Viagem ao litoral revela boa aptidão do motor, mas comportamento indica pontos melhoráveis da suspensão
Texto e fotos: Felipe Hoffmann
Na segunda semana do teste Um Mês ao Volante, o Renault Kwid Intense continuou a rodar com gasolina. Dessa vez ele também encarou rodovia numa viagem ao litoral durante o feriado de primeiro de maio. No total foram 481 km com média geral de 18,4 km/l, sendo 333 km em rodovias (à média de 17,4 km/l) e 148 km em cidade (com 21 km/l).
Interessante notar que o consumo urbano foi melhor que o rodoviário. O motivo é nosso trajeto cotidiano mais comum envolver trechos de longa distância, boa parte por vias rápidas de velocidade mais constante (média final de 45 km/h). Mesmo em um trecho curto, de 5 km, conseguimos 15,7 km/l. Por outro lado, os resultados na rodovia não foram surpreendentes: 140 km com 17,5 km/l na ida ao litoral (descida de serra), 157 km e 16,5 km/l na volta a São Paulo, SP.
Nos trechos urbanos, o baixo peso aliado a um motor pequeno e eficiente resulta em grande economia. Por outro lado, na rodovia — à faixa de 120 km/h onde era permitido — o que pesa no consumo são o arrasto aerodinâmico e o quanto o motor consegue ser eficiente ao produzir potência mais elevada. Se em aerodinâmica o Kwid não parece ser dos melhores para a categoria (pelo grande vão livre do solo), o motor de pequeno torque requer rotações mais elevadas para acompanhar o fluxo. Mesmo onde a quinta marcha é o suficiente, 120 km/h requerem cerca de 4.000 rpm.
Além de combinar com a casa no litoral, o Kwid viajou com desempenho adequado e bom consumo, mas sua estabilidade merece ser aprimorada
Na viagem, não foram poucos os momentos em que se precisamos deixar “bravo” o indicador de condução econômica do painel, que vai de verde (mais econômico) para amarelo e laranja até ficar vermelho escuro com o pé no fundo e rotação alta. Interessante é que o melhor consumo do trajeto não foi no trecho da rodovia dos Imigrantes (incluindo a descida de serra, com períodos em que não se gasta combustível algum), mas sim nos trechos mais travados da rodovia Rio-Santos, com bastante lombadas e velocidade média baixa. Em um trecho de 40 km nessas condições o Kwid fez 20,3 km/l.
Na tela central do sistema de áudio, o computador de bordo informa também quanto se roda sem gastar combustível, ou seja, em momento de desaceleração em que se usa o freio-motor e a central corta a injeção. Na descida de serra tivemos 18 km sem consumo dos 140 km totais. Nos trechos urbanos é usual ter por volta de 10% do trecho total rodado.
Apesar de exigir certo empenho para os 66 cv acompanharem o tráfego em certas condições, para um carro com motor aspirado de 1,0 litro o desempenho agrada. Há bom torque entre 3.000 e 4.000 rpm, não sendo necessário esticar ainda mais, como era comum nos 1,0-litro de 16 válvulas do início dos anos 2000. Seria possível até superar o limite de velocidade na subida da Imigrantes (100 km/h) com o carro carregado… Com todo o ruído e a vibração que o baixo isolamento permitem passar para cabine, a sensação de velocidade aumenta mais ainda.
Espaço interno limitado é um inconveniente do Kwid; versão vem com seções que simulam couro nos bancos; posição do motorista seria melhor com ajuste de altura
Isso não significa que o Kwid seja uma boa escolha para quem viaja com frequência: sua estabilidade deixa a desejar em velocidade, e o culpado não é apenas a proporção de suas dimensões (curto, estreito e alto), mas o projeto dos sistemas de suspensão e direção. Já no uso urbano nota-se a falta de autoalinhamento do volante, o que se torna crítico acima de 100 km/h. Esterça-se o volante e, em vez de um retorno rápido à posição central, ele continua a levar o carro para a pista ao lado. Mencionamos o efeito no Nissan Kicks do mês passado, mas o Kwid é diferente dele por não quase nada de ângulo de cáster — o responsável fundamental pelo autoalinhamento de volante.
O Kwid não é boa escolha para viajar: sua estabilidade deixa a desejar em velocidade, e o culpado é o projeto dos sistemas de suspensão e direção
Para se entender, o cáster é o mesmo que faz as rodas do carrinho de supermercado se autoalinharem quando ele é empurrado. Nelas, o pivotamento fica sempre à frente do contato da roda com o chão. Como o atrito da roda a puxa para trás, os esforços autoalinham a roda, da mesma forma que uma régua fica vertical quando é segurada com dois dedos por uma das pontas. Caso o pivotamento fique na mesma posição do contato com o solo, tem-se o mesmo efeito de segurar a régua pelo meio: se você a rotaciona, ela fica na mesma posição.
No caso de carros, motos e até bicicletas, esse pivotamento é imaginário ao se prolongar os pontos de fixação superior e inferior da suspensão (vide figura). Com maior ângulo de cáster, a torre do amortecedor da suspensão McPherson será mais inclinada, resultando também em ganho de câmber ao se esterçar a roda, bem evidente em alguns carros. Com maior autoalinhamento, sente-se uma direção mais firme e segura em alta velocidade — é por isso que motos estradeiras como as da Harley-Davidson têm o garfo dianteiro tão inclinado. Contudo, isso traz demora na resposta para mudar de direção, razão para que motos esportivas de alta velocidade tenham o garfo quase vertical.
No caso do Kwid, a torre fica quase vertical. Além de não garantir que o volante se autoalinhe, isso faz com que o carro dê uma guinada com leves movimentos de volante. Junte a isso altura de rodagem elevada, molas e amortecedores de baixa carga, bitola estreita e falta de barra estabilizadora e a receita de instabilidade está pronta… A fábrica poderia adotar molas e amortecedores mais firmes na dianteira, tanto na compressão (nota-se sua maciez por dar batente ao passar mais rápido numa lombada) como na distensão, pois permite que a frente retorne rápido após dar batente, fazendo-a “quicar”. Isso contribui para a inclinação da carroceria ao se mudar de direção e, mais uma vez, para menor estabilidade.
Por outro lado, a traseira é firme — até muito para alguns, como achou o editor Fabrício Samahá em sua avaliação. Na verdade as molas não são tão duras, nem a compressão dos amortecedores se mostra muito mais firme que a da frente, mas seu retorno é bem controlado. Assim, ao se dar batente na suspensão dianteira na lombada, fazendo-a quicar, não há aquela rotação de que o carro dará uma cambalhota para frente ou uma pancada nas costas dos ocupantes, como ocorre em muitas picapes. Isso mostra que a traseira comprime rápido e distende devagar.
Para piorar, a redução de custo forçou a marca a abrir mão de barra estabilizadora dianteira, que facilitaria ter uma suspensão macia sem comprometer o comportamento em curva. No mundo das corridas um projeto perfeito de suspensão dispensa tal barra, que tem como ponto negativo diminuir a aderência máxima em curva. Em automóveis de rua, porém, sem ela fica praticamente impossível aliar conforto em vias esburacadas com pouca inclinação de carroceria em mudanças de trajetória. Esse é um assunto extenso, para ser abordado em cursos de dinâmica veicular como oferecidos pela FHB Performance, mas o fato é que a Renault faria bem em aplicar estabilizador ao Kwid.
Quadro de instrumentos inclui computador e monitor para dirigir com economia; na tela central, informação até da distância percorrida sem consumo
Outra limitação conhecida do carro, o espaço interno, não incomodou tanto assim. E o compartimento de bagagem agradou, por ser bem volumoso para o tamanho do carro (290 litros). Não tivemos dificuldade em levar os itens de viagem comuns. Outro ponto interessante é que o velocímetro do Kwid praticamente não tem erro — o usual em veículos de baixa potência é o erro ser maior, para passar a impressão de velocidade acima da real. No Renault, o motorista acostumado com os erros dos outros carros deve tomar especial cuidado para não levar multas.
O navegador integrado em tese ajudaria, por apitar quando se está acima do limite e informar a posição de radares fixos, mas está um tanto desatualizado: mostra limite de 70 km/h nas marginais Tietê e Pinheiros, em São Paulo, que mudaram para 90 km/h faz mais de um ano. Quando os fabricantes oferecerão atualizações de GPS — ou mesmo de calibração de motor e transmissão — via celular do cliente, conectado ao carro e à internet? Pelo jeito, esperarão a Apple ou a Google lançar seus carros e oferecer tal serviço para depois correrem atrás.
Na terceira semana traremos outros aspectos e impressões do Kwid, bem como o resultado da mudança para o álcool. Até lá.
Semana anterior
Segunda semana
Distância percorrida | 481 km |
Distância em cidade | 148 km |
Distância em rodovia | 333 km |
Consumo médio geral | 18,4 km/l |
Consumo médio em cidade | 21,0 km/l |
Consumo médio em rodovia | 17,4 km/l |
Melhor média | 22,7 km/l |
Pior média | 15,7 km/l |
Dados do computador de bordo com gasolina |
Desde o início
Distância percorrida | 942 km |
Distância em cidade | 609 km |
Distância em rodovia | 333 km |
Consumo médio geral | 17,7 km/l |
Consumo médio em cidade | 17,9 km/l |
Consumo médio em rodovia | 17,4 km/l |
Melhor média | 22,8 km/l |
Pior média | 12,1 km/l |
Dados do computador de bordo com gasolina |
Preços
Sem opcionais | R$ 40.990 |
Como avaliado | R$ 40.990 |
Completo | R$ 42.390 |
Preços sugeridos em 2/5/18 |
Ficha técnica
Motor | |
Posição | transversal |
Cilindros | 3 em linha |
Comando de válvulas | duplo no cabeçote |
Válvulas por cilindro | 4 |
Diâmetro e curso | 71 x 84,1 mm |
Cilindrada | 999 cm³ |
Taxa de compressão | 11,5:1 |
Alimentação | injeção multiponto sequencial |
Potência máxima (gas./álc.) | 66/70 cv a 5.500 rpm |
Torque máximo (gas./álc.) | 9,4/9,8 m.kgf a 4.250 rpm |
Transmissão | |
Tipo de caixa e marchas | manual, 5 |
Tração | dianteira |
Freios | |
Dianteiros | a disco |
Traseiros | a tambor |
Antitravamento (ABS) | sim |
Direção | |
Sistema | pinhão e cremalheira |
Assistência | elétrica |
Suspensão | |
Dianteira | independente, McPherson, mola helicoidal |
Traseira | eixo de torção, mola helicoidal |
Rodas | |
Dimensões | 14 pol |
Pneus | 165/70 R 14 |
Dimensões | |
Comprimento | 3,68 m |
Largura | 1,579 m |
Altura | 1,474 m |
Entre-eixos | 2,423 m |
Capacidades e peso | |
Tanque de combustível | 38 l |
Compartimento de bagagem | 290 l |
Peso em ordem de marcha | 798 kg |
Desempenho e consumo (gas./álc.) | |
Velocidade máxima | 152/156 km/h |
Aceleração de 0 a 100 km/h | 15,5/14,7 s |
Consumo em cidade | 14,9/10,5 km/l |
Consumo em rodovia | 15,6/10,8 km/l |
Dados do fabricante; consumo conforme padrões do Inmetro |