Fim de teste do Ka Freestyle com análise técnica

Versão manual passou a usar álcool, foi analisada com instrumento e vista em detalhes na oficina

Texto e fotos: Felipe Hoffmann

 

Com a quarta semana do teste Um Mês ao Volante — a segunda com a versão de transmissão manual —, o Ford Ka Freestyle despediu-se nesta quinta-feira (18) de nossa equipe. Além de produzir a análise técnica, à qual você assiste pelo vídeo a seguir, aproveitamos o período final para terminar o tanque de gasolina e começar a rodar com álcool em usos urbano e rodoviário. O consumo de maneira geral foi bom, mas não brilhante. Cabe lembrar que se trata de um motor de aspiração natural de 1,5 litro que produz 136 cv (potência específica de 91 cv/litro, similar à do Mini Cooper, que usa turbo) a altas 6.500 rpm, portanto com foco bem esportivo.

Terminamos a gasolina rodando 151 km com média de 14,3 km/l. Foi também o período em que conseguimos a melhor marca no trecho urbano de 70 km de nosso dia a dia, com 80% pelas marginais dos rios Tietê e Pinheiros: 14,6 km/l. Pode ser mera suposição, mas coincidiu com o carro um pouco mais rodado. A unidade cedida pela Ford chegou até nós com pouco mais de 900 km, ou seja, sem ter concluído a fase de amaciamento. Muitos podem alegar ser coisa do passado, mas se nota diferença entre carros com 500 km e 5.000 km, por exemplo, nos testes de consumo e emissões.

 

 

Isso é tão válido que, ao homologar o carro, o fabricante o testa depois de rodar ciclos de amaciamento (hoje há “robôs” para fazer isso sobre rolos) e acumular 5.000 a 7.000 km. A norma permite que um carro da linha de produção tenha até consumo até 8% pior que o homologado nas mesmas condições. No Brasil, a cada 200 unidades do modelo homologado, uma deve passar pelo teste de emissões e consumo para checar se está dentro da tolerância (pela norma europeia são três veículos por ano, qualquer que seja o volume de produção).

 

 

A mudança para álcool confirmou que o Ka 1,5 de três cilindros é mais eficiente com o combustível “verde” que com gasolina, como já notado quando fizemos a troca na versão de transmissão automática. O motor ficou um pouco mais fraco logo após a mudança, como se estivesse em adaptação. Os injetores com aquecimento, usados para partida a frio sem uso de gasolina, também ajudam a identificar a mudança de combustível mais rápido, ajustando a relação ar-combustível quase que de imediato.

Contudo, nota-se que o avanço de ignição leva mais tempo para aumentar (com álcool se adicionam de 5 a 15 graus no avanço, dependendo da situação). Afinal, nunca se sabe se o motorista abasteceu com gasolina misturada a algum elemento, o que faz a razão ar-combustível se alterar, mas o motor continua suscetível à detonação. Conforme fomos andando mais com o carro ele foi novamente “acordando”. Mas essa fase é mais notada por engenheiros e donos mais criteriosos que por motoristas comuns.

 

O Freestyle manual também desceu a serra, na qual comprovou grande estabilidade sem afetar o conforto, mas o acerto das relações de marcha pode melhorar

 

No total rodado, o Ka manual teve 1.235 km medindo consumo (1.340 km incluindo os testes, que não são considerados), dos quais 790 km com álcool. Com tal combustível ele teve consumo médio geral urbano de 11,6 km/l e melhor média de 13,1 km/l no uso predominante pelas marginais (velocidade média de 49 km/h). Nesse padrão de uso, o rendimento com álcool foi 70% daquele obtido com gasolina, ou seja, o motor trabalha 4% mais eficiente com o produto da cana — a razão de poder calorífico é de 66%. Na viagem ao litoral obtivemos média de 10,6 km/l, que não deve ser comparada à da versão automática, pois dessa vez pegamos trechos de trânsito intenso no feriado de 12 de outubro. Também não pegou tráfego urbano tão pesado, a ponto de a pior média ter sido de 8 km/l.

 

O comportamento agradou muito: o Ka Freestyle tem grande aderência lateral e o motorista consegue determinar quando e como soltar a frente ou a traseira

 

A aferição do computador de bordo ficou na média do mercado: 2,5% a mais de consumo na bomba que o indicado no painel. Curioso é que, apesar de a Ford informar 52 litros de volume de tanque de combustível, não conseguimos colocar mais de 43, mesmo após rodar mais de 30 km com o ponteiro abaixo da marcação “zero” e com a indicação de autonomia zerada. Em dúvida se o respiro do tanque estaria desarmando a pistola da bomba antes, pedimos para o frentista continuar a encher: não entrou nem mais um litro para que o combustível transbordasse. Portanto, o medidor informa menos do que se tem, o que foi encontrado em ambos os carros.

Um problema específico da versão manual foi acender-se no painel a luz de erro na central eletrônica do motor. Quando passamos um leitor de OBD, o erro foi relacionado ao aquecimento da sonda lambda. Limpamos o erro, mas em alguns dias ele voltou. Limpamos de novo e voltou após mais alguns dias, sumindo depois de outros. Como o fim de teste se aproximava, deixamos para a Ford verificar no retorno.

 

Facilidade de uso da central de áudio foi uma qualidade notada nos 30 dias de teste; à direita, luz de aviso de falha na central eletrônica (amarela) insistiu em se acender

 

Interessante foi notar que em certos usos ele apresentou consumo pior que o da versão automática, como em trechos com velocidades acima de 90 km/h. Há uma explicação: a sexta marcha da caixa automática faz o motor trabalhar em rotação mais baixa que a quinta da manual. Por outro lado, em trânsito pesado o Ka manual levou vantagem por não ter as perdas do conversor de torque tentando “arrastar” o carro quando se está parado, além de o automático ter primeira, segunda e terceira mais curtas, fazendo o motor trabalhar com giros maiores em trânsito.

 

 

Aliás, a Ford poderia explorar mais a potência do motor na versão manual usando relações de marchas mais curtas, principalmente de segunda e terceira marchas. A busca de melhor consumo resultou numa segunda que passa de 90 km/h e uma terceira que chega perto de 140 km/h.

O gráfico abaixo mostra o teste de aceleração em São Paulo, SP (com maior altitude que na pista usual em Pindamonhangaba, SP, o que prejudica um pouco o desempenho). Vale lembrar que na versão manual o torque do motor é limitado a 15,3 m.kgf, para permitir o uso de uma transmissão mais leve e menos robusta, e não produz o pico de 16,1 m.kgf do automático. Contudo, com a pressão atmosférica de São Paulo o motor não chegou a restringir o torque, pois conseguiu produziu apenas 91% do máximo devido ao ar mais rarefeito que ao nível do mar. Também encontramos na versão manual a estratégia de não abrir totalmente a borboleta em rotações baixas e médias, para otimizar o fluxo quando em carga máxima.

 

 

Apesar do desempenho geral muito bom do Ka, que acelerou de 0 a 100 km/h em 10,1 segundos com álcool, sentimos que em rodovia e carregado há certa demora em retomadas a partir de 70 ou 80 km/h: nessa faixa usar a segunda seria inviável, por fazer o motor disparar e obrigar a troca para terceira em pouco tempo, mas a terceira fica muito longa e diminui a capacidade de aceleração, sobretudo em subida — afinal, o pico de potência vem só a 6.500 rpm.

A sensação de desempenho, nos primeiros 3 segundos após afundar o pé, chegou ao ponto de lembrar a do Fiat Argo de 1,35 litro e apenas 109 cv. Sensação ou fato? Decidimos comparar os testes de aceleração de ambos (em São Paulo), que revelam que a Fiat compensou os menores potência e torque com uma relação bem mais curta de segunda e terceira marchas. Confira no gráfico na próxima página.

Próxima parte

 

 

Isso não quer dizer que a Ford deveria encurtar todas as marchas nesta versão, o que sacrificaria o consumo. Por outro lado, no uso rodoviário a quinta marcha passa a sensação de que poderia ser mais longa — ou mesmo haver uma sexta, como em outros modelos do fabricante que usam essa transmissão MX65. A caixa fabricada pele Getrag, aliás, tem o refinamento da marcha à ré sincronizada e com dentes helicoidais: nada de arranhar as engrenagens ao engatar antes da parada total do carro, nem do barulho característico ao andar para trás.

 

Bom de curvas e de conforto

Na viagem ao litoral norte o comportamento em curvas agradou muito, tanto quanto na outra versão testada. O Ka Freestyle tem grande aderência lateral e o motorista consegue facilmente determinar quando e como soltar a frente ou a traseira nas curvas, mesmo com o controle de estabilidade ligado (é impossível desligar), que permite abusos e “brincadeiras” antes de atuar.  Como é praxe na marca, ele apenas interfere quando algo realmente está por dar errado.

 

Duas semanas com o Ka automático (o marrom) e duas com o manual comprovaram o acerto do conjunto mecânico, com restrições em acabamento e praticidade

 

Embora bem camuflada pela atuação da assistência elétrica de direção, encontramos outra característica da marca em carros de tração dianteira: esterçamento por torque. Como as semiárvores de transmissão não são de mesmo comprimento, a mais longa (da direita) se torce mais, ficando “atrasada” em relação à esquerda. Assim, o carro quer fazer curva para a direita sozinho quando maior torque do motor é aplicado em marchas baixas, como primeira e segunda.

Só que a Ford trabalhou na calibração da direção para que seu motor faça uma força igual e contrária à quantidade de torque aplicada às rodas. Com isso, o carro acelera normalmente em linha reta sem que o motorista faça correções. Só em raras situações notamos que o sistema não foi eficiente, deixando-nos descobrir sua atuação. Ao acelerar forte em segunda marcha com o volante esterçado (um quarto de volta, por exemplo), como se estivesse numa curva, o sistema mantém o volante na mesma posição se o motorista o solta. Isso não acontece quando há baixo ou nenhum torque, situação em que atua o autoalinhamento criado pela geometria de suspensão e direção.

Mais uma vez o acerto de suspensão agradou pelo conforto, em particular em rodovias pavimentadas de concreto. Os freios são bem acertados e progressivos, tanto no esforço quanto no curso de pedal. Mas notamos que a cabine fica bem quente do calor oriundo do compartimento do motor e do escapamento, obrigando-nos a ligar o ar-condicionado mesmo quando a temperatura fora do carro estava baixa — sinal de economia em materiais isolantes térmicos.

 

Análise em oficina indicou boas soluções técnicas; interior tem aspecto agradável e espaço adequado para seu porte, mas cabem correções a detalhes

 

Há outros pontos que merecem correção no interior. Faltam iluminação para os passageiros traseiros e alças de teto (o passageiro dianteiro não tem onde se segurar quando o motorista se empolga com a suspensão em curvas). Como o carro tem cortinas infláveis, instalar tal alças com a robustez necessária, que permita a um ocupante se “pendurar” nelas ao entrar ou sair do carro, requer uma estrutura específica e mais custosa que em um carro sem tais bolsas de proteção. Ainda, as portas não se destravam automaticamente. Foi comum o motorista descer do carro, ir até a porta traseira direita para deixar a criança pequena na escola e se deparar com a porta trancada, tendo de dar toda a volta de novo para acionar o botão no painel. Seria simples oferecer na central de áudio a habilitação dessa função ao desejo do dono.

 

 

Julia Pacheco, nossa opinião feminina na seção, gostou bastante da posição de dirigir, do refinamento de motor e transmissão de ambas as versões (“fácil de dirigir, sem trancos e bem ágil”) e da suspensão bem acertada e “altinha”. Ela também aprovou o espaço interno e a central de áudio, mas sentiu falta de um porta-malas maior e com botão de abertura na tampa.

O Ka Freeestyle termina a avaliação de 30 dias com elogios ao acerto de suspensão, ao conjunto motor/transmissão de ambas as versões e, para seu segmento, ao espaço interno. Como sempre há o que melhorar, sobretudo em acabamento, mas o “aventureiro” da Ford entra na lista restrita de “compraria” dos colaboradores. O que eles discutem é se pagariam esse preço por um carro “altinho” ou se prefeririam um mais baixo, com apelo mais esportivo e que também cativou quem o dirigiu: o Volkswagen Polo TSI.

Semana anterior

 

Quarta semana

Distância percorrida 941 km
Distância em cidade 601 km
Distância em rodovia 340 km
Consumo médio geral 14,3 km/l (gas.) / 11,1 km/l (álc.)
Consumo médio em cidade 14,3 km/l (gas.) / 11,6 km/l (álc.)
Consumo médio em rodovia 10,6 km/l (álc.)
Melhor média 14,6 km/l (gas.) / 13,1 km/l (álc.)
Pior média 10,8 km/l (gas.) / 8,0 km/l (álc.)
Dados do computador de bordo

 

Desde o início (versão manual)

Distância percorrida 1.235 km
Distância em cidade 895 km
Distância em rodovia 340 km
Consumo médio geral 12,7 km/l (gas.) / 11,1 km/l (álc.)
Consumo médio em cidade 14,3 km/l (gas.) / 11,6 km/l (álc.)
Consumo médio em rodovia 10,6 km/l (álc.)
Melhor média 14,6 km/l (gas.) / 13,1 km/l (álc.)
Pior média 9,5 km/l (gas.) / 8,0 km/l (álc.)
Dados do computador de bordo

 

Preços

Sem opcionais R$ 63.990
Como avaliado R$ 63.990
Completo R$ 65.340
Preços sugeridos em 11/10/18 com caixa manual

 

Ficha técnica

Motor
Posição transversal
Cilindros 3 em linha
Comando de válvulas duplo no cabeçote
Válvulas por cilindro 4, variação de tempo
Diâmetro e curso 84 x 90 mm
Cilindrada 1.497 cm³
Taxa de compressão 12:1
Alimentação injeção multiponto sequencial
Potência máxima (gas./álc.) 128/136 cv a 6.500 rpm
Torque máximo (gas./álc.) 15,3 m.kgf de 3.500 a 5.000 rpm/15,3 m.kgf de 3.000 a 6.000 rpm
Transmissão
Tipo de caixa e marchas manual, 5
Tração dianteira
Freios
Dianteiros a disco ventilado
Traseiros a tambor
Antitravamento (ABS) sim
Direção
Sistema pinhão e cremalheira
Assistência elétrica
Suspensão
Dianteira independente, McPherson, mola helicoidal
Traseira eixo de torção, mola helicoidal
Rodas
Dimensões 6 x 15 pol
Pneus 185/60 R 15
Dimensões
Comprimento 3,954 m
Largura 1,695 m
Altura 1,57 m
Entre-eixos 2,49 m
Capacidades e peso
Tanque de combustível 52 l
Compartimento de bagagem 257 l
Peso em ordem de marcha 1.086 kg
Desempenho e consumo (gas./álc.)
Velocidade máxima ND
Aceleração de 0 a 100 km/h ND
Consumo em cidade 11,9/8,4 km/l
Consumo em rodovia 14,4/9,9 km/l
Dados do fabricante para caixa manual; consumo conforme padrões do Inmetro; ND = não disponível

 

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