Hatch “aventureiro” viajou à praia, mudou de combustível e passou por medições: veja o que descobrimos
Texto e fotos: Felipe Hoffmann
Na segunda semana do teste Um Mês ao Volante, o Ford Ka Freestyle com transmissão automática teve o primeiro uso rodoviário e passou a rodar com álcool. Foram 958 quilômetros rodados, sendo 941 km contabilizados para o consumo médio de 10,1 km/l. No trecho urbano tivemos média de 9,6 km/l e no rodoviário 10,9 km/l.
Tivemos a melhor marca no uso rotineiro urbano, com trecho de 70 km com 80% pelas Marginais dos Rios Pinheiros e Tietê, no qual atingiu 13,5 km/l com média de velocidade de 41 km/h. Por outro lado, a pior marca ficou no uso intenso e com ar-condicionado ligado: 5,9 km/l em 24,6 km à média de 18 km/h. Interessante notar que o Ka é favorecido ao usar álcool: no uso pelas marginais, seu rendimento ficou em torno de 76% daquele obtido com gasolina — média de 11,1 km/l com álcool e 14,6 com o derivado de petróleo.
Diante da diferença energética entre os combustíveis, o esperado seria uma relação de 66% com 9,6 km/l de álcool. Ficou claro que o novo motor de 1,5 litro e três cilindros da Ford aproveita a maior resistência à detonação do combustível vegetal e trabalha com o avanço de ignição mais próximo do ideal, o que favorece a eficiência. Nos dados pelos padrões do Inmetro, a relação fica em torno de 70% tanto no ciclo urbano como no rodoviário.
Estabilidade do Ka agradou na viagem ao litoral e foi comprovada pela aceleração lateral; o motor foi mais mais eficiente com álcool que com gasolina
O Ka Freestyle mostrou-se bem acertado na viagem ao litoral paulista, com pouco ruído aerodinâmico e de rolagem de pneus. O controlador de velocidade, bem acertado e intuitivo, opera também na redução de velocidade: se necessário, a transmissão reduz marchas em declives acentuados para obter mais freio-motor. A caixa também faz reduções conforme a pressão do pedal de freio, deduzindo que se está em declive intenso. Faltou apenas um mostrador da velocidade selecionada.
O comportamento da suspensão na estrada também agradou, tanto em absorção de oscilações de trechos de concreto como em grandes movimentações, como passar em lombadas. O comportamento em curva foi além do que esperávamos do tipo de carro, justificando a fama da Ford nesse quesito. O carro está sempre nas mãos, com comportamento próximo de neutro, e pode ser provocado a uma leve saída de traseira nas entradas de curva, além de o controle de estabilidade ser bem permissivo e não atrapalhar a diversão.
Apesar da maior altura que no Ka normal, das bitolas relativamente estreitas e dos pneus modestos (185/60 R 15) de uso não esportivo, o Freestyle conseguiu ótima aceleração lateral de 0,93 g no teste-padrão. Ficou atrás apenas do Volkswagen Polo Highline (0,96 g), com rodas e pneus maiores e rodagem mais baixa. Equivaleu-se ao mais largo Toyota Corolla XEi (0,92 g), foi bem melhor que o Nissan Kicks SV (0,84 g) e ainda mais que o concorrente direto JAC T40 (0,79 g). A aderência lateral piora quanto mais alto o carro em relação à sua bitola, o que é pura Física, mas esse Ka mostra que um bom projeto de suspensão e direção é muito mais importante que apenas pneus largos e carro “socado no chão”. Como seria um Ka esportivo, com altura e pneus semelhantes aos do Polo testado?
Muito suave para um três-cilindros, o novo 1,5-litro satisfaz em desempenho; a caixa automática foi bem calibrada e reduz para ajudar em declives intensos
Como foi a última semana com a versão automática, aproveitamos para medir suas acelerações. Com álcool e em São Paulo, SP (evite comparar às medições em Pindamonhangaba, SP, que tem menor altitude), de 0 a 100 km/h ele levou 11,0 segundos e de 0 a 400 m foi em 17,8 s. O Polo (de 128 cv contra 136 do Ka) obteve 9,9 s e 17,0 s, na ordem. Por que o VW se sai melhor com menos potência? Deve-se levar em conta a curva de torque como um todo, que no Polo é muito maior em boa faixa de rotação: seu máximo de 20,4 m.kgf aparece entre 2.000 e 3.500 rpm, ante 15 m.kgf a 2.000 rpm e 16 m.kgf a 3.500 rpm do Ka, segundo o gráfico divulgado pela Ford.
O Freestyle conseguiu ótima aceleração lateral de 0,93 g: um bom projeto de suspensão e direção é mais importante que apenas pneus largos e carro rebaixado
Com algumas contas tem-se a potência do Ka em 42 cv a 2.000 rpm e 78 cv a 3.500 rpm, ante 57 e 100 cv do Polo nos mesmos regimes. Isso afeta bastante o “pulo inicial” e garante melhores retomadas e acelerações ao VW, conforme mostra o gráfico abaixo. Contudo, em rotações mais altas o Ka diminui a diferença, como mostrado no tempo de 0 a 400 m, porque as potências se tornam parecidas. A Ford também usa 2ª, 3ª e 4ª marchas mais curtas.
Cabe levar em conta que o Polo, por ser turbo, não é prejudicado pela altitude — em São Paulo o Ka estaria com 121 cv, menos 15 que ao nível do mar. O Kicks de 114 cv foi mais lento que ambos (11,6 s de 0 a 100 e 18,2 s até 400 m), tendo os três pesos bem próximos e caixas automáticas.
A análise de dados adquiridos pelo Race Capture Pro sugere ma limitação de torque do motor: a borboleta (TPS) não abre por completo até por volta de 5.500 rpm na terceira marcha (sua abertura é mostrada em graus e o máximo é de 86°). Essa limitação muitas vezes é usada para a transmissão não receber mais torque do que foi prevista para suportar; adota-se uma caixa menor e mais leve para otimizar o consumo. Mesmo assim, o percentual de torque (carga do motor) permanece boa parte no máximo da condição de teste, ao redor de 89% (não chega a 100% pelo ar mais rarefeito).
E qual seria o motivo de não abrir toda a borboleta? Ora, em rotações mais baixas a vazão de ar que entra no motor atinge seu máximo antes de a borboleta se abrir como um todo. Em geral não há problemas em abrir toda a borboleta, mesmo a 1.000 rpm, mas os pulsos de ar que voltam pela admissão quando as válvulas de admissão se fecham atrapalham o fluxo do próximo ciclo de admissão. Esses pulsos criam o conhecido ruído de admissão e afetam a curva de torque, como comentado sobre o JAC T40. Não abrir a borboleta como um todo pode atenuar um pouco as ondas de choque e até melhorar a curva de torque, o que mostra bom refinamento de calibração pela Ford.
Ainda em comparação ao Polo, a caixa automática do Ka trabalha com trocas em geral mais refinadas e suaves. Enquanto a Volkswagen bloqueia o conversor de torque a partir de 20 ou 30 km/h, conectando a transmissão ao motor diretamente por uma embreagem, a Ford prefere usar o conversor durante as trocas. Na estratégia da alemã, a qualidade da troca fica a cargo do menor avanço de ignição e dos atuadores das embreagens envolvidas no sistema epicicloidal.
Fica mais difícil eliminar os trancos durante as trocas, notados no Polo em algumas situações, mas o acoplamento rápido faz a rotação do motor cair subitamente, o que faz lembrar a caixa DSG de dupla embreagem. Isso não quer dizer que se ganhe tempo, pois se “mata” o motor durante a troca e leva tempo — mesmo que curto — para o motor voltar a produzir torque. Já a Ford desativa momentaneamente o bloqueio do conversor, para que ele “patine” e absorva qualquer tranco na mudança, além de garantir uma transição mais progressiva. A rotação não varia tão rápido, mas compensa pela suavidade de troca.
Além disso, o sistema do Ka parece usar melhor lógica de reconhecimento de subidas e do modo de dirigir do motorista, adaptando melhor as mudanças e retendo mais as marchas em tocada mais esportiva ou com carro carregado. No dia a dia, porém, ele deu a impressão de reter um pouco demais as marchas — pode ter sido intencional para deixar o carro ágil. No modo manual o sistema faz aceleração interina, elevando os giros antes de a marcha entrar numa redução mais ousada. Uma pena que para fazer isso se dependa do botão na alavanca. Além disso, pode-se trocar as marchas manualmente em Drive, mas o painel não mostra qual está em uso. Posicionar a alavanca em S também afeta a progressão do acelerador, deixando-o bem mais arisco.
A avaliação do Freestyle terá uma exceção: a troca de carro no meio do período por uma versão manual, a pedido da fábrica. Nada a lamentar: apesar de gostarmos do tom marrom do Ka inicial, será interessante conhecer a outra opção de transmissão e poder compará-las em consumo e desempenho a partir da próxima sexta-feira.
Semana anterior
Segunda semana
Distância percorrida | 941 km |
Distância em cidade | 555 km |
Distância em rodovia | 386 km |
Consumo médio geral | 10,1 km/l |
Consumo médio em cidade | 9,6 km/l |
Consumo médio em rodovia | 10,9 km/l |
Melhor média | 13,5 km/l |
Pior média | 5,9 km/l |
Dados do computador de bordo com álcool |
Desde o início
Distância percorrida | 1.479 km |
Distância em cidade | 1.093 km |
Distância em rodovia | 386 km |
Consumo médio geral | 13,8 km/l (gas.) / 10,1 km/l (álc.) |
Consumo médio em cidade | 13,8 km/l (gas.) / 9,6 km/l (álc.) |
Consumo médio em rodovia | 10,9 km/l (álc.) |
Melhor média | 19,8 km/l (gas.) / 13,5 km/l (álc.) |
Pior média | 6,3 km/l (gas.) / 5,9 km/l (álc.) |
Dados do computador de bordo |
Preços
Sem opcionais | R$ 67.990 |
Como avaliado | R$ 67.990 |
Completo | R$ 69.340 |
Preços sugeridos em 27/9/18 |
Ficha técnica
Motor | |
Posição | transversal |
Cilindros | 3 em linha |
Comando de válvulas | duplo no cabeçote |
Válvulas por cilindro | 4, variação de tempo |
Diâmetro e curso | 84 x 90 mm |
Cilindrada | 1.497 cm³ |
Taxa de compressão | 12:1 |
Alimentação | injeção multiponto sequencial |
Potência máxima (gas./álc.) | 128/136 cv a 6.500 rpm |
Torque máximo (gas./álc.) | 15,6/16,1 m.kgf a 4.750 rpm |
Transmissão | |
Tipo de caixa e marchas | automática, 6 |
Tração | dianteira |
Freios | |
Dianteiros | a disco ventilado |
Traseiros | a tambor |
Antitravamento (ABS) | sim |
Direção | |
Sistema | pinhão e cremalheira |
Assistência | elétrica |
Suspensão | |
Dianteira | independente, McPherson, mola helicoidal |
Traseira | eixo de torção, mola helicoidal |
Rodas | |
Dimensões | 6 x 15 pol |
Pneus | 185/60 R 15 |
Dimensões | |
Comprimento | 3,954 m |
Largura | 1,695 m |
Altura | 1,57 m |
Entre-eixos | 2,49 m |
Capacidades e peso | |
Tanque de combustível | 52 l |
Compartimento de bagagem | 257 l |
Peso em ordem de marcha | 1.135 kg |
Desempenho e consumo (gas./álc.) | |
Velocidade máxima | ND |
Aceleração de 0 a 100 km/h | ND/11,2 s |
Consumo em cidade | 11,1/7,4 km/l |
Consumo em rodovia | 13,2/9,4 km/l |
Dados do fabricante; consumo conforme padrões do Inmetro; ND = não disponível |