Duas versões de um utilitário esporte moderno, cheio de estilo e preparado para pôr a marca em destaque
Texto: Danillo Almeida – Fotos: divulgação
Os anos 2000 foram amargos para o grupo PSA. Sua situação financeira era instável, sua linha de modelos não se sobressaía em relação à concorrência europeia, a operação chinesa ainda estava dando os primeiros passos, os modelos oferecidos na América Latina vendiam muito abaixo do esperado… Como se isso não fosse suficiente, havia uma crise de imagem: as marcas Peugeot e Citroën ofereciam modelos parecidos demais, às vezes praticamente iguais. A empresa estava investindo em carros que acabavam dividindo o mesmo público-alvo, em vez de tentar multiplicá-lo. Era preciso reverter essa tendência o mais rápido possível.
O fabricante entrou na década atual executando uma série de mudanças em seu modus operandi. As que se relacionam a estilo giraram em torno da criação de uma nova identidade visual, inaugurada pelo hatchback 208: o exterior, novamente apoiado na aparência felina, passou a exibir uma interpretação mais madura da esportividade. As formas repuxadas e exageradas deram lugar a outras mais suaves e ricas em detalhes. Por dentro, a nova palavra de ordem foi priorizar o motorista por meio do conceito i-Cockpit, cujo destaque é o volante menor e localizado de modo a que o motorista veja o quadro de instrumentos por cima dele.
As vendas reagiram, mas o mercado vinha perdendo interesse nos modelos de sempre do grupo. Categorias como sedãs, hatches e, sobretudo, peruas têm sido preteridas por utilitários esporte (SUVs) e assemelhados em todo o mundo. Embora a Peugeot pertença ao grupo que resiste ao domínio completo desses tipos de carro, não se pode negar seu potencial de vendas. Por isso, ela também procurou mudar a linha de modelos — e os dois analisados neste artigo são um reflexo dessa estratégia.
Lançada em 2009, a primeira geração da minivan 3008 seguia o conceito de crossover (no caso, meio-termo entre minivan e SUV) quando ainda não havia um ideal de crossover a seguir. A Peugeot se dedicou a dotá-la do espaço das minivans, do requinte dos sedãs e da altura dos SUVs — e conseguiu, mas às custas da aparência. Já a 5008 respeitava a cartilha de desenho das minivans médias, mas teve o azar de surgir na marca irmã da Citroën, que já vendia as Picassos (Xsara e, depois, C3 e C4) com grande êxito desde o fim dos anos 90. Ainda havia o 4008, SUV cuja personalidade era limitada pelo fato de ser um Mitsubishi ASX com meros retoques visuais. Por motivos diferentes, nenhum deles foi sucesso.
Hoje, é possível afirmar que a PSA acertou em sua linha. Peugeot, Citroën e a agora emancipada DS oferecem menos modelos, mas cada um tem proposta mais clara e distante da dos demais. Na segunda geração, 3008 e 5008 tornaram-se um só utilitário esporte em versões de entre-eixos curto e longo (o número 4008 agora batiza o novo 3008 na China, onde a geração antiga continua à venda). Ambos tiveram seu desenho tão bem executado que se tornaram referências em estilo, mesmo no competitivo e lotado mercado europeu, e conseguiram começar a reerguer a imagem da Peugeot em um dos mercados que mais lhe têm oferecido resistência: o brasileiro.
Enquanto a maioria dos fabricantes procura unificar sua linha de modelos entre um país e outro, de maneira a reduzir os custos de desenvolvimento, a Peugeot promoveu uma exceção que chega a surpreender: o 5008 tem um desenho dianteiro exclusivo disponível, pelo menos até agora, somente na Austrália e em versões não esportivas. Ele usa o mesmo estilo do 3008 no restante de sua oferta, o que compreende o vendido no Brasil, mas é interessante analisar as duas propostas.
A entrada de ar superior é um dos poucos pontos em comum. Seu formato trapezoidal busca remeter aos felinos, ao passo que a borda cromada e espessa lhe dá imponência e até um pouco de requinte. Como o desenho exclusivo do 5008 australiano é aplicado a versões não esportivas, apresenta filetes horizontais de desenho genérico. Nos outros modelos, eles dão lugar a filetes mais numerosos e de comprimento intermitente. Tal solução evita realçar a largura do carro e minimiza a sensação de peso, o que convém a um carro com viés esportivo.
Aquela diferença de propostas volta a aparecer. Esse vinco é uma das partes mais marcantes da dianteira global, pois começa no recorte dos faróis (recurso já usado em vários Peugeots e que procura aproximar a sua forma à dos olhos dos felinos) e avança rumo ao piso, criando uma divisão forte entre as regiões central e laterais. O 5008 australiano usa um desenho mais pacato, suave e baseado em formas horizontais, enquanto o modelo global traz aparência altamente esportiva.
Com tanto destaque dado ao centro, é normal que os faróis de neblina fiquem em segundo plano no carro global. As entradas de ar auxiliares adotam desenho bastante trivial para destacar as luzes, as quais adotam posição elevada. No carro australiano, ocorre o contrário: as luzes são discretas e as entradas de ar são grandes e realçadas, o que torna o visual imponente. Em ambos, os detalhes cromados adotam forma de “V” horizontal para quebrar o domínio da cor preta, ao mesmo tempo em que colaboram com a proposta de desenho leve e fluido.
No desenho global, a entrada de ar tem a forma de trapézio com base mais estreita que o topo, para respeitar a forma de “V” da seção central e a intenção de esportividade. Como o modelo australiano tem vocação mais familiar, usa-se o trapézio invertido para tornar a aparência mais massiva e assentada ao solo. A peça prateada ao fundo tem o formato externo parecido nos dois casos, mas é tripartida no desenho global para chamar atenção em meio aos outros elementos. Como não o é no australiano, acaba passando despercebida.
Deixar o volume dianteiro com formas horizontais e bem separado é um recurso clássico para fugir da aparência de minivan e, dependendo do caso, sugerir esportividade. Aqui, isso foi reforçado pelo filete decorativo que simula uma extensão dos faróis e pelo vinco acima dos para-lamas, ambos horizontais. Pode não parecer à primeira vista, mas eles ajudam a construir uma sensação de movimento, a qual condiz com uma personalidade mais dinâmica.
Outro recurso muito comum é usar a cor preta em toda a parte inferior da carroceria. Isso não só diminui a área pintada na cor da carroceria, como também eleva sua base. Como resultado, a altura do carro é disfarçada e ele não parece tão assentado ao piso, o qual vai contra a sensação de massa e a favor da esportividade. Os para-lamas têm desenho bem simples para evitar excesso de informação com os vincos horizontais que ficam logo acima.
Quando se fala em duas versões de entre-eixos para um mesmo carro, uma solução simples seria alongar uma ou ambas as portas em cada lado. A Peugeot esticou as portas traseiras para o 5008, é verdade, mas não ficou só nisso. Como ele acomoda três fileiras de bancos, adotou-se a linha de cintura reta para dar janelas grandes a todos e evitar a sensação de claustrofobia. Já no 3008, mais focado em desenho que em funcionalidade, a linha de cintura termina elevada para quebrar a monotonia e dissimular seu comprimento total.
As vigias laterais seguem o que mostra o item anterior: mais estilosas no 3008 e mais funcionais no 5008. Interessante é o uso do detalhe prateado para reforçar cada um desses fins. O do 3008 termina logo abaixo do teto, para dar sensação de fluidez e até evocar o efeito de teto flutuante, já que o restante da coluna traseira vem em preto brilhante. O do 5008, por sua vez, é fino e bem definido, vai até a base das janelas e quebra uma grande região de cor escura: disfarça a silhueta real e faz o carro parecer menor e mais leve.
Como o custo baixo não foi uma prioridade no projeto destes carros, a Peugeot pôde investir em detalhes como esse: nem mesmo as lanternas e a tampa do porta-malas são compartilhadas. Olhando bem, percebe-se que toda a parte traseira é diferente entre um modelo e outro. Veremos em detalhes a seguir.