Sandero GT Line é esperto, mas não esportivo

 

Versão é relançada com motor de oito válvulas que, apesar das
evoluções, fica longe do dinamismo sugerido pelo visual

Texto: Fabrício Samahá e José Rezende Mahar – Fotos: divulgação

 

Quem gostava de carros nos anos 70 e 80 ainda se lembra de algumas versões esportivas da época, elaboradas com condimentos estéticos e pequenas alterações mecânicas, mas equipadas com motores um tanto modestos para as pretensões de sua aparência. Com o tempo surgiram esportivos mais potentes e o padrão de desempenho se elevou, mas continuaram a existir versões que não acompanhavam sob o capô o vigor que sugeriam com faixas, defletores e rodas especiais.

É impossível não se lembrar daqueles “esportivos” quando se analisa o Renault Sandero GT Line, que de edição limitada (vendida em 2010) se torna versão de produção normal na linha 2013 do modelo. Se antes a marca francesa havia reservado a esse Sandero o motor mais potente da linha, o de 1,6 litro e 16 válvulas, agora o GT Line traz a unidade de oito válvulas, cuja evolução é outra das novidades da gama 2013.

Denominado Hi-Power ou alta potência (antes, Hi-Torque), o motor de duas válvulas por cilindro traz alterações desenvolvidas pela engenharia da Renault Tecnologia Américas (RTA) para aumentar o desempenho e reduzir o consumo. Sabe-se que uma parte considerável da potência de um motor é gasta na superação dos atritos entre as peças, como os pistões e os cilindros onde deslizam, para cima e para baixo. Na nova versão os pistões encostam com superfícies menores nos cilindros e, onde encostam, são revestidos de grafite, o que de uma certa forma lubrifica esse contato, permitindo melhor deslizamento. Além disso, o pino do pistão que o liga à biela não é mais fixo e sim deslizante.

 

 
Novos para-choques, defletor traseiro, saias laterais e rodas em preto conferem
ar esportivo ao GT Line, que foi vendido como edição limitada há dois anos

 

As bielas por si são agora mais leves e forjadas em um aço mais forte. Como elas se movem de modo alternativo subindo, parando e descendo, quanto mais leves, melhor para facilitar esse movimento. Sua fixação inferior passa a ser aberta por um impacto que as fratura, oferecendo um encaixe irregular com pontas e vales, como se fossem dentes, o que torna a junção entre as duas partes mais forte que em uma comum superfície plana de junção (nada de novo aqui, vale frisar, pois é técnica usada em motores nacionais há mais de 10 anos).

Importante diferença está na taxa de compressão, a razão matemática entre o volume dos gases quando o pistão está em seu ponto mais baixo e no mais alto do curso. Quanto mais compressão — dentro de determinados limites, claro —, melhor e mais forte é a queima do combustível. Como essa taxa subiu de 9,5:1 para 12:1, permite-se uma combustão mais eficiente e menor consumo para o mesmo trabalho.

 

O motor de 16 válvulas é mais vigoroso — a única vantagem do oito-válvulas, além do menor custo de produção, é obter o mesmo torque máximo com álcool

 

De resto, o Hi-Power traz central eletrônica com maior capacidade de armazenamento e mais velocidade de processamento de informações, bronzinas com material mais resistente, junta do cabeçote composta por três lâminas de vedação (antes, só uma) para maior resistência às pressões, corpo de borboleta com quinto bico injetor de seis furos para a injeção de gasolina na partida a frio (melhor pulverização) e novo comando de válvulas, com um perfil que prioriza o torque em baixa rotação, bem ao gosto dos brasileiros que não gostam de passar marchas o tempo todo.

 

  
As alterações no motor de oito válvulas buscaram maior torque em baixa rotação,
aumento de potência (em 11 cv com álcool) e redução do consumo em até 10%

 

Comparado ao oito-válvulas anterior, o novo traz aumento de potência em 6 cv com gasolina, de 92 cv a 5.250 rpm para 98 cv a 5.500 rpm, e de 11 cv com álcool, de 95 para 106 cv às mesmas rotações. Em torque, o motor agora lançado fornece 14,4 m.kgf com gasolina e 15,5 m.kgf com álcool, ante 13,7 e 14,1 m.kgf do antigo (na ordem), sempre ao regime de 2.850 rpm. O motor de 16 válvulas é mais vigoroso de maneira geral, com 107/112 cv a 5.750 rpm e 15,1/15,5 m.kgf a 3.750 rpm — a única vantagem do oito-válvulas, além do menor custo de produção, é obter o mesmo torque máximo com álcool do 16V com 900 rpm a menos.

Há ainda outro escalonamento, mais aberto, para o câmbio de cinco marchas. Considerando a relação final (pois o diferencial mudou), primeira e segunda estão um pouco mais curtas, o que não parecia necessário diante do maior torque disponível, enquanto as três marchas superiores ficaram pouco mais longas, coerentes com as características do motor que agora gira menos. Mas são diferenças bem sutis: o regime calculado a 120 km/h em quinta baixou de 3.450 para 3.400 rpm.

Como ficou o desempenho do Sandero com as alterações? Os dados de fábrica apontam aceleração de 0 a 100 km/h em 11,5/11,1 segundos e velocidade máxima de 177/179 km/h, enquanto o oito-válvulas anterior ficava com 12,1/11,7 segundos e 172/174 km/h (a ordem é sempre gasolina/álcool). O 16-válvulas associado ao câmbio manual, porém, permitia 10,2/10,1 segundos e 181/184 km/h, ou seja, vantagem consistente em aceleração. Embora não informe dados de consumo, o que é lamentável, a Renault afirma que o Hi-Power é 10% mais econômico que o antigo oito-válvulas em uso urbano e 5% em uso rodoviário.

 

 
Na avaliação, o Hi-Power mostrou vivacidade, mas seu comportamento destoa da
proposta sugerida pelo GT Line: tem desempenho modesto em altas rotações

 

No lançamento à imprensa em Curitiba, PR, o Best Cars dirigiu (por apenas 18 km) o Sandero com o novo motor e obteve boas impressões. As medidas foram acertadas no sentido de deixar o motor mais “esperto” em baixas rotações, com melhores condições de acelerar e retomar velocidade, o que é bem-vindo em particular por se tratar de um dos maiores e mais espaçosos entre os hatches pequenos do mercado. O único detalhe é que é percebida uma vibração ligeiramente maior, frequente em casos de aumento da taxa de compressão.

Em altos giros, porém, o motor revela pouco entusiasmo e decepciona os acostumados à versão de quatro válvulas por cilindro, que a Renault agora reserva a Logan e Sandero com câmbio automático. Chega a ser desconcertante ver, no GT Line, o conta-giros com faixa vermelha a partir de 5.500 rpm, quase como em um motor a diesel. No restante, as impressões em nada diferem do que o Sandero já apresentava, como uma suspensão bem acertada em termos de conforto e comportamento dinâmico, câmbio de operação razoável, uma direção algo pesada em baixa velocidade e nível de ruído acima do desejável, mesmo considerada a categoria do carro.

Tratamento cosmético

Na linha 2013 o motor 1,6 de oito válvulas está disponível no Logan em versão Expression e no Sandero em acabamentos Expression, Privilége, GT Line e Stepway, sempre com câmbio manual — a caixa automática, oferecida na versão Expression no sedã e nas Privilége e Stepway no hatch, permanece vinculada ao motor 1,6 de 16 válvulas, que não traz modificações.

O GT Line, que chega ao preço sugerido de R$ 38.470, vem concorrer com o Fiat Palio Sporting (R$ 38.410) e o Nissan March SR (R$ 37.190), também versões de visual esportivo. Ao contrário do Palio, porém, o Sandero se limita a um pacote cosmético sem qualquer alteração mecânica, seja em câmbio, suspensão ou pneus. Além disso, ao optar pelo motor de duas válvulas por cilindro, a Renault o deixa em desvantagem quando o assunto é potência, pois o Sporting tem 115/117 cv, e o March, 111 cv.

 

 
O interior ganha novo tecido, inscrição nos encostos de cabeça e cintos em vermelho:
no painel, o conta-giros em branco exibe uma faixa vermelha a apenas 5.500 rpm

 

As alterações externas passam por para-choques redesenhados, faróis com máscara negra, faróis de neblina com moldura preta, adesivos na parte superior das portas e nos para-lamas, defletor traseiro e retrovisores na cor preto brilhante, rodas exclusivas de alumínio (na mesma medida, 15 pol) em preto e lanternas traseiras escurecidas. Por dentro a Renault adotou a cor vermelha nos cintos de segurança e nas costuras dos bancos, cujo tecido vem em tom escuro com desenhos em relevo; nos encostos de cabeça dianteiros aparece a inscrição GT Line; e volante e pomo de câmbio são revestidos em couro. O quadro de instrumentos destaca o conta-giros com fundo branco, como em Renaults esportivos na Europa, a exemplo do RenaultSport Mégane.

 

As medidas foram acertadas no sentido de deixar o motor mais “esperto” em baixas rotações, com melhores condições de acelerar e retomar velocidade

 

Oferecido nas cores preta, vermelha, branca e prata, o GT Line tem como equipamentos de série bolsas infláveis frontais, freios com sistema antitravamento (ABS), ar-condicionado, direção assistida, faróis de neblina, rodas de alumínio, computador de bordo, controle elétrico de vidros dianteiros e travas, volante e banco do motorista com ajuste de altura, alarme antifurto e rádio com CD, MP3, comando satélite na coluna de direção, conexão auxiliar e interface Bluetooth para telefone celular. Não oferece opcionais. A Renault também aplicou mais itens de série a outras versões dos modelos 2013 (leia notícia).

Para os muitos compradores de Sandero e Logan que optam pela versão 1,6-litro de oito válvulas, as alterações técnicas trazem bons — embora não tão expressivos — avanços em termos de desempenho e consumo. Entretanto, para os adeptos de versões esportivas e de carros compactos com atitude apimentada, fica a decepção com o novo GT Line, que não tem desempenho ou temperamento condizente com a esportividade sugerida pelo visual. Nessa versão, manter o motor de 16 válvulas da antiga série limitada teria sido ideal.

José Rezende Mahar é editor do blog Maharpress

 

 

Ficha técnica

Motor
Posição transversal
Cilindros 4 em linha
Comando de válvulas no cabeçote
Válvulas por cilindro 2
Diâmetro e curso 79,5 x 80,5 mm
Cilindrada 1.598 cm³
Taxa de compressão 12:1
Alimentação injeção multiponto sequencial
Potência máxima (gas.) 98 cv a 5.500 rpm
Potência máxima (álc.) 106 cv a 5.500 rpm
Torque máximo (gas.) 14,5 m.kgf a 2.850 rpm
Torque máximo (álc.) 15,5 m.kgf a 2.850 rpm
Transmissão
Tipo de câmbio e marchas manual /  5
Tração dianteira
Freios
Dianteiros a disco
Traseiros a tambor
Antitravamento (ABS) sim
Direção
Sistema pinhão e cremalheira
Assistência hidráulica
Suspensão
Dianteira independente, McPherson
Traseira eixo de torção
Rodas
Dimensões 15 pol
Pneus 185/65 R 15
Dimensões
Comprimento 4,021 m
Largura 1,746 m
Altura 1,528 m
Entre-eixos 2,591 m
Capacidades e peso
Tanque de combustível 50 l
Compartimento de bagagem (normal/banco rebatido) 320 l / 1.200 l
Peso em ordem de marcha 1.055 kg
Dados dos fabricantes; ND = não disponível

 

Sair da versão mobile