Um BMW mais que 118i e menos que Sport

 

Se o desempenho do motor turbo de 170 cv empolga, em
comportamento o novo Série 1 põe em xeque suas tradições

Texto e fotos: Fabrício Samahá

 

Quando a BMW lançou no Brasil a versão 118i de seu hatchback Série 1, em 2009, a reação de muitos foi contrária: um carro de acabamento simples, sem os habituais equipamentos de conforto e com motor de apenas 136 cv não viria prejudicar a imagem de prestígio da marca de Munique?

O tempo mostrou ampla aceitação para esse BMW de entrada, que no ano passado registrou 1.293 unidades emplacadas (dados da Fenabrave), contra 900 do Audi A3 e 547 do Volvo C30. As outras versões do Série 1 hatch — 120i e 130i — pouco representaram em volume, com 71 e 128 exemplares, na ordem, o que deixou o modelo bávaro com total de 1.492 veículos. Ainda em 2011, em junho, era lançado na Europa o novo Série 1 que em março deste ano chegaria ao mercado nacional.

O 118i tornou-se de tal forma o carro-chefe da linha que foi a primeira versão da nova geração oferecida aos brasileiros (o Série 1 cupê e o conversível permanecem disponíveis no modelo antigo). A BMW trabalha com três opções: básico ao preço sugerido de R$ 113.370, Urban Line a R$ 119.220 e Sport Line por R$ 122.900. O Best Cars passou uma semana com a última versão para verificar que avanços ela traz em relação ao 118i anterior avaliado em 2010.

 

 
Elementos de estilo já clássicos na marca estão presentes no novo Série 1, mas o
vão entre faróis e grade causa estranheza e a traseira poderia ser mais criativa

 

A dotação de equipamentos de série do Sport compreende caixa de câmbio automática de oito marchas, controle eletrônico de estabilidade e tração, seis bolsas infláveis (frontais, laterais dianteiras e cortinas), faróis de neblina, rodas de alumínio de 17 pol, parada/partida automática do motor, pneus do tipo roda-vazio, ar-condicionado, faróis e limpador de para-brisa automáticos, retrovisor interno fotocrômico, rádio com toca-CDs/MP3, interface Bluetooth para telefone celular, computador de bordo e sensores de estacionamento na traseira. A garantia é de dois anos.

 

Características que apreciamos são o capô visível por quem dirige, o para-brisa “à moda antiga” — mais vertical e próximo que na maioria dos carros — e as colunas dianteiras recuadas

 

Identificado com o código de projeto F20 na versão de cinco portas (F21 na de três), o novo Série 1 lembra bastante o anterior nas formas das laterais, com sua combinação de vincos, curvas e concavidades, mas se trata de uma carroceria toda nova — o comprimento aumentou 8,5 centímetros, a largura 1,7 cm e a distância entre eixos 3 cm. A mudança mais chamativa está na frente, com um acréscimo de volume entre os faróis e a dupla grade que faz remeter ao Série 5 Gran Turismo (não um mérito, pois a nosso ver este último é um dos menos felizes desenhos da história recente da BMW). Na traseira, as lanternas são menos inspiradas do que poderiam. Mas é bom o Cx de 0,32.

 


Espaço interno ainda não é o destaque do 118i, mas o porta-malas aumentou; o 
Sport
vem com rodas de 17 pol e os pneus, como habitual na BMW, podem rodar furados

 

No interior também redesenhado do 118i, nota-se a interessante preservação de forma e função de grande número de comandos, que permite a um motorista habituado ao modelo anterior se sentir em casa e usar os controles de maneira intuitiva — uma lição para muitos fabricantes que parecem mudar as coisas de lugar só pela mudança. Um pouco mais moderno, mas ainda fiel à proposta de “posto de trabalho”, o painel agora traz uma grande tela central que atende a múltiplas funções como sistema de áudio, computador de bordo, configurações, telefone, manual de instruções digital e preferências do motorista (que ficam armazenadas em um pendrive). Tudo é controlado pelo comando IDrive no console, um botão que pode ser girado, pressionado e movido em várias direções.

 

 

Como antes, esse BMW de entrada é relativamente simples em acabamento, com bancos revestidos em tecido espartano e plásticos rígidos, de aspecto apenas regular, mas com montagem esmerada. O conjunto agrada aos olhos, mas não tanto quanto se espera de um modelo de seu preço. O motorista dispõe de excelente banco, volante exato e apoio bem definido para o pé esquerdo, mas ainda incomodam os pedais deslocados à esquerda, imposição do largo túnel central de transmissão — um clássico inconveniente que no Série 3 já pertence ao passado.

Características que apreciamos são o capô visível por quem dirige, o para-brisa “à moda antiga” — mais vertical e próximo que na maioria dos carros — e as colunas dianteiras recuadas que não atrapalham a visão. Foram mantidas as regulagens manuais para os bancos e o requinte do ajuste elétrico para o “abraço” dado pelos apoios laterais de motorista e passageiro, além de apoio de coxas regulável. Deveria melhorar o regulador de altura dos assentos, que depende do peso aplicado pelo ocupante para subir e descer. Embora seja fácil a leitura dos instrumentos, seu quadro muito grande no sentido vertical torna um desafio acertar o volante sem que alguma seção fique encoberta.

 

 

 
Funcionalidade é o tema dos interiores da marca e com o 118i não é diferente, caso dos
instrumentos; os bancos, de revestimento simples, têm forma e densidade exatas

 

Bons detalhes são percebidos por toda parte, como partida do motor por botão sem uso de chave, retrovisor esquerdo biconvexo, iluminação do painel no ideal tom laranja, acelerador fixado ao assoalho, controle elétrico de vidros com função um-toque para todos e comando de abertura/fechamento a distância, limpador de para-brisa com excelente área de varredura, cintos presos ao próprio banco na ancoragem externa (mantém o ajuste ao regular o assento), limitador de velocidade e alerta programável para excesso, tomada de 12 volts para o banco traseiro, alarme com proteção por ultrassom, aviso específico para porta mal fechada, sensores de estacionamento com indicação gráfica, luzes de cortesia no assoalho e vidros das portas traseiras que descem por inteiro. Ainda, os dígitos do mostrador digital do painel mudam de branco para vermelho em ambientes escuros para combinar com a iluminação dos instrumentos.

O sistema de áudio, de qualidade de som adequada mas não brilhante, traz conexões USB e auxiliar e comandos no volante. Há ainda uma prática liberação do capô: basta puxar duas vezes a alavanca interna e erguer a peça, sem procurar travas escondidas em meio à sujeira. Na quinta porta, o próprio logotipo da BMW serve de alça, o que também evita sujar a mão. Por outro lado, algumas ausências são inaceitáveis por seu preço, a exemplo de controle automático do ar-condicionado, luzes de leitura (havia antes) e de cortesia nos para-sóis e controlador de velocidade, e o acesso ao interior deveria prescindir de chave como a partida.

 

 

 
O comando da parada/partida automática (off), o conta-giros com posição ready (pronto),
o seletor no console para modo de condução, os bancos com ajuste de apoio de coxas
e regulagem elétrica dos apoios laterais, e a chave que não precisa ser usada na partida

 

Uma das novidades do 118i em favor da eficiência é o seletor de modos de uso com posições Eco-Pro, Comfort, Sport e Sport Plus, escolhidas pelos comandos junto à alavanca de câmbio. Os modos afetam parâmetros como trocas automáticas de marcha, respostas do acelerador e, no caso do Eco-Pro, operações de aquecimento e ar-condicionado. Ao selecionar esse modo mais eficiente e favorável à economia, o computador de bordo passa a indicar o ganho acumulado em autonomia pelo uso dessa programação comparada a um modo normal. Já o Sport Plus desativa o controle de estabilidade, o que pode ser feito por botão durante o uso dos outros programas.

A BMW aplicou também o sistema de parada e partida automáticas do motor, que o desliga automaticamente ao manter o pedal de freio acionado com o câmbio engatado (não atua em ponto-morto nem ao acionar o freio de estacionamento) e volta a ligá-lo ao liberar o pedal. Durante a parada o conta-giros indica ready, pronto. O sistema, que pode ser desligado, funciona com grande rapidez e em nada complica situações cotidianas, como a aceleração rápida quando surge uma brecha ao cruzar uma via, mas a partida do motor não é tão discreta quanto no utilitário esporte X3 avaliado em 2011.

Próxima parte

 

 

Apesar das maiores dimensões, esse hatch continua pouco voltado ao uso familiar. O banco traseiro é apenas regular em largura e acomodação das pernas (embora ofereça bom espaço vertical) e seu formato côncavo o torna inadequado para três pessoas; o passageiro central sofre ainda com um encosto nada confortável. Já o porta-malas tem capacidade adequada para seu porte — 360 litros, aumentada em 30 em relação ao anterior — e pode ser ampliado pelo rebatimento do banco bipartido. Não há estepe, pois o 118i usa pneus do tipo roda-vazio (run-flat), que podem rodar mesmo furados e sem ar por certa distância; abaixo do compartimento vem a bateria, protegida do calor do motor e favorável à distribuição de massas entre os eixos.

 

 
O motor 1,6 turbo, similar ao do Mini Cooper S, trouxe novo vigor para o 118i; o torque
máximo de 25,5 m.kgf está presente desde 1.500 rpm e seu funcionamento é bem suave 

 

Vivacidade com eficiência

Embora 118i sugerisse um motor de 1,8 litro pela designação tradicional — e cada vez menos seguida — da BMW, que usava um digito para o modelo e dois para a cilindrada, o modelo anterior já não a respeitava ao usar um de 2,0 litros e aspiração natural. Agora ele vem com um 1,6-litro dotado de turbocompressor de duplo fluxo e injeção direta, basicamente o mesmo usado na linha Mini Cooper S, só que em posição longitudinal e com tração traseira (o primeiro uso nessa configuração do conhecido motor, também empregado em numerosos modelos da Citroën e da Peugeot).

 

Curiosamente, a potência de 170 cv é a mesma do 2002 Turbo, o BMW lançado em 1973 que foi o primeiro carro europeu com esse tipo de superalimentação, mas o 118i oferece seu torque máximo em uma ampla faixa

 

Sofisticado, o 1,6 inclui variação de tempo de abertura das válvulas de admissão e escapamento e o sistema Valvetronic, que substitui a borboleta de aceleração pela variação de levantamento das válvulas de admissão (o objetivo é reduzir as perdas por bombeamento com acelerador pouco aberto, da mesma forma que se sugere abrir mais o acelerador pelo método carga). Curiosamente, sua potência de 170 cv é a mesma do 2002 Turbo, o BMW lançado em 1973 que foi o primeiro carro europeu com esse tipo de superalimentação, antes mesmo da versão similar do Porsche 911. Bem ao contrário daquele pioneiro, porém, o 118i oferece seu torque máximo de 25,5 m.kgf na ampla faixa de 1.500 a 4.500 rpm.

Ao lado do expressivo ganho em potência e torque em relação ao 118i da geração anterior, que tinha 136 cv e 18,4 m.kgf, o novo carro traz como trunfo a caixa de câmbio automática de oito marchas, duas a mais que antes. Em termos de interação do motorista nada mudou, pois continua a haver seleção manual só via alavanca e no “padrão BMW”, com trocas ascendentes para trás e reduções para frente; em modo manual as trocas para cima ainda ocorrem ao se chegar à rotação máxima, mas é possível usar quase todo o acelerador sem provocar redução, que só vem quando é pisado o interruptor de fim de curso. E vem mesmo: chegamos a ver de oitava para terceira em uma só tacada.

 

 

 
Sensor de estacionamento, programa de direção, manual de instruções, verificações,
áudio, telefone: muitas utilidades para a tela e os comandos no console central

 

O Série 1 também mudou pouco em arquitetura, caso das suspensões, que preservam os conhecidos conceitos McPherson à frente e multibraço na traseira, e da direção, que já contava com assistência elétrica — hoje adotada em outras linhas da marca em nome da eficiência. O Sport inclui rodas de 17 pol com pneus 205/50 assimétricos (Continental Conti Premium Contact no avaliado), enquanto no antigo 118i eram de 16 pol com 205/55.

Entre novidades e elementos conhecidos, como ficou dirigir esse BMW?

 

 

É onde chegamos ao tema do título da matéria. Mais que 118i, certamente, pois em desempenho ele se coloca em patamar bem superior ao do homônimo da geração passada. O motor tem agradável vivacidade desde as rotações mais baixas, sendo difícil encontrar o retardo de atuação do turbo (turbo lag) que um dia já restringiu esse tipo de superalimentação a carros esportivos, sem vocação para o uso cotidiano. Em velocidades de viagem, mesmo com o câmbio em manual, basta acelerar para sentir imediato fornecimento de potência e o carro ganhar fôlego com rapidez. A velocidade máxima de 222 km/h e a aceleração de 0 a 100 km/h em 7,5 segundos (dados de fábrica) ilustram essa disposição.

Como se espera de um BMW, vibrações e aspereza são palavras que o 1,6-litro desconhece, mesmo perto do limite de giros de 6.500 rpm, mas ele produz só um leve ronco em alta rotação — pouco para quem aprecia a música dos pistões. A caixa de oito marchas opera com perfeição, como se interpretasse as ondas cerebrais do motorista, e dá sensação de manual pela rapidez das mudanças para cima e para baixo, sem o deslizamento habitual em muitos automáticos. Em modo Eco-Pro percebe-se o uso frequente de rotações bem baixas (até menos de 1.500 rpm) mesmo com certa abertura de acelerador, como medida de economia. Em Sport ou Sport Plus é o oposto: mantém-se acima de 2.000 rpm para respostas mais rápidas.

 

 
O câmbio de oito marchas beira a perfeição na forma como “lê” as vontades do
motorista, mas o acerto de suspensão deixa a desejar: o carro sai muito de frente

 

E por que menos que Sport? Pelo acerto de suspensão que os bávaros escolheram para a nova geração, ao menos nesta versão de potência moderada (já existe na Europa o M 135i com 320 cv). Apesar da carga de amortecedores que traz o rodar controlado típico da marca, os pneus perdem aderência em curvas rápidas antes do esperado e levam a um comportamento subesterçante em excesso — a ponto de colocar em dúvida a vantagem da tração traseira, salvo pela ausência de reações no volante ao aplicar potência. Houve exagero do fabricante ao prever uma atitude de fácil controle por motoristas de pouca habilidade, já que existe controle eletrônico para esse fim. O 118i ficaria bem mais divertido aos iniciados com um comportamento mais neutro como era, ao que nos lembramos, o do anterior.

 

Como se espera de um BMW, vibrações e aspereza são palavras que o 1,6-litro desconhece; a caixa de oito marchas opera como se interpretasse as ondas cerebrais do motorista

 

À parte esse desapontamento, fica a aprovação geral ao modo de andar do novo Série 1: estabilidade direcional irrepreensível — feita para as velocidades ilimitadas hoje restritas a alguns trechos das autobahnen — e um rodar confortável, com qualidade surpreendente de absorção de irregularidades se considerados os pneus de baixo perfil e construção mais rígida, inerente ao tipo roda-vazio. Rápida (relação de 15:1), a direção tem peso correto em qualquer condição de uso; os freios mostram grande capacidade de desaceleração e contam com secagem ao rodar em piso molhado e assistente de saída em aclive. O carro como um todo transmite agradável sensação de solidez e qualidade construtiva.

O novo 118i aproveita um momento no qual a concorrência está envelhecida, pois o Audi A3 está para ser substituído pelo modelo lançado na Europa e o Volvo C30 já tem seis anos de mercado (por outro lado, em breve chega o moderno V40 da marca sueca). Mais que o estilo ou os itens de conveniência, foi o motor 1,6 turbo que lhe trouxe o maior salto em relação ao modelo anterior, tornando seu desempenho mais coerente com a imagem esportiva que a marca desfruta. Uma pena que os entusiastas não tenham sido tão ouvidos na hora de definir seu comportamento dinâmico.

 

Ficha técnica

Motor
Posição longitudinal
Cilindros 4 em linha
Comando de válvulas duplo no cabeçote
Válvulas por cilindro 4, variação de tempo e levantamento
Diâmetro e curso 85,8 x 77 mm
Cilindrada 1.598 cm³
Taxa de compressão 10,5:1
Alimentação injeção direta, turbocompressor, resfriador de ar
Potência máxima 170 cv a 4.800 rpm
Torque máximo 25,5 m.kgf de 1.500 a 4.500 rpm
Transmissão
Tipo de câmbio e marchas automático / 8
Tração traseira
Freios
Dianteiros a disco ventilado
Traseiros a disco
Antitravamento (ABS) sim
Direção
Sistema pinhão e cremalheira
Assistência elétrica
Suspensão
Dianteira independente, McPherson, mola helicoidal
Traseira independente, multibraço, mola helicoidal
Rodas
Dimensões 7 x 17 pol
Pneus 205/50 R 17
Dimensões
Comprimento 4,324 m
Largura 1,765 m
Altura 1,421 m
Entre-eixos 2,69 m
Capacidades e peso
Tanque de combustível 52 l
Compartimento de bagagem (normal/banco rebatido) 360 / 1.200 l
Peso em ordem de marcha 1.390 kg
Desempenho
Velocidade máxima 222 km/h
Aceleração de 0 a 100 km/h 7,5 s
Dados do fabricante; consumo não disponível

 

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