Mario Boano: da Ghia para o próprio negócio

 

Autor de estilos bastante criativos, o projetista italiano
abriu seu estúdio e desenhou Fiats, Alfa Romeos e Ferraris

Texto: José Geraldo Fonseca
Fotos: RM Auctions, Supercars.net, Conceptcarz e divulgação

 

Mario Felice Boano foi um projetista que criou algumas das mais originais carrocerias de sua época. Nascido em 1903 em Turim, Itália, estudou na Escola Técnica San Carlo e começou a trabalhar como desenhista na encarroçadora Farina. Quando em 1930 um dos irmãos Farina, Battista, saiu para fundar sua própria empresa, a Pinin Farina (mais tarde Pininfarina), Mario foi junto e lá trabalhou por um ano.

De lá saiu para montar uma oficina de construção de estruturas de madeira para carrocerias — àquela época, a maior parte das carrocerias usava chapas de metal montadas sobre tais estruturas. Entre seus clientes estavam a própria Pinin Farina e a Ghia, cujo proprietário Giacinto Ghia acabou se tornando seu amigo. Com a morte de Giacinto, em 1944, a viúva deste ofereceu a empresa para Mario e outro amigo de Ghia, Giorgio Alberti. Ambos aceitaram assumir a empresa, tendo Boano então fechado sua oficina de construção de estruturas.

 

 
Mario Boano, o Delahaye 235 desenhado durante sua atuação na Ghia — com as
características rodas encobertas — e o conceito Plymouth XX-500 feito em 1951

 

Após as instalações da Ghia serem devastadas na Segunda Guerra Mundial, Boano resolveu reerguer a empresa em outro endereço — a demolição e a construção de novas instalações faria perder um tempo precioso diante da forte demanda em um mercado carente de carros. A empresa foi então instalada próxima a uma ferrovia, pensando na possibilidade de exportações. Em 1947 Mario comprava a parte de Alberti, ficando com a totalidade da empresa.

 

Segre queria aumentar a capacidade industrial, mas Mario desejava manter a produção de carros exclusivos, o que o levou a abrir sua própria empresa: a Boano

 

Uma marca de estilo de seus primeiros trabalhos na Ghia foram as quatro aberturas de rodas cobertas por saias, removíveis para a troca de pneus. Entre os carros com essa característica encarroçados pela Ghia estavam o Fiat 1500 Cabriolet Gran Sports (cujos bancos traseiros podiam ser cobertos por uma chapa metálica, transformando-o em um dois-lugares), o Talbot Lago Record, o Alfa Romeo 6C 2500 Cabriolet, o Lancia Aprilia e o Delahaye 235.

Em 1948 surgiam dois carros produzidos em série limitada, já sem as coberturas de rodas: os Fiats 1100 Gioello e 1500 Supergioello. Dois anos depois, Mario desenhava um carro esporte bastante interessante: o Lancia Aprilia Coupé Sport, cujas linhas permaneceram atuais por pelo menos 10 anos. Outros carros do mesmo ano foram o protótipo Lancia A-10 com motor traseiro — embora com enorme grade dianteira —, uma limusine para o presidente da Itália sobre chassi de Lancia Aurelia e o primeiro Ferrari desenhado por Boano, o 195 Inter Ghia.

 

 

 
O Ferrari 195 Inter Ghia (foto maior) foi o primeiro da marca desenhado por Boano;
embaixo, Lancia Aurelia B20, o Alfa Romeo 3000 CM de Perón e o Lincoln Indianapolis

 

Outros Ferraris também foram elaborados por Mario em seu período na Ghia, com base nos chassis 212 Inter, 340 America e 342. Seu filho Giampaolo também desenhava carros para a Ghia, como um construído sobre chassi de Lancia Aurelia Junior, em 1952, que lembrava os carros de sonho norte-americanos do período. Com a expansão dos negócios, Boano contratou um desenhista de 30 anos, Luigi Segre. Juntos projetaram um carro de quatro portas e tamanho grande para a divisão Plymouth da Chrysler em 1951: o XX-500.

 

 

No entanto, a capacidade de produção industrial da Ghia era limitada a pequenas séries de carros. Desse modo, carros como o Lancia Aurelia B20 e o Alfa Romeo Giulietta Sprint — desenhados por Boano — tiveram de ser produzidos em série por empresas concorrentes. Segre queria aumentar a capacidade industrial, mas Mario desejava manter a produção de carros exclusivos, o que o levou a vender a Ghia.

Em 1954 Boano fundava a indústria de carrocerias com seu sobrenome, sediada em Turim, junto do filho Giampaolo e do genro Luciano Pollo. Já em seu primeiro ano de atividade, um carro atraiu a atenção para a nova empresa: o Alfa Romeo 6C 3000 CM Disco Volante, construído sob encomenda para o presidente da Argentina Juan Domingo Perón. Com perfil aerodinâmico, atingiu em um teste na pista de Monza a velocidade máxima de 280 km/h — provavelmente o carro de rua mais veloz do mundo à época. No mesmo ano era construído um carro com mecânica Renault Frégate preparada por Carlo Abarth.

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Os modelos 207A Spider e 209A cupê da Abarth, desenhados por Boano em 1955, e o
Alfa Romeo 1900 Primavera, cupê sem coluna central, que teve pequena produção

 

Outro cliente ilustre encomendava, em 1955, mais um trabalho notável: o Lincoln Indianapolis, criado para Henry Ford II, filho do fundador da Ford. Um destaque estava nos escapamentos saindo dos para-lamas dianteiros. Ainda naquele ano saíram da Boano projetos como o OSCA 1100 com linhas compactas e arredondadas e faróis duplos, um cupê dois-lugares sobre mecânica Fiat 600 e diversos carros com mecânica Abarth.

 

O Ferrari 250 GT-b Genève, um conversível com “rabos de peixe” como os carrões norte-americanos da época, pertenceu ao mesmo dono por mais de 50 anos

 

Entre esses estavam o Abarth 209A cupê, com uma traseira afunilada como na série Bertone BAT; o Abarth 210A roadster, com um farol central como o do Tucker; e o Abarth 207A Spider, em versões com um e dois lugares e motor Fiat 1100 preparado. Sobre o último existe a lenda de que, não conseguindo construir as 25 unidades mínimas para homologação em competições, foram construídos 13 exemplares e tirada uma fotografia em frente a um grande espelho para aparentar que a quantidade necessária fora atingida. Mas o principal feito do ano foi o projeto do Alfa Romeo 1900 Primavera, um cupê com portas sem coluna central, produzido em 286 exemplares até 1957.

O ano de 1956 foi bastante movimentado para o encarroçador. Mais uma vez um cliente famoso aparecia na Boano: Gianni Agnelli, presidente da Fiat, encomendava um cupê de dois lugares sobre o chassi do Chrysler 300B, cujo estilo lembrava alguns carros britânicos da época. Outro Chrysler foi o Special Corvair II, cupê de grandes dimensões com chassi construído por Enrico Nardi, carroceria bicolor e frente que chegava a lembrar os Ferraris da época. Boano também construiu um carro desenhado pelo norte-americano Raymond Loewy, um cupê dois-lugares bastante futurista e aerodinâmico, apresentado no Salão de Paris, com chassi de Jaguar XK 140C e motor de 210 cv para alcançar 235 km/h.

 

 

 
Bob Lee com o Ferrari 250 GT-b Genève que ele possuiu por 50 anos; embaixo o
250 GT Boano de produção, o 410 Cabriolet e o Jaguar feito em parceria com Loewy

 

No Salão de Genebra a empresa apresentava o Ferrari 250 GT-b Genève, um conversível com traseira “rabo de peixe” como a dos carrões norte-americanos da época. O motor V12 de 3,0 litros permitia alcançar 252 km/h. O carro pertenceu ao mesmo dono — Bob Lee — por mais de 50 anos e, entre os detalhes exclusivos, trazia um símbolo da Ferrari em ouro no porta-luvas. Uma versão mais potente com carroceria muito semelhante foi construída, o Ferrari 410 Superamerica Cabriolet, que existiu também em versão cupê.

 

 

Além desses Ferraris feitos em exemplares exclusivos, Boano construiu 63 unidades do 250 GT por ele desenhado. Ainda nesse ano surgiam os cupês Alfa Romeo 1900 Super Sprint e 2000 Sports Coupe, ambos com desenho inspirado no carro de Perón, e outros Abarths — o cupê 215A e o 750 Spider, este um conversível de dois lugares com frente bicuda.

Outros carros de destaque foram o SporT.V. Fiat 1100, cupê arredondado e aerodinâmico com carroceria de alumínio e motor preparado pela Giannini; um cupê com mecânica Lancia Appia e disposição de 2+2 lugares; e o Fiat Torpedo Marina, derivado do monovolume Multipla de motor traseiro da linha 600. Produzido até 1958, ele era construído pela Savio (embora desenhado por Boano) e tinha capota aberta e bancos de vime, sendo três lugares na frente e dois bancos paralelos nas laterais para três passageiros cada.

 

 
O Fiat Torpedo Marina, um Multipla aberto para o lazer com bancos de vime,
e os sedãs 124 e 130, que Boano desenhou enquanto trabalhava na Fiat

 

Mais dois automóveis sobre base Fiat foram construídos em 1957: uma limusine conversível com mecânica do 1900 e o Gran Turismo, um cupê com mecânica do 1400, cuja tampa do porta-malas tinha o formato do estepe como no Lincoln Continental. Outros carros surgiam no mesmo ano: mais um cupê Alfa Romeo 1900, com colunas muito estreitas, pintura em preto e rosa e capô revestido com náilon; o Ferrari 250 GT Coupe Speciale, com traseira em “rabo de peixe”; e o Alfa Romeo Tipo 750 Corsa Abarth, um roadster com extensão aerodinâmica do apoio de cabeça do motorista, como no carro do Speed Racer.

Em 1958 Boano desenhava o Fiat 500 Spiaggina, que foi construído por Savio seguindo o mesmo conceito do Torpedo Marina — um carro aberto com bancos de vime —, mas com disposição de assentos convencional, dois lugares na frente e três atrás. Apesar do sucesso de seus carros, Boano manteve-se à frente de sua encarroçadora apenas até aquele ano, quando a vendeu, passando a empresa a se chamar Ellena. Com o filho Giampaolo, Mario foi trabalhar então no Centro de Estilo da Fiat, do qual acabou se tornando diretor até sua aposentadoria. Entre os carros que desenhou enquanto lá trabalhava estão os Fiats 124 e 130. Boano faleceu em Turim em 8 de maio de 1989.

 

 

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