O acessório mais desejado do verão, ironicamente, é insuportável de ser usado bem nessa estação
Dirigir com a cabeça a céu aberto em dias ensolarados é uma atitude mítica, de liberdade e rebeldia, como nos filmes e seriados de veraneio, onde os camaradas que se dão bem com as meninas aparecem com seus carrões sem capota. Daí os amigos de sunga e as menininhas de biquíni sobem e vão todos pela estrada até a praia. Sonho… Agora, quer saber da realidade?
Já confidenciei outrora ao leitor que fui “casado” com um Peugeot 208, lindo, vermelho. E que me divorciei dele com apenas um ano de casamento, decepcionado com tamanha quantidade de defeitos insignificantes que, no fim das contas, significavam uma morte por pequenos cortes. Um desses “defeitos”, acredite, era o tal teto panorâmico. Quem de nós nunca sonhou em ter um carro com aquele teto envidraçado chamativo, esportivo, sedutor?
O charmoso teto de vidro fixo parece vantajoso, pois livra da inconveniente ventania, mas o carro se transforma em uma estufa nos dias de sol
Esse tipo de acessório — seja o tradicional teto solar, que pode ser aberto ou basculado, seja na versão fixa usada pelo 208 — é apreciado por muitos, justamente, por permitir o acesso à cabine dos raios solares pela parte de cima. O percalço é que escamotear esse telhado de vidro no sol dos trópicos é uma roubada daquelas — não é algo saudável nem prático. No 208, o charmoso teto de vidro fixo parece vantajoso porque o proprietário fica livre da inconveniente ventania e ganha-se em termos aerodinâmicos nas conduções em velocidades mais altas.
No entanto, o carro se transforma em uma estufa nos dias de sol, devido à peculiar característica do vidro de transmitir o calor impiedosamente para o lado de dentro, mesmo que se mantenha a persiana interior fechada. O resultado prático disso é que nos dias ensolarados intensos, como os que temos vivido nesse verão, o desejado acessório é miseravelmente paradoxal, prejudicando a temperatura do habitáculo ou tostando sua cabeça caso você decida abrir a persiana.
Outro inconveniente com a persiana aberta era o excesso de luminosidade no interior. Não sei o leitor, mas eu sou um pouco fotossensível e senti um risco à segurança na condução. No meu caso, um interior mais escuro facilita. É como aquela situação de dirigir à noite enquanto o acompanhante acende a luz do interior para procurar um objeto. Consegue imaginar? O fim levado é que o teto passava a maior parte do tempo coberto, usado num ou outro fim de semana, numa viagem curta e, de preferência, num dia frio.
Invasão de calor
Tive a experiência de passar poucos dias com outro veículo, este com teto solar tradicional, que abre passagem para o ar. Pareceu-me um pouco menos irracional, mas não me senti muito confortável. O carro em questão, um Volkswagen Fox, pareceu dar-se melhor com a invasão do calor (afinal, a área útil do vidro é bem menor que no Peugeot), mas o ruído aerodinâmico da escotilha aberta incomoda acima de 50 km/h. Ao menos, acho que o carro fica bem charmoso com o tal teto aberto, formando aquele leve aerofólio acima das cabeças.
Uma variação do teto solar, comum em modelos de luxo mais recentes, é aquele envidraçado no qual ao menos uma parte pode ser erguida ou aberta. O problema desse tipo é que, pelas grandes dimensões, a persiana precisa ser flexível (fica enrolada lá atrás quando aberta) e não um painel rígido. Como resultado, o isolamento da luz e do calor quando ela está fechada é bastante prejudicado e, em muitos casos, o efeito-estufa é garantido.
Creio que o conversível deva ser usado aberto em curtos trajetos, por pouco tempo a baixa velocidade, mas quem consegue viver dirigindo assim?
Há o derradeiro conversível, onde toda a capota dá lugar ao céu. Por essas bandas não há mais esse tipo de veículo sendo produzido, como foram os memoráveis Ford Escort e Chevrolet Kadett, sem contar os diversos modelos fora de série. Tive a oportunidade de conviver algum tempo com esse tipo de modelo quando estive na Califórnia, em 2015. Bem emblemático, por sinal: um Ford Mustang. Baixar a capota pelo comando elétrico era rápido, coisa de 20 segundos. O problema era andar de capota baixada.
O sol e o vento tornam a trajetória dura, ao ponto que meia hora de jornada depois decidimos retornar para debaixo do teto. Creio que esse tipo de veículo recreacional deve mesmo ser usado em curtos trajetos, por pouco tempo a baixa velocidade. Mas, fica a pergunta: quem consegue viver dirigindo assim? A dureza é que o maior diferencial do carro, aquilo que o torna mais autêntico, mais belo e charmoso, não pode ser usado do jeito que gostaríamos — a 120 km/h numa bela autoestrada, usando óculos escuros e buzinando enlouquecidamente.
Lembrei que era mesmo legal aquele pequeno Gurgel chamado Motomachine, que tinha portas transparentes. Essas “portas solares” permitiam ver a estrada e provavelmente não esquentavam as moleiras dos motoristas. Pena ter saído de linha tão cedo. Era um modelo exótico, que devia permitir um contato mais visceral com a estrada, coisa que os tais tetos não permitem — não ao menos sem esvoaçar as cabeleiras das meninas.
Coluna anteriorA coluna expressa as opiniões do colunista e não as do Best Cars