Fiat 147, um pequeno que foi grande em significado

A plataforma longa da Panorama serviu à nova picape, que logo ganhava versão City

 

Com a ampliação do tanque a Fiat, assim como outras marcas, estava se defendendo de uma medida injustificada do governo brasileiro: o fechamento dos postos de combustível nos fins de semana para desestimular viagens longas e poupar gasolina — o Brasil foi o único país a fazê-lo naquele tempo de crise do petróleo. A medida não se sustentava porque fazia economizar apenas um derivado do “ouro negro”: o consumo de diesel aumentou, levando à necessidade de mais petróleo e à absurda situação de se manterem petroleiros ancorados com gasolina, que não encontrava mais espaço para estoque no País.

Comparada pela Quatro Rodas à Marajó 1,6, a Panorama mostrou vantagens em desempenho e consumo, mas perdeu em estilo, transmissão e posição do motorista: “Na Marajó ele senta ‘dentro’ do carro, que o envolve, enquanto na Panorama senta ‘em cima’ do carro, dominando-o visualmente. No índice geral a Panorama fez 13,27 km/l, enquanto a Marajó ficou com 12,07 km/l. Quanto ao desempenho, houve empate na velocidade máxima, mas na aceleração a Panorama foi melhor”. Embora quase 30 cm mais curta, a perua da Fiat levava bem mais bagagem, pois seu compartimento não era prejudicado pelo estepe e pela tração traseira como na concorrente.

 

Ainda de frente antiga, o Fiorino transportava bom volume de carga na carroceria alta

 

A picape passava em 1981 a usar a plataforma da Panorama, ficando 15 cm mais longa (3,78 metros) e com capacidade de carga de 570 kg. As lanternas vinham da perua e a tampa da caçamba abria-se para baixo, sendo descartado o motor 1,05. Surgia também o furgão Fiorino, de teto elevado e boa capacidade de carga. No ano seguinte a picape City aparecia com a frente Europa e apelo mais jovem e esportivo, mantendo-se o estilo antigo na básica. Uma bem-humorada publicidade de 1983 anunciava que, com a economia de combustível da City, o comprador poderia “navegar de saveiro ou ir para o pampa”, uma alusão a suas concorrentes lançadas havia pouco. A outra, logo depois, seria a Chevy 500.

 

Com tantas combinações, o Fiorino antecipou os utilitários de uso misto que se tornariam comuns por volta do ano 2000

 

Para o 147, a linha 1982 trazia as novas versões Top e Racing, que substituíam a GLS e a Rallye, na ordem. A primeira vinha com painel e volante desenhados pelo estúdio italiano Bertone (já usados na Panorama CL) e opções de ignição eletrônica e teto solar. Já o Racing deixava de lado as faixas, símbolos de esportividade de uma era passada. A versão básica agora se chamava 147 C e, além da frente Europa, recebia para-sol do passageiro e retrovisor interno dia/noite. Para portadores de deficiência física, a Fiat passava a oferecer adaptações como comandos manuais de acelerador e freios.

 

A linha era revista em 1982, com o 147 C (à esquerda) como versão inicial; Top e Racing (à direita) assumiam o espaço do GLS e do Rallye, na ordem

 

Aprimoramento bem-vindo era a troca dos sincronizadores de primeira e segunda marchas e do trambulador, de início só nas versões com motor 1,3, para aliviar o conhecido e criticado esforço nos engates da transmissão. Para economia de combustível as novidades eram a válvula termopneumática Thermac, que enviava ar aquecido pelo coletor de escapamento para o filtro de ar, e o sistema cut-off, que cortava a alimentação de combustível em desacelerações, como nos atuais sistemas de injeção.

O furgão Fiorino ganhava também em 1982 uma variedade de versões. Além do modelo tradicional para carga, estreavam o de passageiros Settegiorni (sete dias em italiano), com bancos traseiros que rebatiam quando se precisasse carregar mais objetos do que pessoas; o Vetrato (envidraçado), com amplos vidros na parte traseira, mas sem os bancos; e o Combinato, com bancos traseiros laterais que podiam levar até três pessoas cada, sem muito conforto. Este era usado como transporte interno na fábrica, onde tinha o carinhoso apelido de “Busolino” e circulava sem a porta traseira de carga.

 

Nos anúncios, o desempenho do Racing e a versatilidade das novas opções do Fiorino

 

Com tantas combinações, os vários Fiorinos podiam servir como veículo de trabalho e lazer ao mesmo tempo. Essas versões anteciparam o que se tornaria comum por volta do ano 2000: utilitários de uso misto como o Doblò da própria Fiat, o Citroën Berlingo e o Renault Kangoo. A suspensão de todos os comerciais leves, incluindo a picape, era diferente do 147 para suportar mais carga: a mola traseira tinha quatro lâminas, contra três do automóvel.

 

 

Spazio: a renovação da linha

Uma nova frente chegava na linha 1983 para o hatch e a Panorama. Embora o 147 continuasse com o estilo Europa, a Fiat apresentava o Spazio, versão atualizada e mais luxuosa. Adotava faróis maiores, grade com desenho próximo ao que surgiria no Uno com a nova identidade de cinco barras inclinadas, outras lanternas e vidro traseiro maior para ganho em visibilidade. Nas laterais vinham largas molduras de plástico (poliuretano) e repetidores de luzes de direção nos para-lamas.

 

O Spazio: nova frente com as cinco barras, para-choques envolventes, cinco marchas

 

A versão esportiva TR trazia dois defletores traseiros — um no fim do teto e outro abaixo do vidro, este sem função aerodinâmica — e faróis de longo alcance, acionados apenas com o facho alto, embora parecessem unidades de neblina por seu formato retangular e sua localização. O interior tinha bancos específicos com encosto alto integrado, volante de quatro raios e painel com conta-giros, voltímetro e manômetro de óleo, mas não havia alterações no motor.

Na mecânica, o Spazio trazia caixa de cinco marchas nos modelos de 1,3 litro para reduzir o consumo e o nível de ruído em rodovia. A Fiat optou pelo reescalonamento completo da transmissão em vez de apenas acrescentar uma marcha além da quarta, como fizera a Ford anos antes no Corcel II. O rebaixamento da coluna de direção em cerca de 3 cm reduzia o incômodo do volante inclinado demais. Inovação era o pedal de embreagem com folga zero, que dispensava o ajuste periódico da folga: com o desgaste progressivo do disco o pedal subia em direção ao motorista.

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Os especiais

Projeto interessante, revelado por volta de 1980, era o 147 conversível transformado pela paulistana Sulam Equipamentos Esportivos Ltda., empresa mais antiga desse ramo ainda em atividade (começou em 1973 construindo karts e passou às transformações cinco anos depois). Chamado de Sulam 130 SC, ele baseava-se na picape curta da Fiat para aproveitar as laterais da caçamba e evitar o recorte da carroceria nessa região. A capota era de lona. Acessórios incluíam quatro faróis circulares, para-choques de plástico e rodas de alumínio.

A Enpro, empresa paulistana de projetos, instalava turbocompressor em automóveis nacionais e não se esqueceu do 147. O Rallye de 1980 com o equipamento fazia de 0 a 100 km/h em 9,8 segundos e alcançava 190 km/h, números respeitáveis para um carro pequeno até hoje. O painel ganhava manômetro do turbo. O proprietário da Enpro, o engenheiro Roberto Beccardi, havia criado o motor 250-S do Chevrolet Opala quando estava na General Motors.

A Fittipaldi Empreendimentos e Representações também fez uma versão do Fiat com frente Europa. Tinha acessórios como grade preta sem logotipo, faróis de neblina, retrovisores esportivos, para-choque com defletor dianteiro e aerofólio. Rodas de alumínio e teto solar completavam o estilo exclusivo. Vinha em cores nada discretas e tinha mais instrumentos e volante especial. Na mecânica, coletores de admissão e escapamento retrabalhados e duplo carburador para obter 75 cv. O responsável técnico era Jorge Lettry, preparador e gerente de competição da Vemag nos anos 60.

Para a Pickup o tradicional fabricante de rodas e acessórios Rodão, de São Paulo, tinha defletor, proteção frontal (quebra-mato), arco de proteção (“santantônio”) e faróis auxiliares, entre outros.

Foto do Fittipaldi: Motor 3

 

Nas telas

A Dama do Lotação
A Dama do Lotação
O Incrível Monstro Trapalhão
O Incrível Monstro Trapalhão
Manual Prático da Melhor Idade
Manual Prático da Melhor Idade

A família 147 tem algumas aparições dignas de nota nos cinemas, além de muitas em novelas brasileiras. Modelos da primeira série podem ser vistos no drama A Dama do Lotação (1978), na comédia O Incrível Monstro Trapalhão (1980) e na comédia feita para televisão Manual Prático da Melhor Idade (2014). Um 147 exportado para a Itália tem discreta presença na comédia Un Orso Chiamato Arturo (1992), feita naquele país.

Ta Tsakalia
Ta Tsakalia
Jorge, Um Brasileiro
Jorge, Um Brasileiro
Gung Ho
Gung Ho

Curioso, ainda que muito breve, é notar uma picape 147 de caçamba curta (com cobertura de plástico e fibra de vidro) em um filme grego, a ação Ta Tsakalia: Ena Koinoniko Provlima (The Jackals no título internacional, 1983).

Modelos da série Europa são raros, mas vale mencionar o 147 e a Panorama que atuam como viaturas policiais no drama Jorge, Um Brasileiro (1988) e a perua do romance A Menina do Lado (1987). O Spazio pode ser visto em quantidade na comédia norte-americana Fábrica de Loucuras (Gung Ho, 1986), mas se trata da versão argentina.

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