Modelo 1952, incendiado e mal reparado, ressurge perfeito da restauração feita pela fábrica
Na gradação da atividade de preservar veículos antigos, árduo trabalho de particulares para resgatar — às vezes exumar — referências para gerações posteriores, há degrau superior: o resgate à originalidade de exemplares a nível de pré-sucateamento. Está ligado ao perverso ciclo capitalista, iniciado com período áureo de Cinderela, quando novo, brilhante, de proprietários abonados, indo ao ocaso plúmbeo, dias de gata borralheira, de carro surrado, não elegível para corridas, de proprietários sem orçamento e/ou glamour.
A valorização mundial dos automóveis antigos, o decolar de valores, o superior marketing da marca, o despertar do mercado com investimentos para salvar unidades antes desprezadas, fez a Ferrari entrar na janela de negócios e criar área específica, o Ferrari Classiche, para restaurar carros da marca. Tem referências, desenhos, artífices, expertise de época, capacidade de recuperar ou fazer peças, encomendar acessórios. Enfim, por soma nunca divulgada, pois quem tem meios para tal não comente montante, revive sucatas, realiza sonhos.
Vizinho
É o caso do Ferrari 225E, unidade 0178, de 1952, então comprado diretamente na fábrica pelo argentino Conde Antonio Sterzi. Sterzi fez o esperado a comprador de Ferrari nesta época. Era carro de corridas, e a aplicação foi esta. Com o italiano Nino Rovelli estreou-o na Mille Miglia. Em seguida, motor amaciando, com Bruno Sterzi ganhou a Coppa Della Toscana, e correu a Subida de Montanha Bolzano-Mendola; a Coppa Intereuropa de Monza.
Sterzi o vendeu e o 225E/0178 passou por incontáveis proprietários, desgastes, perdas e, caminho sem glória, chegou próximo ao vale da morte: ter-se incendiado indo à destruição quase completa.
Fênix
Mitológica ave grega define o processo. Base e motor se salvaram, mas aos critérios das décadas anteriores era apenas um carro velho, diferente, de uso quase impossível em rua — e incendiado. Nos anos 80 alguém cometeu uma reforma. A argentinos, serviço media boca. A italianos mezza bocca… Na prática, inutilizável.
Destino adiado, e o passar do tempo deu-lhe direção ascendente, valorizando, evoluindo de sucata a investimento para resgate. Tais restos automobilísticos foram adquiridos por Daniel Sielecki, abonado colecionador argentino — único sul-americano já premiado no festejado Pebble Beach Concours d’Élegance. Comprou, fechou a gaveta das emoções, abriu a de providências executivas, mandou-o ao Ferrari Classiche.
Disse o Riparto Classiche — como dito com intimidade na empresa mãe —, a maior dificuldade não estava em restaurar a carroceria, pois para isto o triângulo Maranello, Turim, Milão inclui incontáveis artesões capazes de moldar portas, capôs, para-lamas e muitos etc. com tasso e calço em chapas de alumínio. Nem sequer a parte mecânica, com itens residuais concedendo ser copiados. Problema estava no interior, instrumentação, painel, e detalhes do revestimento. A empresa fabricava carros de corrida, e componentes de acabamento e decoração, fornecidos por terceiros, escapavam ao interesse maior, incluindo projetos, desenhos e arquivo.
Sem referência, a Ferrari fez pesquisa mundial em coleções e museus para apurar a maior constância de tais itens entre os carros sobreviventes, e escolher, à base do maior percentual, a ser reproduzido. Teve sorte na messe: há três anos restaurara exemplar de 225S, do mesmo ano, para colecionador brasileiro, sucesso no Encontro de Araxá, pico da elegância antigomobilista tupiniquim. Restante foi fácil, encomendando e fazendo itens de composição, painel, instrumentos, bancos, etc., desviando-se do vermelho, óbvio no imaginário mundial, caindo na realidade do azul escuro na parte inferior e branco sujo no teto, o saia e blusa praticado à época. Daí finalizou com estofamento em couro.
A ser lembrado na história de tal resgate, em 1952 a Ferrari tinha apenas 6 anos de operação, era quase uma garagem velha, dedicada à tosca construção de carros de corrida — monopostos e bipostos conversíveis, as Barchettas, e os de teto rígido, as Berlinettas, como no caso. Eram carros para competição, duros, desconfortáveis, carrocerias moldadas artesanalmente por fornecedores externos, acabamento sem preciosismo, concedendo, às vezes, andar na rua. O 225 foi feito apenas no ano de 1952, e em quantidade reduzida. Seu número indica, era o 178o produto desde o início da empresa.
Não se sabe o custo da operação fênix, entretanto como referência, meses atrás, uma 225S Barchetta atingiu em leilão nunca imaginados 6 milhões de Euros.
De Lorean, a volta
Um automóvel cuja história daria movimentado romance. Bem se adapta ao De Lorean, projeto e entusiasmo do engenheiro John Zachary De Lorean, ex-enfant gatée da GM, criador do Pontiac GTO, festejado “carro musculoso”. Saiu da corporação para ter marca e carro próprios na Irlanda, em incentivado processo.
O automóvel era, por si só, atrativo pela carroceria em aço inox, portas abrindo para cima, como asas de gaivota, e motor V6 de custos divididos entre Peugeot, Renault e Volvo, de desempenho aquém do pretendido. Apesar de conhecido pela posterior e maciça divulgação pelos filmes De Volta Para o Futuro, uma nublada armação para prendê-lo por tráfico de entorpecentes foi mais um componente na história e acelerou o fim da aventura.
Mas há novidades. Rex Parker, californiano de mãe e passaporte brasileiros, residente em Huntington Beach, próxima a Los Angeles, Califórnia, maior concentração de veículos por qualquer medida, surpreendeu-se com chegada da De Lorean à sua vizinhança. E mandou este texto para a Coluna.
Por mais incrivel que seja, tudo aqui para o seu De Lorean!
Difícil imaginar, mas aqui mesmo em Huntington Beach há uma revendedora De Lorean. Isso com o último carro tendo sido produzido em 1982! Disponíveis são carros completos e operações de serviço para quem já é dono de alguma unidade. E, claro, o “Flux Capacitor” para quem não tem carro. Acessório importante, não é?
E para quem quer um 0km, no ano que vem eles vão começar a produzir carros novos. Não com o velho motor V6 PRV, mas com novo, atualizado. Ainda em plástico (fibra de vidro e carbono) e chapas de aço inox. Do estoque remanescente quando a fábrica fechou na Irlanda, sobraram peças para fazer mais uns 3.000 carros (a produção entre 1981-1982 foi de uns 9.000).
Quantos dos originais sobrevivem? Uns 6.500-7.000 no mundo inteiro. Depois do passar do tempo e ganhar ares de celebridade, há dezenas de recentes barn-finds [carros encontrados abandonados, como em celeiros] todo ano. — Rex Parker
- Nota do colunista: no Brasil há três unidades. Flux Capacitor era engenhoca mostrada nos filmes, capaz de fazer o automóvel mover-se no tempo.
Roda a Roda
Xing ling – Próximos carros pequenos GM em países emergentes terão base chinesa, produto da aliança com a SAIC, marca de lá. É Projeto GEM — Global Emerging Markets —, plataforma de baixo custo, substituindo Sonic, Aveo, Classic/Sail, Onix/Prisma, única para América Latina, África, Ásia e Oriente Médio. Foca economia de escala. Para 2018, projeta, apenas no Brasil, fazer 510 mil unidades.
Questão – Processo não está claro e liso. Precisa de resposta do governo federal. Presidente da GM pediu à presidente Dilma estabilidade política e econômica para manter investimentos e a produção no Brasil. Pelo momento atual talvez tenha que mudar para a Argentina ou aguardar cenário clarear.
Global – Subaru exibiu primeiros dados de sua nova plataforma global. Manterá motor de cilindros horizontais contrapostos, tração integral e tecnologia Eye Sight identificadora da proximidade de obstáculos e pedestres. Quer dobrar a rigidez torcional, conseguir melhor dirigibilidade, segurança, baixar o centro de gravidade e aumentar a estabilidade. Servirá a todos os produtos.
Mobi – Mais novidades sobre o Mobi, menor e mais barato dos Fiats, com apresentação em abril: tampa traseira em vidro; intocado motor Fire, quatro-cilindros. Sonhado motor de três cilindros e 12 válvulas não ficou pronto. Mobi pesa entre 80 e 100 kg menos relativamente ao Uno, e por isto tem resultado dinâmico, emissões e consumo bem ajustados, dispensando intervenções. Três-cilindros no Salão do Automóvel, outubro.
Aliás – Fabricantes e importadores preocupados com o Salão do Automóvel. Promete-se mudar de lugar na edição deste ano, deixando o mal instalado Anhembi, indo à São Paulo Trade, área do antigo Espaço Imigrantes. Problema é não tê-lo pronto, com reforma dos 40.000 m² de área expositiva; construção de 50.000; ar-condicionado geral; centro de convenções com 1 ha e estacionamento cobrindo 4,5 mil vagas. Falta muito.
Elétrico – Correios testarão, por três meses, furgão elétrico chinês BYD. Capacidade para 800 kg, tocado por baterias de lítio-fosfato de ferro, autonomia de 200 km, superior à média das entregas postais. Aferirá resultados de custos no transporte de cartas e encomendas, e na difícil meta de reduzir, até 2020, de 20% nas emissões poluentes.
Cliente – Maior comprador de veículos à indústria automobilística, 15% do volume, setor de locação de veículos crê para ele que números serão menos ruins ante os da economia e do setor. Compras caíram 18,4% e o mercado 24,2%.
Quem – Fiat mantém liderança vendendo 16,5%. Renault, antes terceira, cresceu de 7,9 para 12%; VW caiu a terceira, de 16% a 10,5%. Ford saltou, de merréticos 3,2% a 7,9%, e GM desceu à 5ª. posição, de 8,3% a 7%.
Qualidade – FPT Industrial, fabricante dos motores Diesel utilizados por Fiat e Iveco, padronizou em sua área técnica, em Sete Lagoas, 70 km ao norte de Belo Horizonte, MG, todas as metodologias de análise e sinergia com o mercado. Diz, reduziu o índice de falhas e, no campo pesquisa entre clientes demonstrou os motores F1C Dual Stage de 170 cv, NEF 6 de 280 cv e Cursor 10 com 420 cv, como os melhores do mercado em suas categorias.
Jogo duro – Shell aumentou a família Rimula, de óleos lubrificantes para motores Diesel para serviços pesados. É o R3 Multi SAE 15W40. Pela multiviscosidade promete reduzir consumo de lubrificante em até 30%. Será?
Ação – Proteste, Associação de Consumidores, e Consumers International, reunindo consumidores de 140 países, levaram jornalistas ao Autódromo de Interlagos para demonstrar eficiência do controle eletrônico de estabilidade. Querem apoio institucional para pressionar o Conselho Nacional de Trânsito e antecipar ao segundo semestre de 2017 a obrigatoriedade de os veículos nacionais portarem tal equipamento. Pelo Contran obrigação é 2022.
Hermanos – 10 de abril, nova edição da Expo Auto Argentino, a veículos argentinos, no Clube de Campo La Tradición, em Moreno, beiradas de Buenos Aires. Esperados mais de 200 veículos, clubes, associações. Festeja 50º. aniversário do ícone argentino, o IKA Torino. Ocasião para compra de peças e automobilia. Organização pelos editores dos sítios Autohistoria e Coche Argentino, com apoio do Rotary Club de Francisco Alvarez.
Gente – Laurent Barria, francês, diretor de marketing da Citroën e DS no Brasil, promoção. Diretor de marketing na matriz francesa. Em seu lugar, Nuno Coutinho, 40, administrador, português. Planejava produtos e preços para a América Latina. De uns anos para cá descobriram talentos lusos. O líder da PSA, holding de PSA para o Mercosul, Carlos Gomes, é de lá. Em âmbito maior, Carlos Tavares, presidente da PSA mundial, patrão geral, também. Mário Guerreiro, Vice-Presidente de comunicações da VW na America, no centro do furacão da crise com motores diesel, idem. Outro Mário, Rodrigues, engenheiro, 51, também português, chefe de produção na fábrica VW de São Bernardo do Campo, SP. / Rogério Leite e Marcelo Ghigonetto, jornalistas especializados, mudança. Foram para o time Honda de relacionamento com a imprensa. Honda dispensou agencia SP2Publicom para concentrar esforços sob o mesmo teto.
60 anos entre o sonho e a realidade
Mercedes-Benz inaugurou fábrica moderna em Iracemápolis, SP, Capacidade de 20 mil unidades/turno/ano, produção inicial dos sedãs Classe C, motor 1,6, turbo. É uma espécie de cumprimento de desejo após seis décadas. Em novembro de 1956, pela Resolução 9, o GEIA, grupo encarregado de implantar a indústria automobilística no Brasil, aprovou o projeto da alemã Mercedes-Benz de produção de caminhões e automóveis, o 190 sedã. Motor 1,9, cerca de 85 cv, modelo W121.
Nunca o fez. À época era mais importante revolucionar o mercado de ônibus, inovando com o monobloco, com suspensão dianteira por molas helicoidais, alterando o projeto constando da Resolução 9, de novembro de 1956.
Posteriormente a Mercedes criou fábrica em Juiz de Fora, MG, para fazer o Classe A. Automóvel futurista, o melhor tecnologicamente dotado no Brasil do fim do século passado, não se viabilizou por questões de nacionalização de componentes. Após encerrar-se, a Mercedes, para adequar-se aos incentivos da operação, montou unidades Classe C e CLC, mas durou apenas o período incentivado, transformando a fábrica para produzir partes de caminhões. Voltou agora, fábrica específica e, como produto, o mais vendido da marca.
A coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars