Apesar da música, a opção pelo gás natural em automóveis não apresenta argumentos convincentes
Como não dirijo, ando muito de táxi e, como gosto de mecânica, percebo imediatamente quando o veículo usa gás natural veicular (GNV). É a marcha-lenta irregular, é o ar-condicionado que não funciona direito, é o ruído do escapamento mutilado quando se instala o botijão, também conhecido como cilindro, por baixo da carroceria. Em alguns casos, são todas essas coisas juntas.
Conversando com os motoristas, percebo que eles fazem uma conta muito simples que bem pode não corresponder à realidade. Eles dizem: “Antes eu gastava R$ 100 de gasolina por dia e agora gasto R$ 30 com o gás”. Aí eu conto que, quando trabalhava para as fazendas Itamaraty, especialmente na Itanorte, que possuía fabricação de açúcar, notava que o custo das empilhadeiras a gás não era menor que o das a gasolina — às vezes, até maior por conta do desgaste acelerado das velas, cabos de vela, retentores e outros componentes que ficam sujeitos ao grande aumento de temperatura de funcionamento do motor.
Além do acréscimo de peso, da queda de desempenho e do consumo de espaço no porta-malas em alguns casos, soma-se o aumento no risco de ter pistões ou cabeçote furados

No caso dos automóveis, além dos itens acima, ainda há o desgaste da suspensão com que as empilhadeiras não contam. Some-se a isso que elas são pesadas para manter o equilíbrio quando carregadas, ao contrário dos carros, que precisam ser o mais leves possível para minimizar consumo e maximizar rendimento. Para agravar, um cilindro de última geração, que pesa 23 kg brutos para capacidade de 13 m³, é instalado em geral depois do eixo e provoca aumento de carga na suspensão traseira. As melhores instalações consideram isso trocando molas e amortecedores, mas o aumento de desgaste de pneus e buchas não se reduz, sem contar o prejuízo de estabilidade por conta do desequilíbrio de peso e centro de gravidade.
Além desses inconvenientes, da queda de desempenho e do consumo de espaço no porta-malas em alguns casos, soma-se o aumento no risco de ter pistões ou cabeçote furados. Como se trata de um gás, não se pode contar com a endotermia da evaporação que refrigera a câmara de combustão quando se usam combustíveis líquidos. Mas há ainda o imponderável. É que o carro se desvaloriza, seja por ser todo perfurado, seja porque o comprador — no caso de veículo de uso particular — fica desconfiado acerca da origem, imaginando ter sido táxi ou carro de vendedor.
Durante a pesquisa para este artigo, conversei com vistoriadores credenciados pelo Inmetro e com outros que só fazem vistorias cautelares, para garantir o estado de conservação do veículo ao ser vendido já usado. Um deles descreveu-me alguns horrores praticados na reconversão para combustível líquido. Chega-se a fazer um recorte no assoalho do porta-malas para que o cilindro estorve o mínimo possível e, ao retirá-lo, rebita-se outra chapa para tapar o buraco.
Cabe perguntar: com tantos contra, será que vale a pena adaptar o carro para gás?
Para recuperar o investimento, 42 meses
Fiz uma conta simples, considerando o preço de R$ 2,30 para o m³ de gás conforme pesquisa da ANP (Agência Nacional do Petróleo) para o dia 18 de novembro de 2017; R$ 3,80, segundo a mesma fonte, para a gasolina e R$ 4.000 para um kit GNV de quinta geração, além de R$ 350 ao ano para o CSV (Certificado de Segurança Veicular), necessário para o licenciamento. Circunscrevi os valores ao município de São Paulo, SP. Não considerei o custo de registro da conversão porque muitos instaladores incluem no preço.
Imaginei um táxi que roda 150 km/dia por seis dias por semana. Para o consumo, considerei 8 km/m³ de gás e 8 km/l de gasolina. Para o consumo composto, cheguei a 30 km/l pelas informações que tive dos motoristas, que enchem o tanque a cada duas semanas. É que os kits de quinta geração têm bicos injetores reais e, para não perder desempenho, acionam os originais de combustível líquido sempre que o esforço exigir, como em subidas com o ar-condicionado ligado, por exemplo. Além disso o sistema só dá partida pela alimentação original. Não considerei os custos imponderáveis, nem mesmo devidos ao aumento de desgaste das demais peças. Para trazer para valor presente, usei 7,5% referentes à taxa básica de juros. O resultado do cálculo do payback — o tempo necessário para recuperar o investimento na conversão — está na tabela a seguir.
Quarenta e dois meses para recuperar o investimento parece demasiado, sobretudo para táxis, porque eles têm isenção de ICMS e IPI para compra a partir de dois anos de uso. Para outros usos, mesmo sem considerar custos adjacentes, é preciso rodar 126 km/dia para recuperar o investimento em cinco anos. A planilha está disponível aqui para quem quiser adaptá-la a outras condições ou atualizá-la a futuros preços.
Na verdade, a letra de À Luz do Lampião, de Zica Bergami (1913-2011) e sucesso com Inezita Barroso (1925-2015), referia-se ao lampião de gás. A busca por combustíveis mais baratos antecede o nascimento dessas duas senhoras, posto que Rudolf Diesel usou óleo vegetal em sua invenção, na virada para o século XX, e o primeiro Ford Modelo T convertido para álcool começou a rodar em São Paulo em 1925. Depois vieram a guerra e, com a falta de gasolina, o gasogênio.
Mais tarde, a crise do petróleo reacendeu o interesse por combustíveis alternativos e vieram o GLP (Gás Liquefeito de Petróleo), o álcool e, mais recentemente, com a proibição do uso do GLP, o GNV (Gás Natural Veicular). O GLP foi substituído pelo GNV por dois motivos: segurança e necessidade de usar o GLP para cozinhar. A segurança relaciona-se com o fato de o GLP ser basicamente butano e propano, que resultam em uma mistura mais pesada que o ar e, portanto, mais sujeita a explosões.
Com 42 meses para recuperar o investimento, sem contar todas as despesas mencionadas na matéria, talvez mais do que a permanência do veículo na posse do proprietário, duvido que alguém possa ter saudades dos cilindros. Pode ser que ainda haja alguém com saudade dos lampiões, mas não do GNV como combustível.
Coluna anteriorA coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars