O câmbio de dupla embreagem era tido como mais rápido e eficiente, entre outras qualidades, mas agora os fabricantes estão voltando ao automático tradicional com conversor de torque. Já aconteceu em modelos da Audi, da Volkswagen, da Ford e a BMW anunciou o mesmo destino para sua linha M. Qual a explicação?
Murilo Santos – São Paulo, SP
Antes de mais nada, vale esclarecer um fato primordial. A transmissão mais eficiente em termos de rendimento e perdas é a manual, enquanto a automática tradicional com conversor de torque (que chamaremos aqui, para simplificar, apenas de automática) é a menos eficiente. Esses paradigmas, porém, foram se transformando com o passar do tempo e hoje vemos ótimos resultados nos testes-padrão de consumo com transmissões automáticas com grande número de marchas.
Isso não significa que se tenha obtido melhor eficiência que a manual, mas que se consegue trabalhar com o motor em rotações mais adequadas para cada situação que na manual. Afinal, esta tem uma limitação prática de número de marchas (o máximo usado em automóveis até o momento é sete) por uma questão de conveniência.
A transmissão automatizada de dupla embreagem (que chamaremos aqui de DCT, sigla em inglês para double-clutch transmission) nasceu com a proposta de obter o melhor dos dois mundos: o conforto da automática e a eficiência da manual. Isso em termos: a DCT nunca terá a eficiência da manual por necessitar de uma bomba hidráulica, que consome energia, para atuação da embreagem e troca de marchas. Contudo, sua eficiência tende a ser maior que a da automática.
A menor eficiência da transmissão automática manifesta-se, sobretudo, enquanto o conversor de torque está atuando. Seu acoplamento não é direto e sim por um meio viscoso — fluido — através de três principais partes: bomba, turbina e estator.
Para fins didáticos, seria como colocar um ventilador à frente de outro e ligar o ventilador que está atrás. O da frente giraria impulsionado pelo movimento do ar criado pelo ventilador de trás, o qual faz o papel da bomba. Já o estator atua para produzir um papel fundamental do conversor de torque: redirecionar o óleo que foi usado para movimentar a turbina, mas que ainda possui energia cinética, de volta à turbina.
Com esse princípio se consegue multiplicar o torque fornecido pelo motor, em função da relação da rotação da bomba (entrada do conversor de torque) e da turbina (saída do conversor). Como exemplo, se as rodas estão paradas e o motor funcionado, tem-se uma multiplicação do torque entre 1,7 e 2,1, conforme o projeto do conversor. Ou seja, o torque transferido para a transmissão chega a superar o dobro do fornecido pelo motor.
Isso produz uma importante característica dessa transmissão: a alta força de saída, responsável por um pico de aceleração no começo do movimento do veículo, que produz boa sensação de desempenho. Claro que tudo tem um preço: seu rendimento dificilmente passa de 85%. Em outras palavras, perdem-se 15% de potência — e combustível — para esse efeito.
Durante muito tempo as transmissões automáticas tiveram poucas marchas (no início eram só duas, depois três e quatro, como algumas ainda hoje), pois o conversor compensava os “buracos” entre elas. Como exemplo, a relação de primeira marcha podia ser igual à da segunda da caixa manual, sem prejudicar a capacidade de rampa ou a aceleração inicial. O menor número de marchas também beneficiava o conforto por não haver tantas trocas.
O preço a pagar, como vimos, era a menor eficiência toda vez que o conversor estava trabalhando. Por isso se criou o bloqueio do conversor (lock-up), de início aplicado apenas à última marcha e hoje disponível na maior parte delas, se não em todas. É como uma embreagem que elimina o conversor quando não necessário, como em velocidade constante em rodovia, o que melhora drasticamente a eficiência da transmissão.
Mesmo com o bloqueio, porém, a automática com conversor e engrenagens do tipo epicicloidal apresenta maiores perdas. Afinal, existe todo um sistema banhado em óleo com diversos atuadores hidráulicos para frear cada engrenagem, por meio de embreagens multidisco, para criar as marchas conforme a atuação e a liberação combinadas das embreagens. Grosso modo, é como se houvesse uma embreagem para cada marcha.
Quando se constatou que a automática não obtinha a eficiência necessária para atender a limites mais severos de emissões poluentes e de gás carbônico (CO2), migrou-se para a DCT, oferecida pela primeira vez em 2003 pelo grupo Volkswagen no Audi TT e no Golf R. Ao usar uma embreagem para marchas pares e outra para impares, ela faz com que o veículo em aceleração tenha trocas de marchas muito rápidas e confortáveis, quase sem interrupção de torque.
Contudo, há certos problemas de comportamento nessa transmissão:
1) Aceleração lenta no início do movimento do veículo, com baixo pico de aceleração. O fabricante pode atenuar esse problema com primeira marcha bem curta e motor com fornecimento de torque alto e rápido. Contudo, mesmo que atinja acelerações iguais às da automática, precisa-se de tempo maior até chegar ao valor máximo — e, claro, de um motor com maior torque.
Com transmissão automática com conversor de torque, o mesmo veículo consegue maior aceleração de saída (região amarelada) e atinge seu máximo em tempo muito menor que o veículo com caixa de dupla embreagem ou DCT (0,6 segundo versus 1,3 s). Isso garante uma saída mais forte e maior sensação de desempenho com a automática.
Como resultado da maior aceleração inicial, o veículo com transmissão automática consegue melhor tempo de 0 a 100 km/h que o dotado de DCT: 12,4 s contra 13,5 s (região amarelada).
No veículo com DCT, o uso de primeira marcha curta e motor com alto torque (24,1 m.kgf) traz boa aceleração na saída, a ponto de patinar os pneus. Mesmo assim, perde em tempo de resposta (região amarelada) para o veículo com o motor de torque menor (15,3 m.kgf) e transmissão automática.
2) As trocas são rápidas ao alternar entre uma marcha par e uma ímpar, ou seja, marchas que não usem a mesma embreagem (como de terceira para quarta ou para segunda), sobretudo se a próxima marcha já estiver pré-selecionada (como de terceira para quarta). Contudo, as mudanças se tornam lentas entre duas marchas que usem a mesma embreagem, como de quinta para terceira. Nessas situações, comuns em retomadas e ultrapassagens, a automática consegue trocas muito rápidas e sem interrupção de torque, pois se comporta (didaticamente) como se houvesse uma embreagem por marcha.
Veículos com DCT saem-se bem em reduções entre marchas que usam embreagens diferentes. No caso acima, o acelerador foi pressionado aos 37,7 s à velocidade constante de 60 km/h. O término da troca ocorreu a 38,3 s, ou seja, em apenas 0,6 s a caixa reduziu de sexta para terceira marcha. O pico de aceleração foi ocorrer a 38,9 s quando o turbo ganhou pressão, ou seja, 0,6 s de retardo (turbo lag).
Por outro lado, a DCT tem um tempo longo de troca em redução entre marchas que usam a mesma embreagem. No caso acima, o acelerador foi pressionado a 23,1 s a 80 km/h constantes e o término da troca ocorreu apenas a 24,4 s, ou seja, 1,3 s para vir de sétima para terceira marcha. O pico de aceleração foi ocorrer somente a 25,1 s quando o turbo ganhou pressão (0,7 s de retardo). No total, exatos 2 s para ter a aceleração requerida pelo motorista.
Com a tecnologia atual em sistemas de controles eletrônicos, capazes de trabalhar com muitas informações e alta velocidade de processamento, podem-se criar transmissões automáticas com grande número de marchas — temos visto até 10 — sem prejuízo à agilidade nas trocas. Com tantas marchas, consegue-se usar o conversor de torque apenas nas saídas e, ao mesmo tempo, manter o motor em sua melhor condição (rotação) com diferentes velocidades e cargas (aberturas de acelerador).
Em uma situação de ultrapassagem, uma automática de 10 marchas pode sem problemas pular da décima para a quarta marcha em um intervalo muito pequeno. Aliás, hoje as caixas automáticas são tão rápidas que é comum a transmissão ter de “esperar” o motor chegar à rotação ideal para que não haja solavancos durante a troca de marcha.
Texto: Felipe Hoffmann – Ilustrações: FHB Performance e divulgação