Projetado com vistas à globalização, ele precisou de quatro
gerações para ser, de fato, o mesmo carro em todo o mundo
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A década de 1980 foi o tempo áureo dos chamados “carros mundiais”, projetos que visavam a competir em diferentes mercados com um mínimo de alterações — apenas as necessárias para os adequar às diversas legislações e preferências do consumidor. No caso da Ford, uma tentativa havia sido feita com o Escort de terceira geração, o mesmo que conhecemos pela primeira vez no Brasil. Embora tenha alcançado numerosos países com sua versão europeia, o modelo médio-pequeno exigiu extensas modificações para o mercado norte-americano que resultaram, na prática, em outro carro.
No segmento de automóveis médio-grandes a Ford tinha um desafio maior. O Sierra europeu, apresentado em 1982, ao ser vendido nos Estados Unidos — sob a marca Merkur — ficara longe do êxito obtido na Europa. Para a América, a Ford continuava com produtos exclusivos como o Tempo e o Mercury Topaz, diferentes do Sierra sob qualquer aspecto. Contudo, em 1985 a empresa começava a estudar os mercados de ambos os lados do Atlântico e percebia que um mesmo projeto básico, com as devidas adequações, poderia substituir tanto a dupla Tempo/Topaz quanto o Sierra.
Não era uma tarefa fácil diante das diversidades de uso, legislação e preferências dos consumidores em cada continente. Além disso, enquanto os modelos norte-americanos já usavam tração dianteira, o europeu permanecia fiel à tração traseira — um dos poucos casos em seu segmento de mercado na época, ao lado do BMW Série 3 e do Mercedes-Benz 190. Definido o ponto de partida para o projeto de código CDW27, a Ford passou a analisar propostas de desenho do estúdio Ghia de Turim e dos próprios centros de estilo na Califórnia, em Dearborn (Michigan, nos EUA) e em Colônia (Alemanha). O último prevaleceu.
Desenvolvido para atender a Europa e os EUA com um só projeto, o Mondeo
estreava em 1993 com três carrocerias; acima, o sedã de quatro portas
Em 8 de janeiro de 1993 era apresentado o Mondeo, nome derivado do latim mundus, que significa mundo e expressava seu projeto global. As vendas na Europa começavam dois meses depois com a produção concentrada em Genk, na Bélgica, usando motores a gasolina alemães e a diesel britânicos, enquanto a versão V6 lançada no ano seguinte teria uma unidade fabricada nos EUA. O desenvolvimento acarretou o maior investimento que a Ford já fizera em um carro — US$ 6 bilhões da época, incluindo a modernização da fábrica belga.
A Ford analisou propostas de desenho do estúdio Ghia e dos próprios centros de estilo na Califórnia, em Dearborn (EUA) e em Colônia (Alemanha): o último prevaleceu
Estavam disponíveis três versões de carroceria: sedã de três volumes, hatchback e perua (Turnier na Alemanha), todos com quatro portas laterais. Apesar do amplo vidro traseiro integrado à tampa do porta-malas, o hatch era só um pouco mais curto que o sedã e mantinha um “meio volume” adicional, a exemplo do Escort. Essa versão atendia à preferência de diversos países europeus, enquanto o sedã visava a poucos mercados do Velho Continente — como a Espanha — e outros mundo afora. Nos EUA, apenas o três-volumes seria oferecido de 1994 em diante sob as marcas Ford e Mercury (leia boxe abaixo). O interior mostrava um ar moderno, com formas suaves, mas não sobressaía em termos de espaço no banco traseiro.
Refinamento técnico
O Mondeo nasceu já com a moderna linha de motores Zetec (de início chamada de Zeta) de quatro cilindros a gasolina, lançada no Escort em 1992, com três versões de quatro válvulas por cilindro: de 1,6 litro com potência de 90 cv e torque de 13,7 m.kgf, de 1,8 litro com 115 cv e 16,1 m.kgf e de 2,0 litros com 136 cv e 17,8 m.kgf. Por outro lado, a unidade turbodiesel era o ultrapassado Endura-D de 1,8 litro, 90 cv e 18 m.kgf, derivado de um 1,6 usado havia tempos no Fiesta.
O modelo de cinco portas atendia à preferência da maioria dos europeus; na
mecânica, tração dianteira e motores de quatro cilindros com 90 a 136 cv
A suspensão traseira do sedã e do hatch era independente pelo conceito McPherson, como a dianteira, mas dotada de um arranjo que fazia variar levemente a convergência das rodas conforme as solicitações em curva, a fim de manter a aderência desses pneus e evitar o sobresterço. Na perua era empregado um moderno sistema multibraço, tecnologia então bastante rara na categoria. Além de beneficiar o comportamento dinâmico, mais crítico nessa versão pela grande capacidade de carga, trazia a vantagem de obstruir menos o compartimento de bagagem que com as torres habituais das colunas McPherson.
Outro destaque em suspensão era o controle eletrônico de amortecimento, oferecido nas versões superiores. Com sete sensores, o sistema alterava a carga dos amortecedores entre os modos macio e firme, de acordo com as condições do piso e a forma de dirigir, em apenas 20 milissegundos. Para a revista Popular Science, em sua avaliação inicial o recurso “foi impressionante em estradas sinuosas. Em uma descida rápida em reta a suspensão absorveu as asperezas para um rodar suave, e então endureceu assim que entramos em uma curva fechada”.
A revista inglesa Car comparou o Mondeo GLX a dois franceses da mesma cilindrada — 2,0 litros —, o Citroën Xantia e o Renault Laguna. O Ford foi elogiado pelo motor mais potente, posição de dirigir, bancos confortáveis, amplo porta-malas e comportamento dinâmico, embora não se igualasse nesse aspecto ao Citroën. O que o prejudicou foi a falta de ousadia: “É conservador e previsível demais para nosso gosto. Embora ele sobressaia em alguns aspectos, suas fraquezas — rodar nervoso, câmbio pesado, motor áspero — não passam despercebidas quando a oposição é tão boa”. Foi o último colocado; o Xantia levou o primeiro lugar.
Próxima parte |
Nos Estados Unidos
![]() |
![]() |
![]() |
Apresentados como modelos 1995, Ford Contour e Mercury Mystique (vendido por uma das divisões do grupo) foram as versões do Mondeo desenvolvidas para o mercado dos Estados Unidos, ainda na primeira geração. Embora o projeto CDW27 previsse um carro mundial, o resultado foi uma variação mais diferenciada em termos de desenho do que aquela expressão fazia supor: apenas a seção central era a mesma do modelo europeu, recebendo frente e traseira diversas, além de painel com estilo próprio. A produção era em Claycomo, no estado de Missouri, EUA.
Ao contrário do Mondeo, a dupla norte-americana existiu apenas como sedã de quatro portas. Os motores eram comuns ao mercado europeu: o Zetec de 2,0 litros com 125 cv e o Duratec V6 de 2,5 litros e 170 cv, este produzido lá mesmo nos EUA, com escolha entre câmbio manual de cinco e o automático de quatro marchas e tração sempre dianteira.
![]() |
![]() |
![]() |
Na linha 1998 ocorria uma remodelação visual que deixava o Contour bastante parecido com o novo Mondeo da época, mas apenas na frente. Outra novidade era a versão esportiva elaborada pela SVT (Special Vehicle Team), a SVT Contour, que usava o motor V6 com modificações para alcançar 195 cv, câmbio sempre manual, anexos aerodinâmicos, rodas de 16 pol, suspensão e freios de alto desempenho. Alterações traziam mais 5 cv para o motor 2,0 e para o SVT em 1999. No ano seguinte os modelos eram retirados de linha.
Pelo mundo
![]() |
![]() |
![]() |
Embora não tanto quanto seu nome poderia sugerir, o Mondeo alcançou vários pontos do planeta. Além das versões Ford e Mercury produzidas nos Estados Unidos (leia acima), foi fabricado na África do Sul, em Taiwan e na China e exportado da Europa para numerosos mercados.
A versão sul-africana foi lançada em 1997, já com o visual da segunda série, e oferecia apenas a carroceria sedã com motores de 1,8 e 2,0 litros a gasolina, enquanto o hatch (incluindo versão V6 de 2,5 litros) e a perua eram importados dos europeus.
Em Taiwan a Ford Lio Ho, associação da qual a Ford detém 70% do controle, lançava em 2000 o Mondeo M2000: era o europeu de 1997 com novo desenho frontal, algo semelhante ao do Mercury Mystique, mantendo a traseira original (com outras lanternas) e os logotipos Ford. O motor Zetec de 2,0 litros era usado só com câmbio automático, de grande aceitação pelos chineses, e havia itens como monitores de vídeo para o banco traseiro.
Depois do M2000 vinha o Mondeo Metrostar, o europeu de segunda geração com um aspecto frontal bem mais conservador, também feito em Taiwan. Hoje, na China, é fabricada a terceira geração sob o nome Mondeo-Zhisheng, por meio da associação Changan-Ford, com motores 2,0-litros aspirado e turbo e 2,3 aspirado.
Na América do Norte, os EUA e o Canadá não receberam a segunda geração, mas o México sim, suprindo a ausência do antigo Contour. Estavam disponíveis sedãs com motores de 2,0, 2,5 e 3,0 litros, incluindo uma série limitada do esportivo ST220, mas não a perua. A importação da Europa foi encerrada em 2007 após o lançamento do Fusion, fabricado naquele país.
Embora esse novo Ford tenha assumido a representação da marca no segmento na maior parte da América do Sul, alguns países — caso da Argentina — mantiveram a importação do Mondeo.