A estreia como comerciante veio de forma inesperada, mas o convívio com os clientes tem sido gratificante
Existem situações em nossas vidas que vêm por meios inesperados e nos trazem boas experiências. Para mim, uma delas tem sido a Auto Livraria, a loja de livros, revistas, catálogos e outros itens do acervo do Best Cars, que entrou em atividade em janeiro.
Apesar de nascido em uma família de comerciantes — como meu sobrenome libanês não deixaria ocultar —, nunca pratiquei o comércio como profissão: comecei no jornalismo especializado em automóveis em 1996, antes mesmo de me graduar em Direito, e dele não saí mais. Àquela época já acumulava um bom volume de revistas do setor, iniciado aos sete anos em 1983 com a Quatro Rodas.
A cada oportunidade de estar em grande livraria, lá ia a mesada e vinham revistas importadas — e parentes já sabiam que presente trazer do exterior

Enquanto os colegas da escola falavam de futebol e colecionavam figurinhas de times, o menino Fabrício conversava sobre carros (sempre havia quem gostasse… naquele tempo) e aumentava sua coleção de revistas. Auto Esporte, Motor 3, Oficina Mecânica. Depois Duas Rodas, Moto Show — que voltariam com força anos depois, quando tivesse a primeira e única moto. Até revistas de caminhão comprei, mas não adquiri o gosto.
Quando adolescente, a cada oportunidade de estar em grande livraria, lá ia a mesada e vinham algumas revistas importadas — a italiana Quattroruote, a francesa L’Automobile, as portuguesas Auto Magazine e Auto Motor. Parentes que viajavam ao exterior já sabiam que presente trazer ao garoto. Se na época o inglês parecia mais difícil de entender (é verdade que tia Miriam muito ajudou na leitura das francesas), isso mudou após três anos de curso. Então vieram as norte-americanas Car and Driver e Road & Track. E havia os catálogos, coletados desde criança em visitas a concessionárias.
Quando conhecer as novidades do mercado de automóveis se tornou profissão, a coleção aumentou com materiais de imprensa e livros de história dos fabricantes. Surgiram as viagens para lançamentos e salões, em países vizinhos ou distantes, sempre aproveitadas para comprar revistas. Com a internet ainda limitada em informações, era a oportunidade de conhecer mais a fundo os carros de outros mercados. As que continham guias de compra detalhados eram minhas prediletas.
Então descobri a Amazon, com seu mercado de livreiros nos Estados Unidos e sua infinidade de opções. Com o real ainda valorizado, dava para comprar a história da Ferrari ou uma galeria completa de carros esportivos depois de uma boa pesquisa. Um belo dia, os Correios trouxeram uma pesada caixa com 22 volumes e 2.600 páginas da enciclopédia inglesa The World of Automobiles. Com cada publicação, além de conhecimento e entretenimento, vinha mais uma fonte confiável para os artigos de Carros do Passado do Best Cars.
Outros Fabrícios
Mas tudo na vida tem um começo, um meio e um fim. Nos últimos tempos, com a vida bem diferente — esposa, filhos, outras prioridades —, eu olhava para a volumosa estante pensando se tudo aquilo poderia ter melhor uso. Talvez houvesse muitos Fabrícios, jovens ou nem tanto, desejosos de ler aqueles livros, colecionar aquelas revistas, colocar aqueles catálogos em uma moldura. Talvez eles não tivessem as mesmas oportunidades de comprar no exterior, não mais encontrassem em um sebo aquelas bem-cuidadas Quatro Rodas da década de 1970, não pudessem mais pedir folhetos de carros dos anos 80 e 90 em uma concessionária.
E então a ideia da Auto Livraria foi adiante — e prosperou. Desde janeiro, dezenas de livros e catálogos e centenas de revistas ganharam novos donos e lares em todas as regiões (embora chame atenção a frequência com que vão para o Sul do País, para Brasília e para o Ceará). Às vezes saem finos pacotes com preciosos catálogos de menos de 100 gramas; outras vezes, caixas de 10 ou 12 kg que devem dar trabalho aos amigos carteiros.
Clientes que podem ser de todas as idades e classes sociais, do rapaz que curte seu Gol, Palio ou Corsa dos anos 90 ao aficionado que coleciona carros raros e valiosos

Nesse processo, agradáveis surpresas. Como conhecer e ter como amigos vários leitores que acompanham o Best Cars há mais de 20 anos, mas não costumavam enviar mensagens. Ou receber o pedido de uma só revista pelo Mercado Livre e, dias depois, uma grande compra pelo mesmo cliente que gostou da conservação do primeiro produto. Ou, ainda, ser contatado por leitores que enfim encontraram um destino para sua coleção tão bem guardada: entregar à Auto Livraria para que encontre novos e zelosos donos (obrigado, Flávio!).
Donos que podem ser de todas as idades e classes sociais. Do rapaz que curte seu Gol, Palio ou Corsa dos anos 90 e quer saber tudo sobre ele, fabricado em um tempo quase sem internet, ao aficionado que está no segundo BMW M3 E36, que coleciona esportivos fora de série nacionais ou que mantém uma Yamaha RD 350 de 30 anos atrás em estado de nova (casos reais).
Tem sido gratificante — e ajudado a pagar as contas nesses tempos de escassa publicidade. Se antes o dilema era o que fazer com tantos itens, agora me pergunto como será chato quando o último deles se for e não houver mais esse agradável convívio entre os dois lados do balcão.
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