Com auxílio elétrico, esse hatch faz 28 km/l na cidade: teste de 30 dias mostra se ele é uma boa compra
Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: autor e Fabrício Samahá
Para comemorar o primeiro aniversário da seção Um Mês ao Volante sob comando do consultor técnico Felipe Hoffmann, trouxemos um carro que — além de polêmico — esbanja atributos tecnológicos ideais para a análise detalhada do Best Cars: o Toyota Prius, mais acessível carro híbrido do mercado brasileiro, com preço de R$ 125.450.
Os híbridos estão ganhando força mundo afora com as novas políticas para redução nas emissões de gás carbônico (CO2) e de poluentes. Mesmo no Brasil, onde suas vendas representam muito pouco, tem havido incentivos como isentar esses modelos do rodízio de veículos de São Paulo, SP — medida mais política que técnica, pois o rodízio se destina a reduzir congestionamentos e não a poluição do ar.
Ver nos híbridos uma solução para menor emissão de CO2 é discutível: outras soluções, como o uso de álcool, seriam mais práticas e fáceis de implementar em outros países se esse fosse o problema. Além disso, carros são transportados entre os continentes por navios, que usam combustíveis oriundos do petróleo e chegam o poluir o mesmo que alguns milhões de carros juntos. Assim, é bem provável que um Prius vendido aqui tenha maiores emissões totais de CO2 que um Corolla nacional desde o início da cadeia produtiva, incluindo a matéria-prima das baterias retiradas do solo de vários países, seu transporte ao Japão e a vinda ao Brasil uma vez construído. De qualquer forma, vamos ao carro.
Desenho exótico e controverso é marca do atual Prius, que custa R$ 125.450; em nome da eficiência aerodinâmica (Cx 0,24), calotas encobrem as rodas de alumínio
Oferecido no Brasil desde 2016 na atual geração, o Prius tem versão única com equipamentos como controle de estabilidade, sete bolsas infláveis (frontais, laterais dianteiras, de cortina e de joelhos do motorista), câmera traseira de manobras, ar-condicionado de duas zonas (que reconhece se o banco traseiro está vazio, caso em que direciona o ar somente para a zona frontal), carregador de celular por indução (sem fio), projeção de informações no para-brisa, acesso e partida com chave presencial, banco do motorista com regulagem lombar elétrica, aquecimento nos bancos dianteiros, faróis e limpador de para-brisa automáticos e central de áudio com navegador, TV digital e tela de 7 pol sensível ao toque.
O motor a gasolina de 1,8 litro (que opera pelo mais eficiente ciclo Atkinson) produz potência de 98 cv e torque de 14,2 m.kgf, modestos para a cilindrada, e se combina ao elétrico de 72 cv e 16,6 m.kgf. A potência combinada é estimada em 123 cv, pois os dois não operam em máxima potência ao mesmo tempo. A bateria do sistema híbrido fica na parte inferior direita do banco traseiro e a transmissão é de variação contínua (CVT) com um peculiar desenho de alavanca seletora.
Na primeira semana analisamos o Prius como um carro qualquer, pois de nada adianta ser tecnológico — ele precisa ser bom de maneira geral para vender bem. E o híbrido trouxe sensações melhores do que esperado em diversos aspectos, em comparação a modelos de preço próximo como o “irmão” Corolla. Mostrou-se muito confortável em ruído em todos os aspectos, sobretudo quando o motor a combustão funciona, deixando claro que a Toyota fez o máximo para isolar vibrações e ruídos. O barulho de rolagem dos pneus é muito baixo, assim como o ruído de vento em rodovias, ajudado pelo coeficiente aerodinâmico (Cx) bem reduzido, 0,24.
Interior ousado com painel digital e bons equipamentos; motorista e mais três adultos se acomodam bem, apesar do teto baixo; freio de estacionamento é problema
Ainda em conforto, a rodagem é muito boa na absorção de remendos e pequenas imperfeições, bem melhor que a do Corolla, além de haver bom controle em oscilações maiores como lombadas e mudanças bruscas de direção. A posição de dirigir e o espaço agradaram desde motoristas mais baixos até os mais altos. O único ponto negativo é o acionamento do freio de estacionamento pelo obsoleto pedal, bem acima do apoio do pé esquerdo, que coincide com a articulação entre a canela e o pé. Além de atrapalhar, torna-se um objeto rígido e de quina: em um impacto, pode levar o motorista a quebrar a articulação do pé.
O principal motivo do baixo consumo em cidade é a regeneração da energia de frenagem: em vez de se perder em calor, é aproveitada para recarregar a bateria
No banco traseiro o Prius acomoda dois adultos com largura e vão para pernas muito bons. Para a cabeça, menos, por causa da queda do teto. “Viúvas” de peruas devem ficar felizes ao usar seu compartimento de bagagem. Apesar do volume menor que o da maioria dos sedãs médios (412 litros), por ser raso, ele é bem largo e comprido. Além disso, há grandes vãos tanto para o acesso quanto ao rebater o encosto do banco traseiro, que é bipartido do lado certo, com o lado maior atrás do passageiro. Com isso foi possível transportar a bicicleta de quadro grande e carregar as malas e crianças ao mesmo tempo em viagem, quase a mesma versatilidade de uma perua média.
Na semana de estreia o Prius encarou trechos urbanos (174 quilômetros) e rodovias rumo ao litoral norte (423 km). Para nossa frustração, perdemos em parte a referência de consumo urbano, pois o viaduto que cedeu na Marginal do Rio Pinheiros fazia parte de nosso circuito quase que diário — ao nos desviarmos dele, adicionamos uma pequena variável ao padrão que pode prejudicar a comparação a outros carros. No único dia em que cumpriu o trajeto costumeiro pelas Marginais Tietê e Pinheiros antes da queda da ponte, o Prius marcou a média de 3,6 litros/100 km, o que representa ótimos 27,8 km/l. Nada mal para um carro de 1.400 kg ou 600 a mais que um Renault Kwid, que com média de velocidade parecida fez 19,1 km/l de gasolina.
Instrumentos mostram carga da bateria, fluxo de energia (foto da esquerda), quanto se pode acelerar sem acionar o motor a combustão (trecho destacado na direita) e se a regeneração está atuando (sigla CHG); carregador sem fio para celular; alavanca da CVT é peculiar
Decepciona a Toyota não ter adotado o modelo brasileiro de consumo (km/l), que além de ser o hábito local acaba sendo mais preciso que l/100 km. Se os indicados 3,6 l/100 km representam 27,8 km/l, a marcação seguinte (3,5 l/100 km) já representa 28,6 km/l, enquanto 3,7 l/100 km são 27 km/l. Com degraus de cerca de 0,8 km/l perde-se muito em precisão em trechos específicos e para comparar com outros carros.
O principal motivo do baixo consumo em cidade, sobretudo com trânsito engarrafado, é a regeneração da energia de frenagem: se num carro comum ela é convertida de energia cinética (de movimento) em calor para a atmosfera, pois se tem apenas o atrito dos freios, nos híbridos (assim como em carros e trens/metrôs elétricos) ao se pressionar o pedal de freio o motor elétrico se torna um gerador para a bateria. Ouve-se até um pequeno zunido da energia elétrica freando o carro.
Os mais criteriosos notam o momento que o sistema entra em ação, pois se sente um diminuto aumento na desaceleração logo após pisar no pedal de freio, mostrando que a regeneração está freando mais o carro que os discos e pastilhas. O motorista percebe a atuação também pelo painel, pela indicação CHG (de charging, recarregando em inglês). Desacelerar lentamente, mantendo leve pressão no pedal por mais tempo, traz a regeneração mais eficiente. Há relatos mundo afora de taxistas que dizem nunca trocar as pastilhas de freios de seus híbridos, pelo desgaste muito baixo comparado a carros comuns.
Viagem ao litoral mostrou silêncio e conforto acima do esperado; porta-malas, embora raso e não tão grande, acomodou bem a bicicleta com banco rebatido
Além disso, o sistema de gerenciamento energético decide quando e como usar cada motor, o que pode ser visualizado na mesma tela. Isso serve de orientação ao motorista de quanto pressionar o acelerador para não acionar o motor a combustão. Sempre que aparece a sigla EV, apenas o motor elétrico está acionado.
Já no uso rodoviário ou em velocidade alta o sistema híbrido não traz grande melhoria ao consumo. Nessa condição o motor elétrico e suas baterias não dão conta de movimentar o carro, sendo necessário o uso do motor a combustão. Para ajudar, a cada freada ou redução o sistema carrega as baterias e ao reacelerar, como ao sair de lombadas, o sistema coloca tanto o motor a combustão como o elétrico para poupar combustível — assim o motor a gasolina se mantém em baixa rotação e produz apenas parte da energia necessária.
Em descidas as baterias são carregadas só até certo ponto, pois a estratégia é deixá-las com carga parcial (nem completa nem muito baixa) para otimizar sua vida útil. Ao acelerar o sistema consome parte da energia das baterias e, uma vez atingida a velocidade na faixa de 90-100 km/h, o motor a combustão começa a recarregá-las, mostrado no painel por setas do fluxo de energia. Exemplo claro foi no trecho de planalto da Rodovia dos Imigrantes: antes de descer a serra o sistema deixou o motor a gasolina carregar as baterias até o limite-padrão, faltando dois traços para carga máxima.
Conjunto híbrido obtém 123 cv, pois motores não trabalham a pleno ao mesmo tempo; à direita, indicador da regeneração ao descer serra fixado em 80 km/h
Ao começar a descer a serra, porém, o sistema entrou num modo de “freio-motor”, no qual o motor elétrico se tornou um gerador e começou a carregar as baterias até seu máximo. Optamos por selecionar o limite de 80 km/h, por meio do eficiente controlador, para que o gerador aumentasse a energia de frenagem e ao mesmo tempo carregasse as baterias. Contudo, uma vez que a carga foi ao limite, o sistema começou a usar o próprio motor a combustão como freio-motor, elevando a rotação a mais de 5.000 rpm — nesse caso, nem o excelente isolamento acústico evitou o incômodo. Caso o sistema fosse integrado ao navegador, como em alguns carros, bem poderia ter optado por esgotar as baterias no trecho de planalto, pois poderia carregá-las pela regeneração na descida de serra, com vantagem ao consumo.
O consumo rodoviário é favorecido pela ótima aerodinâmica, oriunda do desenho um tanto quanto exótico e que tem dividido opiniões, mas permissível em carros desse nicho. Nossa viagem com descida de serra marcou 22,2 km/l — nada mal, mas não muito melhor que no Fiat Argo de 1,35 litro, que marcou 21,4 km/l de gasolina. Por outro lado, o Prius alcançou 19,1 km/l na volta, beneficiado pelo trecho plano e pela parte com inúmeras lombadas (onde fez 23,6 km/l). Na subida de serra o hibrido acaba em desvantagem: usa o motor a combustão o tempo todo, não consegue recarregar as baterias e ainda transporta mais peso que um carro normal.
Mais Avaliações
Primeira semana
Distância percorrida | 597 km |
Distância em cidade | 174 km |
Distância em rodovia | 423 km |
Consumo médio geral | 21,0 km/l |
Consumo médio em cidade | 23,0 km/l |
Consumo médio em rodovia | 20,2 km/l |
Melhor média | 27,8 km/l |
Pior média | 14,5 km/l |
Dados do computador de bordo com gasolina |
Preços
Sem opcionais | R$ 125.450 |
Como avaliado | R$ 125.450 |
Completo | R$ 125.450 |
Preços sugeridos em 26/11/18 |
Ficha técnica
Motor a combustão | |
Posição | transversal |
Cilindros | 4 em linha |
Comando de válvulas | duplo no cabeçote |
Válvulas por cilindro | 4, variação de tempo |
Diâmetro e curso | 80,5 x 88,3 mm |
Cilindrada | 1.798 cm³ |
Taxa de compressão | 13:1 |
Alimentação | injeção multiponto sequencial |
Potência máxima | 98 cv a 5.200 rpm |
Torque máximo | 14,2 m.kgf a 3.600 rpm |
Motor elétrico | |
Potência | 72 cv |
Torque | 16,6 m.kgf |
Potência combinada | 123 cv (estimada) |
Transmissão | |
Tipo de caixa | automática de variação contínua |
Tração | dianteira |
Freios | |
Dianteiros | a disco ventilado |
Traseiros | a disco |
Antitravamento (ABS) | sim |
Direção | |
Sistema | pinhão e cremalheira |
Assistência | elétrica |
Suspensão | |
Dianteira | independente, McPherson, mola helicoidal |
Traseira | independente, multibraço, mola helicoidal |
Rodas | |
Dimensões | 15 pol |
Pneus | 195/65 R 15 |
Dimensões | |
Comprimento | 4,54 m |
Largura | 1,76 m |
Altura | 1,49 m |
Entre-eixos | 2,70 m |
Capacidades e peso | |
Tanque de combustível | 43 l |
Compartimento de bagagem | 412 l |
Peso em ordem de marcha | 1.400 kg |
Desempenho e consumo | |
Velocidade máxima | ND |
Aceleração de 0 a 100 km/h | ND |
Consumo em cidade | 18,9 km/l |
Consumo em rodovia | 17,0 km/l |
Dados do fabricante; consumo de gasolina conforme padrões do Inmetro; ND = não disponível |