Os três carros oferecem bom desempenho, mas o C3 (como o 208) é prejudicado
diante do Fiesta pelo câmbio automático tradicional e de apenas quatro marchas
Mecânica, comportamento e segurança
Há bastante em comum nas três mecânicas, como motor transversal de 1,6 litro e quatro válvulas por cilindro com variação de tempo de válvulas, mas também existem diferenças (leia mais sobre técnica). O Fiesta obtém potência superior, 125 cv com gasolina e 130 cv com álcool, ante 115/122 cv dos oponentes, que compartilham o motor. Já em torque há ligeira vantagem para as marcas francesas, com 15,5/16,4 m.kgf (e em menor regime de rotação) contra 15,4/16 m.kgf do Ford, que perdeu um pouco nesse aspecto com as recentes alterações. Como o Fiesta também pesa um pouco menos (1.153 kg) que o C3 (1.202 kg) ou o 208 (1.189 kg), acaba com a melhor relação peso-potência.
Os motores são bastante agradáveis de usar: bem dispostos desde baixas rotações, silenciosos (embora não muito nas altas) e com um funcionamento suave que torna convidativo explorar a segunda metade do conta-giros. Contudo, a sensação ao usufruir o do Fiesta em sua plenitude é de que ele não tem 130 cv, e há razões para isso: o menor torque e o erro de calibração pelo qual o câmbio passa à próxima marcha 200 rpm antes do ponto de maior potência. O que beneficia o Ford de forma decisiva em desempenho é a caixa de dupla embreagem e seis marchas.
É o que confirmou nossa simulação: acelerar de 0 a 100 km/h com o Fiesta requer cerca de um segundo a menos e suas retomadas de velocidade são mais rápidas, sobretudo de 80 a 120 km/h. Em velocidade máxima, porém, a dupla francesa obteve marcas um pouco superiores. Já em consumo a vantagem do Ford foi consistente em qualquer condição (veja os números e leia a análise detalhada).
Com mudanças rápidas, menor perda de energia e seis marchas, a caixa de dupla
embreagem deixa o carro da Ford superior em aceleração, retomada e consumo
O câmbio Powershift constitui vantagem importante do Fiesta por diferentes fatores. Sua construção dispensa o conversor de torque das caixas automáticas tradicionais, que é fator de consumo de energia — e, em última análise, de combustível. Outra superioridade indiscutível é a de ter seis marchas contra apenas quatro dos concorrentes, escolha muito mais adequada a esses motores com torque máximo em alta rotação, pois diminui bastante a variação de rotação ao subir e reduzir marchas.
Toda a operação do câmbio Powershift da Ford é tão eficiente que não conseguimos ver uma vantagem nas caixas automáticas dos dois oponentes
Essas diferenças manifestam-se com clareza ao dirigir os três modelos. Em vez de “patinar” nas saídas e nas mudanças de marcha como os de 208 e C3, o câmbio do Fiesta apenas troca de marcha de forma decidida e muito rápida, a ponto de não se perceber interrupção no fornecimento de potência às rodas. Em uma aceleração com vigor a rotação cai menos nas trocas, o que mantém o motor em rotação mais favorável para o desempenho. Quando se faz redução, o giro aumenta menos, em geral apenas o necessário para ganhar potência sem elevar em demasia o nível de ruído.
Toda a operação é tão eficiente que não conseguimos ver uma vantagem nas caixas automáticas dos dois oponentes, seja em suavidade, seja em termos de manutenção, pois o Powershift dispensa serviços até 240 mil quilômetros e suas embreagens não usam óleo, que requer troca nos câmbios dos rivais. Como nos oponentes, o câmbio da Ford faz o carro rodar devagar quando não se usa o acelerador, como a maioria parece preferir no tráfego lento.
O 208 compartilha grande parte da mecânica do C3, como o motor de 1,6 litro, que passou
por evoluções em relação ao do 207 e agora dispensa o tanque auxiliar de partida a frio
Interessante como o modo esportivo do Powershift (selecionado pela posição S da alavanca) leva o motor a altas rotações ao desacelerar em declives, útil em descidas de serra mais íngremes. É possível ainda reter o carro pelos freios para uma arrancada rápida, em que acelerar a fundo leva o motor a 2.750 rpm antes do rápido acoplamento da embreagem. Em geral, automatizados não permitem essa operação, enquanto automáticos tradicionais costumam trabalhar com limite de rotação (estol) mais baixo, pouco acima de 2.000 rpm.
O que a Ford deveria adotar, ao menos como opcional, é algo que Peugeot e Citroën oferecem: comandos junto ao volante — no caso deles, fixos à coluna de direção — para mudanças manuais, que no Fiesta são feitas apenas por um botão na lateral do pomo da alavanca. Nos concorrentes também é possível a operação manual pela própria alavanca, para frente (subindo) e para trás (reduzindo marchas), e existem botões para acionar os modos esportivo (que mantém o motor em rotação mais alta) e de baixa aderência (que faz o carro sair em segunda para evitar patinação das rodas).
Ponto em comum entre os três é que se podem fazer mudanças manuais sem tirar a alavanca de D. Nesse caso, após alguns segundos a atuação automática retorna, o que não acontece caso se esteja em descida e sem acelerar, pois a caixa interpreta a conveniência de obter freio-motor. Quando em modo automático, os câmbios mostram boa calibração quando aparece uma subida em velocidades de rodovia: a redução só vem quando realmente necessária, ou seja, quando não haveria como manter o ritmo na marcha em uso — ao contrário do ineficiente padrão das marcas japonesas de reduzir marcha assim que se abre um pouco mais o acelerador.
Os motores da Ford e da PSA são agradáveis de usar e relativamente silenciosos; o do
Fiesta tem até 10 cv a mais que o dos oponentes, mas perde para eles em torque
A caixa compartilhada por C3 e 208 funciona da mesma maneira nos dois: em modo manual, faz mudanças automáticas para cima ao atingir a rotação de 6.200 rpm (o mesmo no Fiesta, 100 rpm acima) e permite grande abertura de acelerador sem provocar redução, que só vem quando é superado um batente próximo ao fim de curso. Nesse aspecto o Powershift é diferente: o que decide se haverá redução não é a posição do acelerador, mas a velocidade com que ele é movimentado. Pise devagar e você chegará ao fim de curso em marcha alta; pise rápido e o câmbio entenderá que se deseja potência, reduzindo de imediato até três marchas.
Como é melhor? A solução da Ford nos pareceu perfeita ao primeiro contato, pois substitui uma convenção pela interpretação da vontade do motorista a cada momento. Mas ao dirigir com vigor em trecho sinuoso ficamos em dúvida, pois algumas vezes o câmbio reduziu sem desejarmos ao acelerar a fundo em uma saída de curva. Nessa situação, ter um batente bem definido seria o melhor para informar à caixa que preferimos manter a marcha em uso.
O câmbio AT8 das marcas francesas (produzido em uma associação com a Renault), embora denote alguma evolução sobre o AL4 dos antigos 207 e C3, poderia ser melhor em calibração. O do 208 mostrou respostas lentas aos pedidos de aceleração e reteve as marchas baixas em demasia quando já não precisava, como ao concluir uma ultrapassagem. Ao desacelerar, nota-se em ambos um ligeiro solavanco quando a segunda dá lugar à primeira, já devagar. Sob todos esses aspectos o Fiesta agrada mais, embora também pudesse ser aprimorado: a segunda marcha é engatada sem necessidade ao reduzir velocidade, como ao transpor lombadas suaves.
À parte as diferenças em eficiência, as caixas oferecem operação manual de formas
distintas: movimentos frente-trás no C3 e no 208, toques em um botão no Fiesta
Os carros compartilham os conceitos de suspensão e, até certo ponto, a forma de calibração escolhida: amortecedores de carga alta para conter os movimentos da carroceria, bem ao estilo europeu de hoje, e molas em ponto médio de firmeza. Todos comportam-se muito bem em curvas, transmitindo confiança para andar rápido, no que ajudam os pneus largos e de perfil baixo, em medida 195/55 (Pirelli com rodas de 15 pol no Fiesta, Michelin com 16 nos demais).
A Ford acertou na calibração do controle eletrônico de estabilidade, que só ele oferece no grupo (não pode ser desativado; apenas o de tração pode): o sistema intervém quando é realmente oportuno, no limite de aderência, de modo que se consegue explorar o comportamento do carro em sua plenitude sem a atuação indesejada da eletrônica. A opção pela estabilidade não deixou esses modelos desconfortáveis, mas amortecedores mais macios seriam bem-vindos ao Fiesta; o C3 poderia melhorar em absorção de irregularidades e o 208 faz ruídos ao transpor obstáculos como linhas férreas.
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