BMW Série 1 com tração dianteira é exemplo de como a Engenharia precisa tomar decisões ao projetar um automóvel
Causou polêmica entre os fãs da BMW o lançamento do novo Série 1, que pela primeira vez adota a tração dianteira como padrão, com a integral disponível nas versões mais potentes. Afinal, ele era o único hatch de sua categoria com tração apenas traseira, solução tradicional na marca e apreciada por muitos.
O que a BMW fez com seu modelo de entrada é algo com que todo fabricante se depara, várias vezes, em cada projeto: escolher entre duas ou mais opções, cada qual com seus benefícios e desvantagens. Seria ótimo se uma mesma solução reunisse o melhor de vários mundos, mas isso raramente acontece. Na maioria dos casos há um ganha-perde a cabe à Engenharia, ajudada pelo Marketing — ou atrapalhada por ele… —, tomar um dos caminhos.
De modo geral, o motor aspirado fornece potência mais linear e tem manutenção mais simples; já o turbo obtém mais torque e preserva a potência com qualquer altitude
A questão da tração foi abordada em detalhes em um Editorial de 2013, mas pode ser resumida em um parágrafo. Motor e tração dianteiros tornam o conjunto motor-transmissão mais compacto e leve, evitam o cardã para levar energia ao eixo traseiro (o qual representa peso e perdas, além de impor um túnel central volumoso) e propiciam a posição transversal do motor, que poupa espaço e aumenta a eficiência energética. Já a tração traseira com motor dianteiro melhora a distribuição de massas entre os eixos, suporta a aplicação de mais potência sem patinação (nas retas e nas curvas), favorece menor diâmetro de giro e, com um acerto primoroso como o que caracteriza a BMW, resulta em prazeroso comportamento dinâmico.
As escolhas, na verdade, estão por toda parte de um projeto. Para um motor de mesma potência, pode-se decidir entre aspiração natural com maior cilindrada ou superalimentação (compressor, turbo ou ambos) com menor cilindrada. De modo geral, o motor aspirado consegue um fornecimento de potência mais linear e tem manutenção mais simples. Por sua vez, o motor turboalimentado costuma obter mais torque em menor rotação, mas só o faz com a turbina “cheia”, podendo haver um retardo até essa condição; outra vantagem é preservar a potência com qualquer altitude — o aspirado perde à medida que o ar se torna mais rarefeito.
E quanto ao compressor? Como alternativa ao turbo, tem a vantagem de não precisar da pressão dos gases de escapamento para pressurizar os cilindros, o que evita o citado retardo, só que consome energia pela ligação mecânica ao motor. Alguns modelos, como Audis recentes a diesel, adotaram acionamento elétrico do compressor para contornar essa desvantagem. O sistema também pode ser combinado ao turbo, uma solução complexa e rara na história do automóvel.
Da transmissão ao desenho
Há outras escolhas que a Engenharia deve fazer, como a de uma transmissão com mudanças automáticas. A caixa tradicional com conversor de torque ainda é a mais comum, por fatores como robustez e o “pulo” nas saídas promovido pelo conversor. O último aspecto a favorece sobre a transmissão automatizada de dupla embreagem, que por sua vez é mais eficiente em consumo. Um tipo que vem ganhando espaço em muitas marcas é a caixa de variação contínua (CVT), de grande eficiência em desempenho e consumo, mas em geral limitada a motores de torque não muito alto.
Além disso, a rotação constante que a CVT promove ao acelerar — um de seus segredos para economia de combustível — não agrada a alguns motoristas, o que tem levado vários fabricantes a simular marchas virtuais, com variação de rotação, ao menos quando se usa o acelerador mais a fundo. Usar ou não esse recurso é mais uma escolha dos engenheiros.
O fabricante ainda faz escolhas no estilo: frente mais baixa pode ser esportiva, mas pelas normas de proteção em atropelamentos o capô talvez precise ser elevado
Decisões são tomadas também quanto às dimensões. Para o mesmo comprimento, aumentar a distância entre eixos favorece o espaço interno (por deixar as caixas de rodas mais distantes da cabine) e tende a reduzir o “arremesso” (pitch em inglês), movimento rotacional da carroceria no sentido longitudinal ao passar por ondulações e lombadas. Já um entre-eixos menor beneficia o comportamento em curvas de menor raio. O tamanho dos pneus é outra escolha: quanto maiores, melhor a absorção de irregularidades (com mesma altura de flancos), e rodas maiores favorecem a aparência e abrem espaço para freios maiores. Por outro lado, um conjunto roda-pneu maior pesa mais e prejudica o consumo pela inércia a ser vencida a cada aceleração ou frenagem.
Supondo que todas essas decisões de ordem técnica estejam tomadas, o fabricante ainda precisa fazer escolhas no desenho. Uma frente mais baixa pode conferir ar esportivo, mas mercados como o europeu têm normas de proteção em atropelamentos, de modo que o capô talvez precise ser elevado para manter espaço entre a peça e os componentes rígidos do motor. Se o capô sobe, a linha que forma a base das janelas também deve subir para o equilíbrio visual — o que, se ajuda na resistência em impactos laterais, pode prejudicar a visibilidade.
Para-brisa mais inclinado é outra solução de aspecto arrojado, só que leva a um vidro maior e mais pesado, aumenta a incidência de raios solares sobre o painel e pode comprometer o campo visual pela posição das colunas. No caso de sedãs, hatches e picapes, quanto mais alta a traseira, maior tende a ser a capacidade do porta-malas ou caçamba em detrimento da visibilidade. O campo visual para trás também diminui com colunas largas, muitas vezes preferidas pela aparência robusta. Uma linha de teto em declínio deixa o estilo mais esportivo; contudo, os passageiros de trás perdem em espaço para cabeça e conforto no acesso. Se for um sedã, pior: ao estender a base do vidro traseiro, diminui-se o vão para colocar e retirar a bagagem.
Nos projetos, como em nossa vida, as escolham estão à frente. Resta fazer as melhores.
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