seu ciclo de vida e, quando chegou a hora da substituição, a quarta geração de 1984 manteve o motor dianteiro.

 

 

 

Depois de longa ausência, um Corvette conceitual voltaria aos salões apenas no evento de Detroit de 1986. O Corvette Indy era mais uma proposta de motor central, desta vez um V8 compacto (apenas 2,65 litros) com duplo comando nos cabeçotes, 32 válvulas e dois turbos com resfriadores de ar. Desenhado pela inglesa Lotus, era o mesmo motor Chevrolet da Fórmula Indy, com cerca de 600 cv.

O projeto incluía tração integral, direção atuante nas quatro rodas, freios antitravamento (ABS), controle de tração e suspensão ativa, que ajustava o amortecimento e mantinha constante a altura de rodagem. Em vez de retrovisores, um monitor de vídeo no painel mostrava o que havia atrás do veículo. O primeiro Indy, em prata e não funcional, foi seguido pelos exemplares branco e vermelho, capazes de rodar.

 

 

Depois dele veio o CERV III, sigla para Chevrolet Engineering Research Vehicle, terceiro projeto. Mais uma vez a GM estudava colocar um motor V8, agora o 350 de 5,75 litros, em posição central-traseira. Avançado, o conceito de 1990 usava fibra de carbono, fibra de aramida (kevlar) e alumínio na carroceria, freios a disco duplo — com dois discos para cada roda — e tração integral. O V8 com dois turbos fornecia 650 cv e fazia esperar a velocidade máxima de 362 km/h.

 

 

Depois do CERV III houve um grande hiato, no qual a GM apresentou apenas uma leve variação do C5, o Corvette de quinta geração. No evento de carros preparados SEMA Show de 2002 aparecia o White Shark (tubarão branco), derivado da carroceria Hardtop, com frente e traseira remodeladas e, claro, mais potência. O V8 de 5,7 litros deu lugar a um LS1 de 6,6 litros, com 520 cv, e foi usado um câmbio automático de quatro marchas. A frente mostrava inspiração em um tubarão e os para-lamas eram mais largos.

 

 

Após outro período de calmaria, a Chevrolet retornou a um Corvette de conceito com o Stingray de 2009, revelado no Salão de Chicago e destinado ao uso no filme daquele ano da série Transformers. A inspiração veio do carro de corridas Sting Ray de 1959, meio século antes, e alguns traços podem ser vistos no novo Corvette C7. Não foram informados dados técnicos.

 

 

 

As criações de estúdios

Conceitos com base no Corvette não foram elaborados apenas pela GM. O estúdio italiano Pininfarina elaborou para o Salão de Paris de 1963 o Rondine, com base no chassi do Sting Ray lançado naquele ano. O cupê desenhado por Tom Tjaarda tinha os faróis expostos mesmo quando desligados (embora mantivesse as tampas acima deles), teto com perfil mais tradicional e traseira angulosa.

 

 

Em 1984 foi a vez de Bertone, outro estúdio da Itália, que apresentou o Ramarro. As formas retilíneas tornavam-se algo estranhas com as proporções do carro, que tinha a cabine bastante recuada, e as portas deslizavam para frente. No interior os bancos dianteiros formavam um só, mas com a parte central elevada como um console.

 

 

 

A Bertone voltava a usar um Corvette como base em 1990, com o Nivola do Salão de Turim. Dessa vez o motor do ZR-1 de série, um V8 de alumínio de 5,75 litros, foi instalado em posição central-traseira, enquanto a carroceria tinha formas longas, largas e baixas e a suspensão usava sistema hidropneumático. O nome era uma homenagem ao piloto Tazio Nuvolari, apelidado de Nivola.

 

 

Em 1992, um concurso envolvendo três estúdios para desenhar uma proposta para a quinta geração do Corvette teve como vencedor o Sting Ray III elaborado pelo Advanced Concept Center, do sul da Califórnia. Com detalhes de estilo inspirados nos Corvettes dos anos 60, o conceito tinha menores dimensões que o C4 no qual foi baseado, volante e pedais ajustáveis (os bancos, porém, eram fixos), suspensão ativa, direção nas quatro rodas e motor LT1 de 300 cv, o mesmo do modelo 1992 de série.

 

 

No Salão de Genebra de 2003, a ItalDesign de Giugiaro mostrava o Moray, homenagem ao 50°. aniversário do esportivo da GM. O estilo tinha inspiração em carros do passado. O motor V8 ampliado para 6,0 litros desenvolvia 400 cv.

 

 

 

Em 2009 era a vez do Bertone Mantide, também criado pelo estúdio italiano, que anunciava inspiração em carros de Fórmula 1 e na indústria aeroespacial. Com carroceria de fibra de carbono e o motor de 6,2 litros com compressor do Corvette ZR1, prometia acelerar de 0 a 100 em 3,2 segundos.

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