
Apesar da plataforma de automóvel, versão Trailhawk segue legado de modelo valente no fora de estrada
Texto e fotos: Fabrício Samahá
Jeep Cherokee é um daqueles nomes longevos entre veículos fora de estrada: foi em 1974 que a empresa, então sob o guarda-chuva da American Motors Corporation, apresentou nos Estados Unidos um utilitário de duas portas e perfil mais jovial baseado no familiar Wagoneer. A geração seguinte, lançada em 1984, adotou construção monobloco e ofereceu versão de cinco portas. Foi um duradouro sucesso — até 2001 nos EUA e por mais 12 anos em mãos chinesas — que marcou a estreia do modelo no mercado brasileiro na década de 1990.
Depois de uma fase sem grande identidade com os modelos de 2001 (chamado de Liberty para os norte-americanos) e 2007, o Cherokee passou em 2013 à quinta geração com um passo decisivo em termos de desenho. Ficou no passado a ligação visual com o Wrangler: a proposta agora tem olhos para o futuro, mesmo que possa causar controvérsia — e realmente causou. Mas um utilitário esporte é mais do que estilo, e para saber o que mais o Cherokee oferece o Best Cars avaliou a versão Trailhawk.
Desenho da quinta geração rompeu com antigos padrões; na frente controversa, faróis ficam abaixo; o segmento superior é de leds diurnos
Essa terminologia, na marca, indica as versões mais aptas ao uso fora de estrada, seja no Renegade, no Cherokee ou no Grand Cherokee. O Trailhawk em questão custa R$ 199.900 e fica no topo da linha, acima do Longitude de R$ 169.900 e do Limited de R$ 184.900 (preços sem frete). Todos usam o mesmo motor V6 a gasolina de 3,2 litros com potência de 271 cv, associado a transmissão automática de nove marchas e tração integral, e são importados de Toledo, no estado de Ohio. A garantia é de três anos.
A opção da Jeep por um motor V6 aspirado pode parecer desatualizada, mas ele tem operação suave e bom desempenho geral
Entre os equipamentos de série estão ar-condicionado automático de duas zonas, banco do motorista com regulagem elétrica, bancos revestidos em couro (dianteiros com aquecimento e ventilação), bolsas infláveis laterais dianteiras, de cortina e de joelhos para o motorista; câmera traseira de manobras, chave presencial para acesso e partida, controle eletrônico de estabilidade, encostos de cabeça dianteiros ativos, faróis com lâmpadas de xenônio, faróis e limpadores de para-brisa automáticos, navegador, seleção de tipo de terreno Selec-Terrain, sensores de estacionamento dianteiros e traseiros, sistema de áudio Uconnect com tela tátil de 8,4 pol, tampa traseira com acionamento elétrico e teto solar panorâmico elétrico.
No desenho moderno do Cherokee destaca-se o arranjo da frente, já aplicado também à Fiat Toro, com faixas de leds para luz diurna no topo e os faróis principais mais abaixo. O tratamento do Trailhawk inclui rodas de 17 polegadas com pneus 245/65 (mais altos que os 225/60-17 do Longitude e os 225/55-18 do Limited), altura de rodagem elevada em 25 mm (o vão livre do solo passa a 220 mm) e robustos ganchos de reboque (dois à frente, um atrás) em tom vermelho, cada um apto a 3.750 kg de tração. Vãos de carroceria bem estreitos e regulares sugerem qualidade construtiva.
Ganchos de reboque vermelhos, rodas de 17 pol e rodagem mais alta caracterizam o Trailhawk; tampa traseira tem acionamento elétrico
O interior mostra acabamento compatível com seu preço, com revestimento em couro e plásticos de ótimo aspecto, suaves ao toque nas portas e no painel. Os bancos amplos e bem conformados combinam espuma firme, que apoia bem o corpo, com uma camada superficial suave. O do motorista dispõe de ajustes elétricos (incluindo apoio lombar) e duas memórias de posição. Em meio a instrumentos de fácil leitura, o painel inclui repetidor digital do velocímetro e indicações de temperatura do óleo lubrificante, do percentual de sua vida útil e da pressão dos pneus.
O sistema de áudio de boa qualidade, com nove alto-falantes (um para subgraves) e amplificador de 506 watts, é comandado pela grande tela de 8,4 polegadas da interface UConnect, uma das maiores do mercado. Há duas entradas USB, auxiliar e para cartão de memória. A mesma tela de fácil operação serve a navegador e imagens da câmera traseira, cujas guias acompanham o movimento do volante. Grande parte do teto é envidraçada, com a parte dianteira móvel, e o forro com controle elétrico isola bem os raios solares como deve ser. Ambos os retrovisores externos são biconvexos, trazem recolhimento elétrico e movem-se para baixo ao engatar marcha à ré.
Entre os bons detalhes, além do conteúdo já citado, estão alerta programável para excesso de velocidade, aviso específico de qual porta está mal fechada, banco do motorista que recua para sua entrada ou saída, controle remoto da partida do motor, faróis com ajuste automático de facho e lavadores de alta pressão, freio de estacionamento elétrico, luzes de cortesia no assoalho e sob os retrovisores externos, parada/partida automática do motor, porta-luvas com fechadura, quatro alças de teto, retrovisor interno fotocrômico e tomada de energia de 230 volts para os passageiros.
Interior bem-acabado é farto em conveniências; motorista tem vários ajustes elétricos do banco; espaço para pernas atrás pode ser ampliado
Pontos que poderiam melhorar: o controle elétrico de vidros tem função um-toque apenas nos dianteiros e não pode ser acionado a distância, o computador de bordo não informa consumo em km/l e faltam bolsas nos encostos dianteiros, faixa degradê no para-brisa e porta-luvas refrigerado. Os controles de áudio atrás do volante, típicos da linha Chrysler, podem confundir quem não está habituado e seria bom mudar de “faixa” para “autonomia” no computador, provável má tradução do inglês range, que serve para ambas. De resto, as largas colunas dianteiras causam prejuízo à visibilidade, um mal que tem sido frequente na marca (veja-se o Renegade).
O Cherokee não é dos utilitários mais espaçosos, mas acomoda bem quatro adultos e uma criança, com certa restrição em largura e altura no banco traseiro em comparação à média da categoria. Há regulagens de distância do assento e inclinação do encosto. O compartimento de bagagem tem capacidade para até 500 litros na medição até a base dos vidros (conforme a posição do banco) e traz sob o assoalho um estepe de tamanho integral, o que tem sido raro.
Próxima parte
Tela central serve a áudio, ar-condicionado, câmera, navegação e mais; em meio aos instrumentos, pressão de pneus e até vida útil do óleo; memórias para o banco; teto solar panorâmico
Recursos para todo terreno
Ao contrário das três primeiras gerações, que tinham motor longitudinal e tração traseira como arquitetura básica, o novo Cherokee baseia-se na plataforma de motor transversal e tração dianteira FCA Compact Wide (compacta larga), que nasceu no Alfa Romeo Giulietta e se estendeu ao Dodge Dart e aos Chryslers 200 e Pacifica. O motor V6 de 3,2 litros da família Pentastar, de moderna geração, é uma versão com menor diâmetro de cilindros do 3,6 em amplo uso na Chrysler, do sedã 300C ao Grand Cherokee. Ele representa a opção de topo do modelo no exterior, acima do Tigershark de 2,0 e 2,4 litros e do Multijet turbodiesel de 2,0 e 2,2 litros, todos quatro-cilindros.
Em um segmento no qual os turboalimentados de quatro cilindros têm sido norma, a opção da Jeep por um V6 de aspiração natural pode parecer desatualizada. Nada mais enganoso: o 3,2 tem operação muito suave, som de escapamento agradável (algo que em geral falta aos turbos) e bom desempenho geral apesar do elevado peso de 1.834 kg, mesmo que não forneça resposta tão encorpada quanto a de alguns concorrentes ao redor de 2.000 rpm. No exterior fabricante anuncia velocidade máxima de 180 km/h e aceleração de 0 a 100 km/h em 8,4 segundos, esta uma boa marca no segmento (o Land Rover Discovery Sport de 240 cv faz em 8,2 s).
A caixa automática ZF opera com maciez e encontra com facilidade a marcha mais adequada entre as nove disponíveis — ou 18, se considerada a caixa de transferência. Chega a ser difícil saber para que tantas: o Cherokee raramente usa oitava nas velocidades de rodovia comuns no Brasil e, para colocar nona, é preciso embalar e então desacelerar. Como a nona é longa demais (produz apenas 1.500 rpm a 120 km/h), a caixa reduz até sexta ou quinta com frequência para vencer aclives rodoviários.
Motor V6 soa bem e convence em desempenho; últimas marchas são pouco usadas; conforto da suspensão é ponto alto
E não adianta usar a seleção manual, que segue o padrão BMW de reduções para frente na alavanca seletora, sem comandos no volante. Mesmo o painel indique nona, essa é apenas a marcha mais alta que o motorista permitiu, podendo a caixa reduzir várias delas pelo comando do acelerador, o que impede o uso do método carga. Trocas para cima, porém, não são automáticas em modo manual — o motor fica no limite de 6.800 rpm.
Eixo rígido ficou no passado: sistemas independentes obtêm compromisso entre conforto e estabilidade, como demonstra o Trailhawk
Dos três sistemas de tração integral disponíveis para o atual Cherokee, o Trailhawk usa o mais apropriado ao fora de estrada, o Active Drive Lock, único deles com caixa de transferência (reduzida) e bloqueio do diferencial traseiro. Com relação 2,92:1, a reduzida garante força para situações severas em baixa velocidade. A vocação para qualquer terreno desse Jeep pode ser notada também pelo seletor de modos de condução, que acrescenta o programa Rock (pedra) aos habituais do modelo: Snow (neve), Sand/Mud (areia/lama), Sport (esportivo) e Auto (ajuste automático às condições).
A repartição de torque entre os eixos varia conforme o programa: 70% à frente e 30% à traseira em Auto, 60:40 em Snow, entre 50:50 e 0:100 em Sand/Mud, 40:60 em Sport e entre 60:40 e 0:100 em Rock. Usado apenas em reduzida, o modo Rock bloqueia o diferencial traseiro para que cada roda receba metade do torque enviado a tal eixo (botão no console bloqueia o diferencial também em outros modos, mas só em reduzida). Ainda em reduzida o controle eletrônico de estabilidade é desativado para evitar intervenções inoportunas. Há controladores de velocidade para declives e aclives e, apenas nessa versão, maior arrefecimento para o motor e a transmissão.
Com bom uso do seletor de modos de condução, comportamento do Trailhawk na lama faz jus ao logotipo Trail Rated (classificado para trilha)
A Jeep já foi persistente no uso de suspensões por eixo rígido na linha Cherokee, até mesmo a dianteira, como na geração feita até 2001 e no Grand Cherokee até 2004. Isso ficou no passado: bons sistemas independentes obtêm o melhor compromisso entre conforto e estabilidade, como demonstra o novo Trailhawk. Com sistema multibraço na traseira — o primeiro na linhagem do modelo —, seu rodar é suave e confortável mesmo nos grandes deslocamentos em buracos de estradas de terra, embora firme em pequenos impactos (questão de buchas, talvez). O comportamento em curvas revela acerto no controle de amortecedores e na aderência dos pneus Yokohama Geolandar SUV.
Embora avaliações severas fora de estrada não sejam a finalidade do Best Cars, levamos o Jeep a um trajeto de terra com ondulações e buracos que, na ocasião, estava repleto de uma lama muito oportuna. Seu comportamento confirmou as expectativas: trabalho irrepreensível da suspensão, tração sem dificuldades e vão livre do solo suficiente para evitar atritos mesmo em rodagem acelerada. Os ângulos de entrada (29,9°), rampa (22,9°) e saída (32,3°) da versão são todos ampliados e ficou a impressão de que resistiria bem ao uso prolongado naquelas condições.
Na faixa de preço do Cherokee Trailhawk estão utilitários esporte variados em concepção, como Land Rover Discovery Sport SE (2,0 turbo, 240 cv, R$ 202.496), Mercedes-Benz GLC 250 (2,0 turbo, 211 cv, R$ 226.900), Toyota SW4 SRX (V6 4,0, 238 cv, R$ 209.100) e Volvo XC60 D5 Kinetic (2,4 turbodiesel, 220 cv, R$ 199.000 apenas este mês). Cada um tem seus atributos, mas nenhum vem tão preparado para o fora de estrada quanto o Jeep, o que confirma que — apesar da origem mais urbana da nova geração — o Cherokee ainda honra o legado de seus antepassados.
Ficha técnica
Motor | |
Posição | transversal |
Cilindros | 6 em V |
Comando de válvulas | duplo no cabeçote |
Válvulas por cilindro | 4, variação de tempo |
Diâmetro e curso | 91 x 83 mm |
Cilindrada | 3.239 cm³ |
Taxa de compressão | 10,7:1 |
Alimentação | injeção multiponto sequencial |
Potência máxima | 271 cv a 6.500 rpm |
Torque máximo | 32,2 m.kgf a 4.400 rpm |
Transmissão | |
Tipo de caixa e marchas | automática, 9 |
Tração | integral sob demanda |
Freios | |
Dianteiros | a disco ventilado |
Traseiros | a disco |
Antitravamento (ABS) | sim |
Direção | |
Sistema | pinhão e cremalheira |
Assistência | elétrica |
Suspensão | |
Dianteira | independente, McPherson, mola helicoidal |
Traseira | independente, multibraço, mola helicoidal |
Rodas | |
Dimensões | 7,5 x 17 pol |
Pneus | 245/65 R 17 |
Dimensões | |
Comprimento | 4,624 m |
Largura | 1,904 m |
Altura | 1,723 m |
Entre-eixos | 2,719 m |
Capacidades e peso | |
Tanque de combustível | 60 l |
Compartimento de bagagem | 412 a 500 l* |
Peso em ordem de marcha | 1.834 kg |
Desempenho e consumo | |
Não disponíveis | |
Dados do fabricante; *conforme posição do banco traseiro |