Híbrido tem surpreendido pelo baixo consumo em cidade: conheça algumas razões para ele ser tão eficiente
Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: autor e Fabrício Samahá
A segunda semana do Toyota Prius no teste Um Mês ao Volante foi restrita ao uso urbano, mas com trechos bem longos de trânsito. Também foi bastante agitada, com direito à gravação do vídeo de análise técnica a ser publicado na fase final da avaliação. Para esse carro contamos com a parceria da Uninove, Universidade Nove de Julho — na qual o autor da seção é professor de Engenharia Mecânica —, que dispõe de bancadas didáticas e funcionais do sistema híbrido para que os alunos tenham contato mais profundo com tal tecnologia. Fizemos ainda testes de desempenho, que serão divulgados nas próximas semanas.
No total foram rodados 546 quilômetros, dos quais 464 contabilizados pelo consumo com média geral de 21,4 km/l de gasolina. O melhor trecho foi de 12 km com 30,3 km/l, marca justificada por dois fatores: parte do trajeto pela Marginal do Rio Pinheiros e, antes de chegar à via, um trecho longo de descida que carregou bem as baterias. Uma vez que a velocidade do trânsito estava entre 50 e 60 km/h, o sistema conduziu o carro boa parte pelo motor elétrico, regenerando parte da energia para as baterias nas reduções de velocidade e descidas no caminho — comprovado pela indicação no painel de uso da eletricidade por nada menos que 72% do trecho, com média final de velocidade de 31 km/h.
Em um carro híbrido, trechos curtos ficam difíceis de comparar pela grande variação de consumo entre as baterias estarem mais ou menos carregadas. Por exemplo, em trajeto curto no bairro (1,2 km) chegamos a 45,5 km/l com as baterias carregadas e, em outro dia, 9,4 km/l, ocasião em que o motor a combustão permaneceu quase o tempo todo ligado para carregá-las. No trecho habitual de 70 km, que inclui 80% pelas Marginais Tietê e Pinheiros, o consumo variou entre 25,6 e 27,8 km/l em dias diferentes. A pior média registrada foi no dia da gravação do vídeo, no qual enfrentamos 25,1 km com média de apenas 13 km/h e temperatura externa acima dos 30°C — o resultado foi de 13,9 km/l.
O formato de amplo hatch de cinco portas deixa o Prius bastante prático; à direita, indicação de que 72% do trajeto urbano de 11,9 km foram em modo elétrico
Na semana o Prius foi dirigido também pelo colaborador Edison Velloni, um adepto de marcas japoneses e dono do impecável Honda Civic 1999 mostrado aqui. Em seu uso diário com trânsito pesado, Edison rodou 44 km com média de 16 km/h e conseguiu incríveis (para as condições) 16,1 km/l. Para efeito comparativo, o Toyota Corolla de 2,0 litros fez 6,5 km/l em uso similar nas mãos de Edison.
O colaborador considerou o carro “muito confortável, lembrando até o acerto bem macio do Toyota Camry que tenho ao passar por remendos. Também agradou pelo espaço interno e o isolamento acústico. As respostas ao acelerador são outro ponto positivo: não precisa esperar a transmissão reduzir marcha e o motor ganhar giro, a resposta vem imediata. Contudo, apesar do som de boa qualidade, não gostei da central de mídia: não é prática e tem botões sensíveis ao toque, o que obriga a desviar os olhos para achar o local. E estranhei um carro tão tecnológico com aquele pedal de freio de estacionamento”. Com alguma ressalva ao estilo (“lembra aqueles carros futuristas que mostravam nos anos 60”, compara), ele diz que um Prius atenderia perfeitamente a seu uso.
Segredos da eficiência
Embora o excelente consumo de combustível fosse um atributo esperado desse Toyota, podemos dizer que ele tem surpreendido. Isso porque determinados carros obtêm ótimos resultados nos testes-padrão de consumo e emissões, mas no mundo real ficam longe de alcançá-los, pois os fabricantes usam brechas nas regras e manobras que favorecem os números. No caso do Prius o gerenciamento energético eleva bem sua eficiência, sendo os pontos principais:
1) Motor a combustão que opera sempre em carga máxima e no ciclo Atkinson. Esse ciclo aumenta a eficiência por ter a fase de expansão com maior volume que a fase de admissão de ar. Com isso, parte da energia que se perderia em forma de pressão pelo escapamento é aproveitada. Embora seja mais comum esse emprego em carros híbridos, a mesma estratégia é frequente em motores com variação do tempo de abertura das válvulas quando o motorista conduz de forma econômica.
A resposta imediata ao acelerador e o rodar suave, comparado ao do grande Camry, foram pontos destacados pelo colaborador Edison Velloni no Prius
No Prius, o motor a combustão somente opera em carga máxima (carga é o percentual de torque em relação a seu máximo naquela condição) e busca sempre a menor rotação possível. Por exemplo, ao carregar as baterias com carro parado, ele fica entre 1.200 e 1.300 rpm e com carga sempre perto de 100%. Ou seja, no anda-para do trânsito, vale muito mais a pena usar o motor em condição de alta eficiência durante alguns instantes (mesmo que nesse uso o consumo em litros por hora seja alto) que ficar como nos carros convencionais, em marcha-lenta e com carga muito baixa, usando boa parte do combustível só para manter em movimento as peças internas do motor. Uma vez que as baterias estão carregadas, pode-se muito bem rodar com o motor elétrico e não consumir nada de combustível.
Para otimizar seu ciclo de vida, o gerenciamento controla o quanto e como utilizar cada módulo e não descarrega ou carrega todas as baterias ao mesmo tempo
2) A regeneração de energia de movimento em energia elétrica traz grande benefício, ao dispensar o motor a combustão em certas condições para alimentar as baterias. Mesmo em trânsito intenso o motorista está carregando as baterias enquanto freia o carro em uma ladeira. Ao parar num semáforo, parte da energia que faria os discos de freio esquentarem foi desviada para o motor elétrico — que se tornou um gerador — e carregou as baterias.
3) O sistema de ar-condicionado usa acionamento elétrico do compressor, o que evita movimentar pistões, bomba de óleo e tudo o mais apenas para deixar a cabine fresca. Além disso, com o sistema independente da rotação do motor a combustão, pode-se modular melhor a intensidade com que o compressor precisa trabalhar. No Prius ele reconhece se há ocupante no banco do passageiro ou atrás e gerencia melhor o fluxo e a intensidade do compressor. Estando apenas o motorista, o sistema dá prioridade a seu lugar, diminuindo o fluxo de ar para o passageiro ao lado ou mesmo nas saídas no assoalho que servem ao banco traseiro. Além disso, o compressor é do tipo espiral (scroll), mais eficiente que os empregados em motores a combustão.
Quando apresentamos o Prius a alguém, é comum retrucarem: “Tudo bem, economizo no combustível, mas quanto tempo duram as baterias do sistema híbrido e quanto custará trocá-las?”.
No caso de o motorista andar só, o ar-condicionado de duas zonas faz os difusores do lado direito e os canais de ar do assoalho atuarem menos ou deixarem de atuar
As baterias do Prius são do tipo níquel-hidreto metálico (NiMH), de produção mais barata que as de íons de lítio (Li-ion), como as de celulares, computadores e muitos carros elétricos. Suas desvantagens são o maior peso para a mesma capacidade, maior “efeito memória” e não poderem ser descarregadas e carregadas tão rápido quanto as de lítio. Contudo, as baterias de NiMH suportam maiores temperaturas sem se degradar, característica importante em um automóvel. No Prius as baterias ficam abaixo do assento traseiro, de fácil acesso. Quando se exige desempenho do carro por certo tempo e se para numa garagem, percebem-se certo calor vindo debaixo do assento e um pequeno ruído do ventilador responsável por resfriá-la.
Sim, sistemas elétricos também exigem arrefecimento — que no caso de carros é complexo, pois as temperaturas de trabalho precisam ser menores que as um motor a combustão. O Prius tem arrefecimento do motor elétrico em separado do de combustão, mas as baterias são apenas arrefecidas pelo ar. E de onde vem esse calor todo? Para ter uma noção, basta carregar seu celular para que tanto o aparelho como o carregador fiquem quentes, sendo que a potência empregada é de apenas 5 a 10 watts. No Prius o motor elétrico tem potência nominal de 72 cv ou 53 mil watts! Despejar toda essa potência subitamente pode “fritar” as baterias, razão pela qual a Toyota não permite produzi-la.
O gerenciamento energético da bateria, aliás, faz com que os tempos de aceleração variem em testes como os nossos, pois a potência máxima que o sistema produz não é sempre a mesma. A capacidade divulgada das baterias é de 1.310 Wh (watts-hora), mas sofre grande variação em função da carga. Para entender, uma lâmpada de 131 W até poderia ficar ligada à bateria durante 10 horas, mas 10 dessas lâmpadas com certeza não ficariam ligadas por 1 hora, pois fariam a bateria esquentar e reduzir sua capacidade.
Para otimizar o ciclo de vida das baterias, a Toyota adotou uma série de estratégias. Elas são compostas de 28 módulos de 7,2 V e 6,5 Ah (ampères-hora) cada, o que representa 46 Wh por módulo (ao multiplicarmos temos 1.310 Wh). Contudo, cada módulo tem um controlador e um relê, para que se possa desativá-lo em caso de carga baixa ou temperatura de trabalho excessiva. Com isso, o gerenciamento do carro controla o quanto e como utilizar cada módulo e, claro, não descarrega ou carrega todas as baterias ao mesmo tempo.
A regeneração de energia tem-se mostrado um dos trunfos pela eficiência do Prius: por que desperdiçar em calor o que pode ser convertido em eletricidade?
É difícil saber o quanto se usa da bateria em qual condição, mas se comenta que a Toyota usa apenas 400 Wh de capacidade — cerca de 1/3 do total, ciclando a bateria entre 38% e 82%. Reduzindo o ciclo de carga da bateria, estende-se sua vida útil, e o controle individual de temperatura evita sobrecarga em algum módulo. Outra vantagem desse tipo de bateria é reter entre 70 e 85% da carga inicial depois de um ano sem uso.
Com essa estratégia um tanto complexa de carga e descarga, a Toyota conseguiu prolongar bem a vida útil do conjunto, oferecendo garantia de 10 anos das baterias em alguns países. Em 2011 a revista norte-americana Consumer Reports fez um teste interessante: colocou um Prius 2002 com 334 mil km rodados no teste-padrão de consumo dos EUA, em laboratório, e obteve 17,17 km/l contra 17,26 km/l do mesmo modelo quando homologado para o teste de consumo, em 2001, com 3.200 km. O desempenho também ficou bem próximo ao do carro novo, mostrando que a bateria ainda dava conta do recado.
Contudo, há casos de problemas nas baterias e de esgotamento de sua vida útil. Apesar do alto custo de reposição em concessionária, empresas nos EUA remanufaturam os módulos, que podem ser trocados individualmente ou em conjunto. Uma rápida pesquisa no Ebay mostra módulos na casa de US$ 30 e conjuntos de baterias por US$ 600, ou seja, nada que torne a substituição inviável. A maioria dos problemas não se refere à bateria em si, mas a conexões e outros componentes eletrônicos. No laboratório da Uninove há sistemas híbridos com esse tipo de problema para que o aluno possa entender melhor os pontos críticos, o que detalharemos nas próximas semanas. Até lá!
Semana anterior
Segunda semana
Distância percorrida | 464 km |
Distância em cidade | 464 km |
Distância em rodovia | – |
Consumo médio geral | 21,4 km/l |
Consumo médio em cidade | 21,4 km/l |
Consumo médio em rodovia | – |
Melhor média | 30,3 km/l |
Pior média | 13,9 km/l |
Dados do computador de bordo com gasolina |
Desde o início
Distância percorrida | 1.061 km |
Distância em cidade | 638 km |
Distância em rodovia | 423 km |
Consumo médio geral | 21,1 km/l |
Consumo médio em cidade | 21,8 km/l |
Consumo médio em rodovia | 20,2 km/l |
Melhor média | 30,3 km/l |
Pior média | 9,2 km/l |
Dados do computador de bordo com gasolina |
Preços
Sem opcionais | R$ 125.450 |
Como avaliado | R$ 125.450 |
Completo | R$ 125.450 |
Preços sugeridos em 26/11/18 |
Ficha técnica
Motor a combustão | |
Posição | transversal |
Cilindros | 4 em linha |
Comando de válvulas | duplo no cabeçote |
Válvulas por cilindro | 4, variação de tempo |
Diâmetro e curso | 80,5 x 88,3 mm |
Cilindrada | 1.798 cm³ |
Taxa de compressão | 13:1 |
Alimentação | injeção multiponto sequencial |
Potência máxima | 98 cv a 5.200 rpm |
Torque máximo | 14,2 m.kgf a 3.600 rpm |
Motor elétrico | |
Potência | 72 cv |
Torque | 16,6 m.kgf |
Potência combinada | 123 cv (estimada) |
Transmissão | |
Tipo de caixa | automática de variação contínua |
Tração | dianteira |
Freios | |
Dianteiros | a disco ventilado |
Traseiros | a disco |
Antitravamento (ABS) | sim |
Direção | |
Sistema | pinhão e cremalheira |
Assistência | elétrica |
Suspensão | |
Dianteira | independente, McPherson, mola helicoidal |
Traseira | independente, multibraço, mola helicoidal |
Rodas | |
Dimensões | 15 pol |
Pneus | 195/65 R 15 |
Dimensões | |
Comprimento | 4,54 m |
Largura | 1,76 m |
Altura | 1,49 m |
Entre-eixos | 2,70 m |
Capacidades e peso | |
Tanque de combustível | 43 l |
Compartimento de bagagem | 412 l |
Peso em ordem de marcha | 1.400 kg |
Desempenho e consumo | |
Velocidade máxima | ND |
Aceleração de 0 a 100 km/h | ND |
Consumo em cidade | 18,9 km/l |
Consumo em rodovia | 17,0 km/l |
Dados do fabricante; consumo de gasolina conforme padrões do Inmetro; ND = não disponível |