Desde 1951 a marca aplica sua estrela a cupês e conversíveis de alto luxo, que simbolizam como poucos o desejo de dirigir
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A imagem da Mercedes-Benz está associada a automóveis de luxo desde o início de sua história, em 1926, quando o nome Mercedes — em uso desde 1901 pela Daimler — foi associado ao sobrenome de Karl Benz, construtor do primeiro automóvel. Na década de 1930 a marca da estrela de três pontas fez modelos como o enorme e luxuoso 770 e os velozes conversíveis 500K e 540K.
A série de sedãs sofisticados que hoje conhecemos como Classe S tem sua origem no 300 de 1951 (código de projeto W186), conhecido como Adenauer porque seis unidades serviram ao primeiro chanceler da Alemanha no período pós-guerra, Konrad Adenauer. Desde então, numerosas evoluções sucederam àquele pioneiro, cada uma acrescentando requinte, inovações técnicas e avanços em segurança. E a maior parte delas teve como companhia uma refinada linha de cupês.
O 300 S, aqui na versão cabriolet, foi o primeiro da linhagem de requinte do Classe S de duas portas
Desde o início da dinastia Classe S, nove gerações de cupês de luxo foram oferecidas pela Mercedes, designadas pelos códigos W187/W188 (1951 a 1958), W128/W180 (1956 a 1960), W111/W112 (1961 a 1971), C107 (1971 a 1981), C126 (1981 a 1991), C140 (1992 a 1998), C215 (1999 a 2006), C216 (2006 a 2014) e C217 (desde 2014). A C107 era derivada dos conversíveis SL, pois não houve cupê correspondente ao sedã Classe S do período.
Uma história de sofisticação, técnica e desempenho em duas portas por mais de 60 anos.
Com o 300 SC a 180 km/h, outros motoristas mal conseguiriam ler o logotipo Einspritzmotor, alusivo à injeção, no para-choque traseiro
W188, o Adenauer em estilos informais
Pouco depois da apresentação do quatro-portas 300, no Salão de Frankfurt em abril de 1951, a Mercedes revelava em outubro no evento de Paris os modelos de duas portas que lhe fariam companhia. Aquele sedã representava um estandarte de tecnologia para a marca, uma demonstração de que ela havia recuperado a posição de prestígio e glamour que ostentava na década de 1930. Assim, oferecer as alternativas de cupê e conversíveis era um passo natural.
O 300 S — de Sonderklasse, classe especial em alemão —, oferecido como cupê, roadster e cabriolet de 2+2 lugares, seguia linhas mais dinâmicas que as do sedã, com os para-lamas e faróis mais avançados que a alta grade do radiador típica da marca. Estribos entre os para-lamas salientes e traseira em suave declínio compunham o estilo habitual na época. O projetista Hermann Ahrens, autor dos 500K e 540K do pré-guerra, havia feito um belo trabalho.
A capota com barras landau em “S” e melhor isolamento diferenciava o cabriolet (fotos) do roadster
O cabriolet diferenciava-se do roadster pelo tipo de capota, que trazia barras landau (em forma de um suave “s”) cromadas nas laterais e melhor isolamento térmico, mas não se escondia quando aberta como a do segundo modelo. Os conhecedores da série costumam distingui-los pela proposta: o roadster se fecha apenas quando chove; o cabriolet se abre para curtir os dias de lazer ao sol. O interior esbanjava requinte, com bancos individuais (mas juntos um ao outro) revestidos de lã ou couro, painel com ampla superfície de madeira, um relógio retangular no centro e os tradicionais rádios Grundig e Becker.
O grande volante de dois raios trazia um aro usado tanto para acionar a buzina quanto, sendo girado, para ligar as luzes de direção. Para limpar o cinzeiro cromado do painel bastava rotacioná-lo para trás — as cinzas caiam em um receptáculo para limpeza posterior. Outro detalhe interessante para os modelos abertos era o retrovisor interno: com sua articulação invertida e estendida, era reposicionado acima do para-brisa, de modo a evitar o prejuízo ao campo visual pela capota recolhida. Para melhor aproveitamento do espaço de bagagem atrás dos bancos e no porta-malas, podiam ser adquiridas malas feitas sob medida.
A mecânica era derivada daquela do sedã, tanto o chassi de aço em forma de “X” separado da carroceria quanto o motor de seis cilindros em linha e 3,0 litros com comando de válvulas no cabeçote (este de alumínio). Contudo, o cupê tinha a distância entre eixos reduzida em 15 centímetros (para 2,90 metros), com 4,70 m de comprimento, 1,92 m de largura e 1,51 m de altura.
O cupê 300 SC: motor com injeção direta e 175 cv para alcançar 180 km/h, ótimos para a época
Por usar três carburadores em vez de dois e taxa de compressão mais alta, o motor do 300 S produzia potência de 150 cv — ganho importante sobre os 115 do sedã — e torque de 23,5 m.kgf, o que permitia velocidade máxima de 175 km/h e acelerações mais ágeis do que seu peso de 1.740 kg faria esperar à época: de 0 a 100 km/h em 15 segundos. Era um desempenho equivalente ao do antigo 540K com oito cilindros, 5,4 litros e compressor, mas com consumo de combustível pela metade. O câmbio manual de quatro marchas com alavanca na coluna de direção ou no assoalho trazia todas elas sincronizadas, algo raro na época.
A suspensão independente nas quatro rodas usava braços sobrepostos à frente e o arranjo tradicional dos Mercedes — semieixos oscilantes, assim como no Fusca — com duas molas helicoidais por lado na traseira. Lubrificar a suspensão, uma necessidade frequente nos carros daquele tempo, era simples nos 300: bastava acionar um sistema central por pedal. Os freios a tambor usavam comando hidráulico e o sistema elétrico já era de 12 volts, a um tempo de predomínio dos seis volts. A caixa de direção com esferas recirculantes, que o sedã só receberia em 1954, estava presente desde o início no cupê.
Os recursos do 300S entusiasmaram John R. Olson, um especialista em Mercedes: “Ele combina uma carroceria antiga a uma mecânica contemporânea. Tem potência para excelente aceleração, segurança extrema pela rigidez do chassi, direção sem esforço e talvez o maior desenvolvimento que já se fez a freios a tambor. Alguns carros ofereciam os mesmos equipamentos nos anos 50, mas onde mais todos eles poderiam ser encontrados?”.
O SC roadster: capota que se ocultava quando aberta, pois era assim que ele deveria ser usado
A série W188 passava à segunda fase no Salão de Frankfurt em setembro de 1955 com o 300 SC, que adotava o motor com injeção direta de gasolina (ainda mecânica) lançado no ano anterior no cupê esporte 300 SL. Mesmo com ajuste mais moderado, o 3,0-litros do SC fornecia 175 cv e 26 m.kgf, bem aproveitados pela evolução da suspensão traseira, com ponto de articulação mais baixo para os semieixos. A máxima alcançava 180 km/h, quando outros motoristas mal conseguiriam ler o logotipo Einspritzmotor, alusivo ao motor com injeção, no para-choque traseiro.
Com produção artesanal, que acarretava um preço cerca de 50% mais alto que o do quatro-portas, esses cupês e conversíveis eram os carros mais caros da Mercedes: nos EUA, com impostos de importação, o 300 S custava de início quase o preço de quatro Cadillacs de topo de linha, enquanto o SC era vendido na Alemanha em 1956 por 25% a mais que o próprio 300 SL. Assim, sua produção seguiu em baixíssimo volume até 1958, encerrando com 558 unidades do 300 S e 200 do SC entre as três versões de carroceria.
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