Câmbio de seis marchas para uma versão, motor de 2,0 litros
para outra — e o fim do tanque auxiliar de partida a frio
Texto: Geraldo Tite Simões – Fotos: divulgação
Na eterna rivalidade entre o Honda Civic e o Toyota Corolla, que há mais de uma década duelam pela liderança de mercado entre os sedãs médios no Brasil, havia um elemento no qual o passo da Toyota não havia sido acompanhado pela adversária: um motor de 2,0 litros. Com exceção da extinta versão esportiva Si, todo Civic vinha equipado com a unidade de 1,8 litro que, apesar do bom desempenho geral, já não entusiasmava diante do que a concorrência — não só o Corolla — oferece hoje.
A Honda tinha nas mãos um motor dessa cilindrada, usado no Accord e no CR-V, mas precisava fazê-lo flexível em combustível para atender à conhecida exigência do mercado nacional. Nessa decisão, optou por mais uma: extinguir o ultrapassado sistema de partida a frio, que usava tanque suplementar e injeção de gasolina para permitir a partida nos dias e locais frios quando o carro estivesse abastecido com álcool.
Ambas as novidades aparecem na precoce linha 2014 do Civic, apresentada no Salão do Automóvel de São Paulo e que chega às concessionárias ainda em fevereiro. A pressa em trocar de ano-modelo tem explicação, embora não admitida pelo fabricante: transmitir ao mercado que este Civic fica inalterado pelo menos até a mudança de calendário, em vez de adotar ainda em 2013 a reforma visual aplicada há pouco no modelo produzido nos Estados Unidos.
A versão LXR é a mais barata das duas que trazem o motor de 2,0 litros, com 155 cv e
19,5 m.kgf ao usar álcool; na traseira, os três logotipos misturam cores e tipologias
O motor passou de 1.798 para 1.997 cm³ com o aumento no curso dos pistões, sem mexer no diâmetro dos cilindros, o que mostra a ênfase em ganhar torque em baixa rotação. As paredes dos cilindros foram redesenhadas para aumentar a capacidade de arrefecimento, o que trouxe uma redução de 1 kg no peso total do motor em relação ao 1,8-litro. Os pistões perderam altura na saia, o que os deixou mais leves. Foi mantida a taxa de compressão de 10,6:1 do motor a gasolina, mais baixa (e menos favorável ao uso de álcool) que a de 11,7:1 do 1,8-litro. Parece que os motores, daqui em diante, serão acertados de novo com prioridade ao uso de gasolina, o que não se via mais nos últimos anos.
Embora os 155 cv garantam ao Civic a liderança de potência entre os sedãs nacionais de aspiração natural, com gasolina o motor flexível tem 5 cv a menos que o antigo do CR-V
Comparado ao 1,8-litro, o novo motor teve a potência aumentada de 139 cv com gasolina e 140 cv com álcool para 150 e 155 cv (na ordem), enquanto o torque máximo passou de 17,5/17,7 m.kgf para 19,3/19,5 m.kgf. Com exceção do torque com gasolina, os picos baixaram em 200 rpm, ou seja, o melhor do motor de 2,0 litros chega um pouco mais cedo. A 2.000 rpm estão disponíveis apenas razoáveis 80% do torque, menos que o esperado diante da tecnologia de comando de válvulas variável.
Embora os 155 cv garantam ao Civic a liderança de potência entre os sedãs nacionais de aspiração natural (na categoria, sem uso de turbo, só os importados Hyundai Elantra e Mitsubishi Lancer o superam com 160 cv), com 2 cv a mais que o Corolla, fica a decepção de ver que, com o mesmo combustível, o motor flexível tenha 5 cv a menos que o antigo 2,0-litros a gasolina do CR-V. Repete-se o resultado da primeira conversão para flexível do sedã da Honda, em 2007, quando o motor 1,8 caiu de 140 para 138 cv. Ainda, o torque é claramente inferior ao do arquirrival, que fornece 20,7 m.kgf com álcool.
Desempenho foi prioridade, pois o câmbio teve as marchas encurtadas para o motor
de maior cilindrada, mas em torque o novo Civic ainda ficou atrás do Corolla 2,0
A unidade mais potente está disponível em duas versões, LXR (preço sugerido de R$ 74.290) e EXR (R$ 83.890), que substituem as LXL e EXL do modelo anterior e vêm de série com câmbio automático de cinco marchas. Essa caixa teve todas as relações (marchas e diferencial) alteradas e acabou ficando mais curta, sobretudo da terceira à quinta, e com um escalonamento mais fechado (marchas mais próximas entre si, numericamente). A impressão é de que a palavra “desempenho” esteve todo o tempo na mente dos engenheiros da Honda, substituindo a “eficiência” tão propalada no lançamento do atual Civic, na linha 2012.
O modelo de 2,0 litros é o primeiro Honda a trazer o sistema automático de partida a frio, denominado Flex One, que segue o princípio dos similares já usados pela Volkswagen (apenas no Polo BlueMotion) e pela PSA (em modelos Peugeot e Citroën, tendo sido o 308 o primeiro deles). Um injetor de combustível está ligado à central eletrônica, que “lê” os parâmetros de temperatura e aciona uma resistência interna para aquecer o álcool até a temperatura ideal de queima.
A solução, desenvolvida pela Bosch, aproveita o gerenciamento geral do carro e o acionamento dispensa ações do motorista. Basta acionar o destravamento das portas, pelo controle remoto da chave, para que o sistema de aquecimento entenda que o carro será ligado e dê início ao processo. No curto período entre abrir a porta, se posicionar no banco e girar a chave de ignição, o injetor já estará pronto para ligar o motor sem pestanejar, mesmo se estiver abastecido 100% com álcool.
Nos Civics LXR e EXR, o motor de 2,0 litros vem com sistema de aquecimento de
álcool para partida a frio; o LXS permanece com o 1,8-litro e o antigo “tanquinho”
Ao eliminar o peso do sistema de partida a frio anterior, com tanque suplementar, as proteções de aço a seu redor no para-lama dianteiro direito, mangueiras, injetores extras, chicote elétrico, etc., o Civic de 2,0 litros pôde compensar em outros itens de peso e volume, como uma bateria de maior capacidade, de 48Ah para 60Ah.
Na única versão que permanece com motor 1,8, a LXS (R$ 66.690 manual, R$ 69.900 automática), o “tanquinho” de partida continua presente, mas há outra novidade: o câmbio manual passou a seis marchas, também a exemplo do Corolla e de outros modelos da categoria como Chevrolet Cruze e Renault Fluence. As relações de transmissão tiveram mudanças apenas na quinta e na sexta marchas: a quinta foi encurtada e a sexta se tornou mais longa (o diferencial não mudou), naquilo que se apelidou de super overdrive.
Próxima parte
Mais pelo marketing que por necessidade, o Civic de entrada (LXS) ganha a sexta
marcha no câmbio manual, que é 5% mais longa que a quinta do modelo anterior
Além do beneficio da sexta longa ao consumo, há menor queda de rotação nas trocas das duas últimas marchas: enquanto antes o giro caía 23% de quarta para quinta, agora cai 15% em cada mudança. No fim, a sexta do novo é apenas 5% mais longa que a quinta do antigo. A marcha à ré continua sendo engatada para trás e para direita.
O 2,0-litros trouxe melhora expressiva nas reações do carro, agora bastante ágil mesmo quando a caixa não faz reduções, e seu funcionamento é suave e silencioso
No aspecto externo não houve grandes mudanças em relação ao modelo 2013. Abaixo do logotipo das novas versões vêm o 2.0 do motor e o do sistema Flex One, na traseira, em uma salada de fontes e cores que o bom gosto poderia ter evitado. Em termos de acabamento, finalmente as duas versões inferiores receberam uma forração interna na tampa do porta-malas, que nas LXR e EXR ainda tem revestimento nas alças. A LXS ganhou interface Bluetooth para telefone celular e chave do tipo canivete e a LXR tem faróis de neblina, antes restritos à versão de topo.
Ao volante
O lançamento do Civic 2014, em Campinas, SP, deu a chance de dirigir versões com câmbios manual e automático e com ambos os motores. O 2,0-litros trouxe melhora expressiva nas reações do carro, agora bastante ágil ao acelerador, mesmo quando a caixa automática não faz reduções. Seu funcionamento é suave e silencioso e, como antes, o câmbio opera com grande maciez e permite o uso manual pelos comandos no volante. Lamenta-se que a Honda não divulgue dados de desempenho ou consumo (este com expectativa de piora pela combinação de maior cilindrada, menor taxa de compressão e câmbio mais curto) para comparação.
Os interiores são os mesmos, mas o LXS ganhou interface Bluetooth, o LXR
(fotos) traz faróis de neblina e ambos, enfim, têm forro na tampa do porta-malas
No 1,8 com seis marchas, a sensação é de escalonamento correto para aproveitar a potência do motor, embora nada parecesse estar errado com o antigo — há um inevitável componente de marketing nessa corrida por mais marchas, em que o consumidor pode imaginar que sai em desvantagem por ter apenas cinco. Se a menor variação de rotação nas trocas favorece a agilidade, tem como contraponto exigir mais mudanças para o mesmo efeito. Outra ressalva fica por conta dos engates, que requerem um pouco de atenção nas reduções porque é fácil errar uma marcha.
A Honda foi discreta na forma de apresentar o sistema de partida Flex One porque o motor 1,8 — assim como seus outros modelos — mantém o tanque suplementar, mas ficou evidente que em um breve todos os motores flexíveis da marca contarão com o dispositivo, até por vantagens em segurança e controle de emissões poluentes.
O motor flexível chega também ao utilitário esporte CR-V, que já contava com a unidade de 2,0 litros, mas a gasolina. Se não trouxe aumento de potência (pelo contrário, perderam-se 5 cv com o derivado de petróleo), a conversão levou a uma mudança na capacidade do tanque: foi aumentado em 22% de 58 para 71 litros, o que compensa em parte o rendimento 30% mais baixo do álcool. Também foi lançada a versão EXL, de topo, com tração apenas dianteira — o reconhecimento do fato de que a maioria absoluta desses veículos não trafega longe do asfalto no Brasil. O CR-V, que vem do México, deve chegar em abril por preços ainda não anunciados.
Ficha técnica
Civic LXS 1,8 | Civic EXR 2,0 | |
Motor | ||
Posição | transversal | |
Cilindros | 4 em linha | |
Comando de válvulas | no cabeçote | |
Válvulas por cilindro | 4, variação de tempo e levantamento | |
Diâmetro e curso | 81 x 87,3 mm | 81 x 96,9 mm |
Cilindrada | 1.798 cm³ | 1.997 cm³ |
Taxa de compressão | 11,7:1 | 10,6:1 |
Alimentação | injeção multiponto sequencial | |
Potência máxima (gas.) | 139 cv a 6.500 rpm | 150 cv a 6.300 rpm |
Potência máxima (álc.) | 140 cv a 6.500 rpm | 155 cv a 6.300 rpm |
Torque máximo (gas.) | 17,5 m.kgf a 4.600 rpm | 19,3 m.kgf a 4.700 rpm |
Torque máximo (álc.) | 17,7 m.kgf a 5.000 rpm | 19,5 m.kgf a 4.800 rpm |
Transmissão | ||
Tipo de câmbio e marchas | manual, 6 ou automático, 5 | automático, 5 |
Tração | dianteira | |
Freios | ||
Dianteiros | a disco ventilado | |
Traseiros | a disco | |
Antitravamento (ABS) | sim | |
Direção | ||
Sistema | pinhão e cremalheira | |
Assistência | elétrica | |
Suspensão | ||
Dianteira | independente, McPherson, mola helicoidal | |
Traseira | independente, braços sobrepostos, mola helicoidal | |
Rodas | ||
Dimensões | 6,5 x 16 pol | |
Pneus | 205/55 R 16 | |
Dimensões | ||
Comprimento | 4,525 m | |
Largura | 1,755 m | |
Altura | 1,45 m | |
Entre-eixos | 2,668 m | |
Capacidades e peso | ||
Tanque de combustível | 57 l | |
Compartimento de bagagem | 449 l | |
Peso em ordem de marcha | 1.238 kg (man.) e 1.272 kg (aut.) | 1.306 kg |
Dados do fabricante; desempenho e consumo não disponíveis |