Em meio ao grave cenário, mesmo os segmentos até então pouco afetados já mostram sinais de queda significativos
Na última reunião mensal da Abraciclo — Associação Brasileira dos Fabricantes de Motos e Bicicletas — foi apresentado o resultado de produção, vendas e exportação da indústria brasileira de veículos de duas rodas. Não houve grandes surpresas: já se sabia dessa tendência desde o começo de 2015. Também não foi novidade atribuir o desempenho à conjuntura atual de freio na economia, ao aumento de inflação e à falta de dinheiro e de crédito na praça.
Do ponto de vista macroeconômico, o Brasil está oficialmente vivendo uma crise econômica (e política) que afasta investimentos, desvaloriza a moeda e derruba as bolsas de valores. Nenhuma novidade. Só colocando uma enorme lente de aumento sobre os números é que podemos perceber algumas surpresas. A primeira delas foi ver que alguns segmentos, até então pouco ou nada afetados, agora já mostraram sinais de queda bem significativos. Os scooters apresentaram uma queda de 14% nos primeiros 11 meses de 2015, comparados com os mesmos de 2014. Em regra esse segmento apresentava crescimentos de até 35%.
Susto maior foi a categoria superior, de motos acima de 450 cm³ de cilindrada, que deu um escorregão pela primeira vez
Outro que desandou — e aí o susto é maior — foi a categoria superior, chamada de premium, de motos acima de 450 cm³ de cilindrada. Foi só um escorregão, mas foi a primeira vez que vimos isso. Nos 11 meses essa categoria teve uma queda de 1,4% em relação ao mesmo período de 2014. Quem ajudou a manter um bom resultado foi a BMW, uma das poucas marcas a apresentar crescimento nesse período nebuloso: ela conseguiu aumentar 43,6% em relação a 2014, enquanto a maioria das fábricas apresentou quedas. Esse sucesso deveu-se à entrada da nova linha 1.000 de quatro cilindros e ao bom desempenho dos modelos 1.200 com motor boxer.
Outra enorme surpresa veio da Suzuki, que depois de sucessivas quedas teve um crescimento de 46,6%, empurrado pela chegada do modelo popular de 120 cm³ e da GSR 150i, que teve um ótimo desempenho em 2015. A participação da marca no mercado saltou de 0,9% para 1,6%. Já a Yamaha viveu um ano difícil com queda de 22,8% em relação a 2014. A marca que viu o maior retrocesso foi a Dafra, fortemente afetada pela alta do dólar. A empresa, que reúne os números da Ducati e MV Agusta, teve uma queda de 43,5%.
A Suzuki GSR 150i, que contribuiu para a marca crescer, e a bem-sucedida BMW R 1200 GS
Ela continua tendo um modelo de 50 cm³ como o mais vendido e isso pode explicar parte dessa queda: pela primeira vez em muitos anos, a região Nordeste do Brasil apresentou uma queda nas vendas de motos. E isso é um mau sinal. As marcas que dependem basicamente de modelos populares foram as mais afetadas. Mesmo a gigante Honda, que continua impondo o massacre de 83,3% do mercado, viu seus números caírem 12,9% em relação a 2014.
Por região, o mercado presenciou uma queda geral, mas o Sul e o Sudeste puxaram esses números para baixo. Geograficamente o buraco do setor ficou assim: Norte, 12%; Nordeste, 9,8%; Centro-Oeste, 14,8%; Sul, 18,6%; e Sudeste, 12,6%. Não tem nenhum sinal de “mais” no mapa do Brasil sobre motos.
O que esperar de 2016
A Abraciclo aposta na manutenção dos atuais números de vendas, ou seja, 1,2 milhão de motos/ano, o mesmo patamar do ano 2000. Parte da perda no mercado interno pode ser compensada com as exportações, ainda muito discretas. A boa notícia é que a Colômbia passou a comprar mais motos do Brasil, o que compensa a queda na Argentina. O vizinho platino pode se recuperar com a entrada de um novo presidente, mais conservador, o que deve eventualmente reverter o quadro de crise que o país viveu em 2015. Só Honda e Yamaha exportam e a América Latina sempre foi inundada de produtos chineses.
No mundo das bicicletas, boas e más notícias. A boa é a entrada de novas marcas no mercado, instaladas na Zona Franca de Manaus, AM, inclusive uma específica para montar bicicletas elétricas. Trata-se da mineira Sense Bike, que vai produzir também modelos a pedal, mas todas com quadro de alumínio. Mas de modo geral o mercado brasileiro de bicicletas continua apresentando queda. Em 2015 foram comercializadas 3,3 milhões de unidades, 400 mil a menos que em 2014.
A queda das vendas de motos não está só ligada às questões econômicas: o interesse por veículos motorizados está caindo entre os jovens
Alguém pode estranhar esse número: afinal, quem mora nas grandes cidades está vendo um incentivo ao uso da bicicleta, com implantação de ciclovias e políticas públicas de mobilidade. Mas é uma ilusão, porque parte dessas bicicletas estava guardada em alguma garagem e também porque a queda do setor é das bicicletas mais populares. Os modelos mais caros — de “maior valor agregado”, como gostam de dizer os empresários — continuam apontando para crescimento. Em termos de exportação, o Brasil nem sequer faz cócegas nos produtores asiáticos. Em 2015 foram pouco mais de 5.000 unidades. Essa situação pode melhorar se os novos participantes do mercado passarem a exportar.
Esses dados não contabilizam o mês de dezembro, que tradicionalmente nunca foi ótimo para o setor, porque concorre com outros produtos e necessidades nos quais gastar o 13º. salário. Em minha opinião, a queda das vendas de motos não está só ligada às questões econômicas: o interesse por veículos motorizados está caindo entre a população mais jovem. No caso das motos há ainda a questão — nunca levada a sério — dos roubos e furtos. Por ser um veículo muito bom para cometer delitos, a bandidagem não pensa duas vezes em usar a melhor forma de investimento em infraestrutura: rouba uma moto para fazer outros roubos.
O mercado não acredita que essa questão seja determinante, porque afeta somente algumas regiões, e se defende alegando que a demanda por motos ainda é enorme. Segundo a Abraciclo, de cada 10 fichas de financiamento de moto enviadas para os bancos apenas duas são aprovadas, o que projeta uma demanda reprimida de 80%.
Em suma, acho sinceramente que o mercado brasileiro de moto tem muito ainda a crescer. Só precisa a política econômica ajudar!
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