Potentes e intimidadores, os melhores carros usados na repressão ao
crime não passam despercebidos por quem curte automóvel
“Ele tem um motor de polícia com 440 polegadas cúbicas (7,2 litros), tem pneus de polícia, suspensão de polícia, amortecedores de polícia. É um modelo fabricado antes dos conversores catalíticos, então roda bem com gasolina normal (aditivada com chumbo).”
Assim Elwood Blues apresenta o Dodge Monaco 1974 ao irmão Jake no filme Os Irmãos Cara de Pau. Bastava uma pisada mais forte no acelerador desse companheiro inseparável para invocar os milagres de “Nossa Senhora da Abençoada Aceleração”. Potentes ou não, o fato é que as viaturas de polícia sempre atraíram a curiosidade de adultos e crianças: é impossível ficar indiferente a esses veículos, que provocam reações diversas que vão da reverência extasiante dos aficionados até a repulsa hostil dos críticos da repressão.
Quais são os melhores veículos para o uso policial? Tudo vai depender de uma série de fatores, como a espécie de atividade a ser realizada, o ambiente de trabalho policial e até mesmo a cultura das instituições, que costumam variar muito entre os países.
Nada melhor que um V8… Mas a realidade
brasileira não permite muita potência, e nossas
melhores viaturas táticas usam um bom V6
No Brasil, a atividade policial mais comum é a ostensiva e repressiva, exercida por grupos táticos especializados em rondas e situações de confronto armado. Para essa finalidade, os melhores veículos ainda são os utilitários esporte, dotados de elevada robustez e confiabilidade. A rotina de funcionamento é praticamente ininterrupta, com um breve intervalo dedicado apenas à limpeza (repare: estão sempre brilhando). Como alcançam elevada quilometragem em poucos meses, conclui-se que não é tarefa para automóveis frágeis e problemáticos.
Obrigatório por muitos anos, o chassi de longarinas vai cedendo espaço ao monobloco, cada vez mais rígido e forte. Tração traseira é desejável, mas se não for possível a suspensão traseira deve usar o robusto eixo de torção, que dispensa verificação periódica de alinhamento — e peça que não existe é peça que não quebra.
Os utilitários reúnem outras características favoráveis: o elevado vão livre do solo permite trafegar tranquilamente por localidades sem pavimentação, além de ser muito útil para transpor guias e canteiros de avenidas sempre que essa manobra se fizer necessária. O amplo espaço interno é indispensável para o manuseio de submetralhadoras, escopetas e fuzis. Carregando de três a quatro componentes, o entre-eixos de uma boa viatura não deve ser inferior a 2,7 metros, associado a boa largura e altura aceitável entre os assentos e o teto.
O compartimento de bagagem deve ser volumoso, para o transporte isolado dos indivíduos em custódia: 450 litros (na medição habitual até a divisória ou o encosto do banco traseiro) estão de bom tamanho, desde que a quinta porta tenha um vão de acesso alto e largo. Com boa vontade é possível carregar ali até quatro passageiros sem ofensas à dignidade humana.
Com tais características, definimos um veículo que dificilmente pesará menos de 1.700 kg. Consumo não é prioridade, então escolhe-se uma unidade motriz com no mínimo 35 m.kgf de torque e 250 cv. Para isso, nada melhor que tração traseira e um V8 de bloco pequeno… Mas a realidade brasileira não permite tamanha potência, de tal forma que nossas melhores viaturas táticas possuem no máximo um bom V6, nem sempre de recente geração. A grande maioria ainda conta com motores de quatro cilindros e potência modesta, inadequados à proposta.
O famoso “kit licitação”
A investigação policial exige viaturas descaracterizadas: qualquer automóvel de passeio, facilmente confundido com um particular. O ar-condicionado é indispensável na execução de campanas, bem como rádio, sirene e sistemas de iluminação de emergência. Para identificá-las é preciso ficar atento a detalhes, como padrões de acabamento e combinações esdrúxulas, rodas de aço sem calotas, para-choques sem pintura e até peruas sem bagageiro. É o famoso “kit licitação”, que abre mão de acessórios estéticos pelo menor custo possível.
Também há as atividades de apoio à investigação, como diligências, não raro em áreas rurais. O trabalho bem realizado pelo saudoso Fusca agora é de competência dos modelos “aventureiros”, convenientes na buraqueira urbana e na poeira do cascalho. Tração nas quatro rodas só é necessária em regiões realmente isoladas e inóspitas — caso das Polícias Ambientais e da Polícia Federal, acostumadas à contenção da criminalidade envolvendo áreas de preservação, animais silvestres e regiões de fronteira.
A questão cultural também salta aos olhos: nos Estados Unidos a polícia é tão respeitada que existe a figura do patrulheiro, sempre sozinho em sua viatura. Uma legislação forte pune severamente quem atentar contra a vida de um deles — por isso, nas abordagens, seu único apoio é o rádio da viatura. Caso o pior ocorra, sempre haverá um colega a poucas quadras de distância: requisitado o reforço, inicia-se a perseguição ao suspeito, que deixará o local do evento delitivo em alta velocidade, na tentativa de despistar a força policial em seu encalço.
Com motor V8 de 7,2 litros e 375 cv,
o Dodge Polara foi a viatura mais rápida da
Califórnia por nada menos que 25 anos
É nessa hora que os policiais invocam “Nossa Senhora da Abençoada Aceleração”: desde 1969 a California Highway Patrol (CHiP’s) contava com o temido Dodge Polara com motor V8 de 7,2 litros e 375 cv brutos. Com pneus diagonais, acelerava de 0 a 100 km/h em 6,3 segundos. O motor 440 Magnum era o mesmo do Dodge Monaco de Elwood Blues. Foi a viatura mais rápida da instituição por nada menos que 25 anos, até ser superado pelo Chevrolet Camaro de quarta geração que, entre os diferenciais do pacote policial B4C, trazia o V8 LS1 do Corvette.
Lá as manobras ofensivas são permitidas e incentivadas, mesmo que resultem em danos durante a imobilização precisa dos fujões, o chamado PIT maneuver. No Brasil, qualquer dano às viaturas deve ser indenizado pelo policial, seguido de procedimento administrativo disciplinar. O cuidado com a res publica é obrigação do servidor, mas os limites são bem restritos: nos EUA, a viatura é carga pessoal de cada agente, como a arma de fogo cedida pelo Estado. O agente sabe que o desmazelo com a viatura pode lhe custar a própria vida.
Com especificações próprias de motor, suspensão e freios, as viaturas norte-americanas são disputadas a tapa nos leilões por entusiastas e colecionadores: a maioria é baixada ainda em boas condições, fazendo a festa de quem aprecia veículos originais de alto desempenho. É algo que não faz parte de nossa realidade: aqui as viaturas são modelos normais de produção, com um mínimo de modificações essenciais ao trabalho. As exceções são iniciativas próprias, como a Volkswagen Parati preparada pelo ex-colunista do Best Cars Bob Sharp para a Polícia Civil de São Paulo em 1988.
A serviço ou a lazer, as viaturas policiais sempre farão parte das fantasias automobilísticas daqueles que cresceram assistindo aos enlatados de Hollywood e às perseguições dos telejornais norte-americanos. Sempre haverá um Max Rockatansky em cada um de nós.
Coluna anterior |