Renault Kwid conclui mês de teste com análise de dados

Acelerador enganoso e saída sem acelerar ficaram à mostra; veja o que mais ele revelou em 30 dias de avaliação

Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: autor, Fabrício Samahá e divulgação

 

Na quarta e última semana do teste Um Mês ao Volante, o Renault Kwid Intense continuou no uso urbano com álcool, por 576 quilômetros, com média de 12,4 km/l. Dois extremos de consumo foram atingidos no período. De um lado, o uso em tráfego intenso do colaborador Edison Velloni resultou em apenas 7,4 km/l nos 64 km rodados em 4 horas (!) com ar-condicionado ligado. No outro extremo, a colaboradora Julia Pacheco conseguiu ótimos 17,7 km/l no uso de 35 km com velocidade média de 50 km/h.

Infelizmente continuamos a sofrer de erros no computador de bordo, que perdeu a credibilidade em alguns trajetos e inviabilizou a comparação que fazemos com a bomba ao abastecer. Na única vez válida para efeitos comparativos, o consumo foi 4% melhor no computador, portanto dentro da margem que constatamos em numerosas avaliações. Fato curioso é que às vezes a média de consumo melhora quando se religa o contato sem acionar o motor (veja as fotos à tarde e à noite do mesmo dia, em que milagrosamente o consumo passou de 8,6 para 8,9 km/l). Também estranha foi a autonomia gigantesca após abastecer, incoerente com a autonomia real.

 

Entre parar à tarde e religar a ignição à noite, a média de consumo melhorou em 0,3 km/l

 

Apesar dos erros do computador, o Kwid confirmou ser um carro bem econômico na cidade. Na semana tivemos média geral (na bomba) de 12,1 km/l. A adoção do álcool como combustível, que traz ao motor mais 4 cv e 0,4 m.kgf de torque, acentuou um ponto elogiado no período com gasolina: a agilidade do carrinho ao se considerar a potência disponível. Não apenas os testes de aceleração se mostraram relativamente bons, na casa de 13,5 segundos para 0-100 km/h (ante 14,2 s registrados com gasolina no comparativo com o Fiat Mobi), mas também o desempenho no dia a dia, com bom casamento entre motor e relações de marcha.

 

 

Parte da sensação de agilidade, porém, resulta de duas estratégias cada vez mais encontradas nos carros atuais: assistente de saída (não se trata de auxílio em rampa mediante frenagem, que ele não tem) e pedal de acelerador muito agressivo. O assistente de saída ajuda o motorista a sair com o carro parado. Há um sensor que detecta o acionamento do pedal da embreagem para “preparar” a saída do carro, aumentando tanto a carga ao motor quanto a rotação, pois entende que o motorista vai engatar a primeira marcha e sair. Além disso, o sistema atua tanto no avanço de ignição quanto na posição de borboleta para auxiliar a saída, garantido que o motor não morra fácil e que haja uma arrancada “robusta” para maior sensação de desempenho.

Para demonstrar sua atuação instalamos o equipamento de aquisição de dados Race Capture Pro, via porta OBD2, o mesmo usado em nossas medições de desempenho. Ao sair com apenas 10% de pedal de acelerador o motor já vai para 70% de carga, ou seja, 70% do torque que consegue produzir naquela rotação. Essa função atua também sem pisar no acelerador, de modo a se poder arrancar só liberando a embreagem. Contudo, a nosso ver a Renault exagerou: consegue-se mudar de marchas e engatar até a quarta sem pressionar o acelerador, chegando em algumas situações a 100% de carga — isto é, o motor produz todo o torque possível naquela condição, como mostrado no gráfico abaixo.

 

Exagero: no segundo trecho amarelo, chegou-se a 100% de carga do motor sem acelerar

 

Também se atinge 100% ao soltar a embreagem com o freio de estacionamento acionado. Tal estratégia pode ser perigosa caso a pessoa que esteja atrás do volante não tenha muita habilidade com caixa manual, pois em vez de “matar” o motor o carro pode sair andando rápido, subindo em guias e atropelando o que estiver na frente.

 

Com 45% de abertura do acelerador o motor já produz 100% do torque: isso pode passar para o leigo a sensação de um carro bem ágil no primeiro contato

 

A segunda estratégia, muito comum hoje, é garantir que o carro tenha determinada aceleração nas posições parciais de pedal de acelerador, não importa qual o motor em uso. Digamos que o carro possa ser equipado com motores de 1,0 e 1,6 litro: ambas as versões têm prevista igual aceleração em posições como 20% ou 40% de pedal, apenas se diferenciando em valores mais altos de abertura — claro, pois em certo ponto o 1,0 deixa de conseguir acompanhar o 1,6. Isso garante, de um lado, que o comprador da versão mais fraca não ache o carro tão lento, e de outro, que o motorista do carro com motor maior consiga dosar o torque.

No caso do Kwid, com 20% de pedal a carga do motor já está na casa de 60-70% em rotações baixas e médias (cai com aumento da rotação para criar uma progressão que auxilie o motorista). Pressionando mais o pedal, a partir de 45% de abertura o motor já produz 100% do torque, não fazendo qualquer diferença se o motorista pressionar mais. Isso pode passar para o leigo a sensação de um carro bem ágil no primeiro contato, pois com metade do acelerador o carro já anda bem. Claro que ele ficará frustrado ao fazer uma ultrapassagem e não encontrar mais nada depois de 50% de abertura.

 

Falsa sensação de desempenho: 45% de pedal levam o motor ao máximo torque disponível

 

Por falar em sensação de pedal, há algo curioso também com o sistema de freios do pequeno Renault. Está bem calibrado e intuitivo para uso leve, mas ao exigir mais (como ao frear forte em cima de uma curva) fica a sensação de faltar freio, exigindo esforço extra no pedal. Entenda bem: não falta freio para emergência, mas em algumas condições o motorista pode ter a sensação de precisar apertar com mais força o pedal para segurar o carro, pois a progressão do freio não é linear. Por outro lado, em emergência as rodas começam a travar e o ABS entra em ação, indicando potência de frenagem suficiente. O motivo dessa diferença é um reforço de assistência, função incorporada à lógica do ABS, que percebe a emergência pela velocidade de uso do pedal de freio.

 

 

Mencionamos antes que o Kwid não transmite segurança em velocidades mais altas, por faltar autoalinhamento de direção e inclinar demais a carroceria durante mudanças de trajetória. Isso não significa pouca aderência ao solo: ao simular uma curva contínua, consegue-se controlar bem o carro, com leve tendência ao subesterço, que pode virar sobresterço ao comando do motorista mais experiente. Em nosso teste-padrão de aceleração lateral o carro marcou 0,86 g, um bom valor que prova que não se precisa de pneus largos para obter boa aderência: o projeto de suspensão/direção é que deve estar bem integrado às características dos pneus. Como referência apenas, o Nissan Kicks SV chegou a 0,84 g e o VW Polo Highline TSI a 0,96 g, ambos com pneus de 205 mm de seção.

Ao fim de 30 dias de teste, o Kwid deixou um misto de boas e más impressões. Pontos positivos foram o consumo e o desempenho para um 1,0-litro, assim como o espaço de bagagem em sua categoria, os bons faróis (os de neblina realmente abrem um leque próximo ao carro), a câmera traseira de manobras e o sistema de áudio com tela de 7 pol pela facilidade de uso. Os recursos de segurança — alguns raros em sua classe — incluem bolsas infláveis laterais, fixação Isofix para cadeira infantil e encostos de cabeça para cinco pessoas.

 

Agilidade, economia e espaço de bagagem foram destaques do Kwid em um mês de teste; no interior, incomodaram algumas limitações em espaço e refinamento

 

Os pontos negativos mais percebidos foram a falta de refinamento e controle de qualidade em certas partes. A moldura da porta do lado do motorista se descolou logo nos primeiros dias, mostrando marcas de cola de outras vezes em que caiu; o limpador de para-brisa único e pantográfico (que atende boa área do vidro) trepida e não varre direito, como se a palheta estivesse velha; faltou filtro de ruído para as ligações feitas por Bluetooth; a adaptação da troca entre gasolina e álcool se mostrou ruim, deixando o motor fraco e falhando durante um bom tempo.

Houve frequente erro na leitura do nível de combustível ao abastecer (continuava mostrando reserva mesmo com o tanque cheio) e o computador de bordo altera o consumo e a velocidade média, ou perde seus dados, em algumas situações. Há também falhas de projeto que podem ser revistas, como ar-condicionado um tanto ruidoso, desconforto para motoristas mais altos (ajuste de altura do banco ajudaria), escassez de porta-objetos (o do console deixa muitos itens soltos e fazendo ruídos), portas que não se destravam ao desligar o carro e protetor de cárter baixo demais, que anula em parte a vantagem do grande vão livre do solo.

Mesmo assim, para quem procura acima de tudo economia e praticidade em um carro de uso urbano, o Kwid nos convenceu em mais de 2.000 km que pode ser uma boa opção. Na próxima semana veremos sua análise técnica em vídeo, enquanto outro hatch de lançamento recente no mercado começa mais um mês de teste: o Fiat Argo Drive com motor de 1,35 litro.

Semana anterior

 

Período final

Distância percorrida 576 km
Distância em cidade 576 km
Distância em rodovia
Consumo médio geral 12,4 km/l
Consumo médio em cidade 12,4 km/l
Consumo médio em rodovia
Melhor média 17,7 km/l
Pior média 7,4 km/l
Dados do computador de bordo com álcool

 

Desde o início

Distância percorrida 2.032 km
Distância em cidade 1.699 km
Distância em rodovia 333 km
Consumo médio geral 17,7 km/l (gas.) / 13,1 km/l (álc.)
Consumo médio em cidade 17,9 km/l (gas.) / 13,1 km/l (álc.)
Consumo médio em rodovia 17,4 km/l (gas.)
Melhor média: 22,8 km/l (gas.) / 18,1 km/l (álc.)
Pior média 12,1 km/l (gas.) / 7,4 km/l (álc.)
Dados do computador de bordo

 

Preços

Sem opcionais R$ 40.990
Como avaliado R$ 40.990
Completo R$ 42.390
Preços sugeridos em 2/5/18

 

Ficha técnica

Motor
Posição transversal
Cilindros 3 em linha
Comando de válvulas duplo no cabeçote
Válvulas por cilindro 4
Diâmetro e curso 71 x 84,1 mm
Cilindrada 999 cm³
Taxa de compressão 11,5:1
Alimentação injeção multiponto sequencial
Potência máxima (gas./álc.) 66/70 cv a 5.500 rpm
Torque máximo (gas./álc.) 9,4/9,8 m.kgf a 4.250 rpm
Transmissão
Tipo de caixa e marchas manual, 5
Tração dianteira
Freios
Dianteiros a disco
Traseiros a tambor
Antitravamento (ABS) sim
Direção
Sistema pinhão e cremalheira
Assistência elétrica
Suspensão
Dianteira independente, McPherson, mola helicoidal
Traseira eixo de torção, mola helicoidal
Rodas
Dimensões 14 pol
Pneus 165/70 R 14
Dimensões
Comprimento 3,68 m
Largura 1,579 m
Altura 1,474 m
Entre-eixos 2,423 m
Capacidades e peso
Tanque de combustível 38 l
Compartimento de bagagem 290 l
Peso em ordem de marcha 798 kg
Desempenho e consumo (gas./álc.)
Velocidade máxima 152/156 km/h
Aceleração de 0 a 100 km/h 15,5/14,7 s
Consumo em cidade 14,9/10,5 km/l
Consumo em rodovia 15,6/10,8 km/l
Dados do fabricante; consumo conforme padrões do Inmetro

 

 

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