A centenária marca inglesa de esportivos fabrica há
76 anos o modelo 4/4: conheça sua longa trajetória
Texto: José Geraldo Fonseca – Fotos: divulgação
Se o sucesso de um carro fosse medido por sua longevidade, sem dúvida o mais bem-sucedido em todos os tempos seria o Morgan 4/4. Produzido ainda hoje, o modelo inglês surgiu há nada menos que 76 anos — antes mesmo que o Volkswagen Fusca, a Kombi ou o Citroën 2CV. E não se trata apenas de manter um nome em diversas gerações bem diferentes, como ocorre com o Toyota Corolla ou com o VW Golf, mas sim da evolução do mesmo carro com as devidas atualizações mecânicas.
A Morgan foi fundada em 1909 na cidade de Malvern Link, Worcestershire, Inglaterra, por Henry Frederick Stanley (H.F.S.) Morgan, que havia estudado engenharia no Crystal Palace. De início a empresa — pertencente à mesma família até hoje — foi financiada pelo pai de Henry, um pastor anglicano, e era revendedora das marcas Darracq e Wolseley. No Salão da Motocicleta de Londres do ano seguinte, a Morgan mostrou o protótipo de um carro com três rodas e motor Peugeot com potência de 7 cv. Ele havia sido construído pelo colégio Malvern, tendo auxiliado no projeto o engenheiro Stephenson-Pearce.
Simples, o veículo não tinha marcha à ré e a direção era comandada por uma barra. Esta foi substituída por um volante na produção em série, assim como o motor por um JAP de dois cilindros em “V” e 964 cm³ de origem motociclística. Ao contrário da maior parte dos atuais triciclos, o par de rodas se situava no eixo dianteiro, ficando a roda solitária no eixo traseiro. O carro de dois lugares tinha chassi tubular, transmissão por correntes com duas marchas, tração traseira e suspensão dianteira independente. O peso era de 150 kg.
Duas rodas na frente e uma atrás, motor Peugeot, direção por barra: o Morgan
surgia em 1909 para aproveitar a menor tributação a triciclos no Reino Unido
O Morgan 8, como foi chamado, acabou se tornando o mais famoso dos triciclos ingleses. As três rodas eram então populares devido a uma menor tributação para esse tipo de veículo no Reino Unido em comparação a automóveis. Com a produção em série, outros motores acabaram também sendo usados no modelo, das marcas Blumfield, Precision, Mag e Anzani. Seu desempenho, com boa relação peso-potência para a época, era surpreendente. Ajudava também a estabilidade acima do usual, que o tornava um favorito entre os esportistas.
O 4/4 continua em produção até hoje, com sua carroceria sendo basicamente uma evolução do modelo original — e mantendo a estrutura de madeira em sua construção
Em 1912 era construído pela empresa um quatro-lugares experimental. No ano seguinte, os Morgans passavam a vir com iluminação elétrica. Para os esportistas surgia em 1914 o Grand Prix, de competição. Mais um ano e um quatro-lugares era colocado em produção, com o apropriado nome de Family. Para 1916 surgia um modelo com traseira mais aerodinâmica, em formato afilado e longo, e capaz de alcançar 130 km/h. Esse triciclo, que recebia dois anos mais tarde o nome de Aero, tinha como característica marcante seu motor situado fora do capô, à frente de onde ficava o radiador — ou ficaria, já que algumas versões o dispensavam por ter motor refrigerado a ar. Uma coisa ninguém podia negar sobre esse Morgan: era muito divertido!
Os modelos de dois lugares passaram em 1919 a ser disponíveis nas versões básica, Sports e De Luxe; no ano seguinte os carros ganhavam partida elétrica. Devido ao enorme sucesso, não tardou para que surgissem interessados em produzi-los sob licença. Na França, o triciclo foi construído pelas empresas Darmout e Sandford. A última, pertencente ao inglês Malcolm Stewart Sandford, fabricava versões com algumas alterações, como câmbio de três marchas e motores Ruby de quatro cilindros com 1,0 e 1,1 litro de cilindrada, tendo alguns sido equipados com compressor.
Motores mais potentes e chassis ampliados passaram a equipar os triciclos;
nesse Super Sports 1927, o co-piloto ajudava a manter a estabilidade em corrida
Motores Blackburne com válvulas no cabeçote vinham em 1925; um ano depois, chassis maiores passavam a equipar todos os modelos, assim como freios dianteiros nas versões básica, Super Aero e Family — até mesmo pequenos furgões foram construídos sobre o chassi deste último. A potência do Super Aero, de 45 cv no motor de 1,1 litro, lidava com apenas 400 kg de peso. O carro continuou a ser aperfeiçoado, com freios nas três rodas em 1931 nas versões De Luxe e Super Sports, a opção de motor Ford de quatro cilindros e câmbio de três marchas de série um ano depois.
Em 1933 surgia a versão F4, com motor Ford, que já não tinha o motor à frente do radiador, mas sim sob o capô. Em mais um ano vinham uma versão esportiva do Family (com dois bancos traseiros pouco confortáveis) e o F-Type, com motor Ford de 933 cm³. Enquanto isso, a versão Super Sports vinha com motor Matchless de 1,0 litro e opção de refrigeração a ar ou a água — com o motor MX4 a potência era de mais de 40 cv.
Quatro rodas, quatro cilindros
Apesar das constantes melhorias, a concorrência de carros como o MG M começava a levar clientes da Morgan. Por isso, em 1936 a empresa apresentava seu primeiro carro de quatro rodas: o 4-4, denominação que vinha de quatro rodas e quatro cilindros. Com a grafia alterada para 4/4, ele continua em produção até hoje, com sua carroceria sendo basicamente uma evolução do modelo original — e mantendo a estrutura de madeira em sua construção. O primeiro motor era um Coventry-Climax de 1,1 litro com potência de 34 cv.
O primeiro 4-4 mantinha a construção com estrutura de madeira, mas adotava
um motor Coventry-Climax de 1,1 litro e quatro cilindros com potência de 34 cv
O 4-4 mantinha as características dos triciclos, como suspensão dianteira independente e baixo peso, que contribuíam para um ágil desempenho e permitiam atingir velocidade máxima de 120 km/h. O desenho apresentava para-lamas curvos, portas pequenas, radiador plano e capô bipartido com diversas aletas. Mas não por isso a marca deixou de lado os triciclos: surgia a versão F Super, de quatro lugares, com motor de 1,2 litro e 40 cv, que passou a ser usado também no F-Type.
Os triciclos com motor V2 saíam de linha em 1939, deixando apenas os com motor Ford de quatro cilindros em produção. No mesmo ano, o 4-4 passava a vir com um motor Standard 10 HP de 1,3 litro e 40 cv para um peso de 686 kg. Depois da Segunda Guerra Mundial, encerrada em 1945, os triciclos recebiam motores Matchless e Ford refrigerados a água. O 4/4, ainda com freios comandados por cabos, vinha nas versões Drophead e Roadster — a última com portas mais baixas para um ar mais esportivo.
O motor Standard 10 HP dava lugar em 1950 a um Standard Vanguard de 2,1 litros que, devidamente modificado, fornecia 68 cv. Para se adequar ao novo trem de força, o chassi foi alongado em 10 cm. O carro passou a pesar 760 kg e vinha com freios de comando hidráulico. As alterações, que vieram junto com a mudança de nome do carro para Plus Four, marcaram o curto período em que o 4/4 não fez parte do catálogo do fabricante. Em julho de 1952 deixava a linha de montagem o último Morgan de três rodas anterior a um hiato de 59 anos no qual a empresa não ofereceu veículos com essa conformação. Era um F4 com motor Ford Ten de 1,2 litro. Estima-se que foram feitas 40.000 unidades dos triciclos entre os ingleses e os franceses licenciados.
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Os especiais
O SLR (foto da esquerda) foi o mais famoso Morgan especial. Foram construídas entre 1963 e 1965 apenas três unidades, que tinham uma carroceria de alumínio feita pela Williams & Pritchard, bastante aerodinâmica, sobre chassi Morgan com motor Triumph. Projetado por Chris Lawrence com desenho de Chris Spender, chegava a 240 km/h.
O Rhodes (direita) foi construído nos EUA em 1956 sobre chassi Morgan Plus Four. Seu desenho lembrava muito os carros esporte italianos da época, como Ferrari e Maserati, e foi desenhado por Cecil Rhodes.
O Isis era um Morgan Plus 8 convertido nos EUA para usar o motor LS2 do Chevrolet Corvette. Com peso moderado, seu desempenho impressionava: mais de 240 km/h e 0-100 km/h em 4,2 segundos.
O Conrardy-Morgan Grand Sport foi um dos poucos carros feitos em Luxemburgo. Era um cupê de dois lugares feito em metal sobre chassi do Plus Four, com desenho de Paul Conrardy. O encarroçador espanhol Pedro Serra também produziu uma carroceria especial sobre chassi Morgan 4/4. Tratava-se de um cupê.
A inglesa Coventry Laminates criou uma carroceria especial para o chassi do Plus Four. Apresentada em 1961, era do tipo conversível de dois lugares, feita em plástico e fibra de vidro e projetada por David Hunt.