Depois de ganhar para-brisa e motor Stutz de 16 válvulas na série S, o Bearcat
chegava à série H (na foto um modelo 1920) com acesso mais fácil à cabine
Dali em diante, o êxito da marca cresceu: de 1.079 unidades produzidas em 1915, passou-se a 2.207 em 1917. Curiosamente, teve pouca influência nesse êxito o lançamento de um Stutz mais simples e barato em 1915, o HCS — iniciais do fundador da empresa —, um roadster com motor de apenas 23 cv que saiu de produção depois de só um ano.
As maiores alterações no Bearcat eram efetuadas na Series S de 1917: a carroceria ganhava para-brisa, capota e laterais mais altas (ainda fixas, de modo a ser preciso passar por cima delas para acesso à cabine) e, sob o capô, estreava o motor da própria Stutz de quatro cilindros, 5,9 litros e 16 válvulas — um dos primeiros no mundo com tal solução — com 80 cv. Seu desempenho era tão convincente que a marca substituiu, com ele, até o antigo seis-cilindros.
O desconforto para entrar e sair era atenuado com a Series H, dois anos depois, que trazia recortes laterais mais baixos. Contudo, a mudança de lugar do motorista para o lado esquerdo na linha Stutz (até então ele se sentava à direita, no padrão inglês, pois ainda não havia uma regra sobre isso nos EUA) inviabilizou a produção do Bearcat: sua compacta cabine não permitiria instalar no centro as alavancas de câmbio e freio, que antes ficavam na parte externa direita do carro. Na linha 1924 ele não mais aparecia. Estima-se que tenham sido produzidas cerca de 1.000 unidades.
O desempenho do novo 5,9-litros era bom, mas o Bearcat não resistiria à mudança
do volante para a esquerda; no anúncio, o mais acessível Stutz HCS de 1915
O Bearcat tinha como concorrente mais direto o Mercer Raceabout, também com proposta de carro esporte com rua com características de competição. A revista Special Interest Autos, em 1991, colocou lado a lado os dois modelos em versões de 1918 e observou: “O Mercer é puro prazer de dirigir em uma estrada sinuosa, enquanto o Stutz parece quase um caminhão. Mas force o Raceabout nas curvas e a traseira sai. Em uma superfície lisa, o Stutz mantém-se colado à estrada. Pareceu-nos ainda que o Bearcat opera de forma um pouco mais suave em velocidades de autoestrada”.
“Dê partida e você sente cada explosão fazendo girar os pesados componentes internos do Bearcat; acertar a tangência de uma curva é mais questão de força que de precisão”
Afinal, qual era o melhor? “Difícil dizer. Nós realmente gostamos mais do Mercer. É um carro mais sofisticado, bem acabado, de melhor aparência, mais fácil de dirigir e confortável ao rodar. Ele parece ter sido construído com uma atitude de ‘não importa o custo’. Mas ele valia mesmo tanto mais que o Stutz?”, questionava a revista. Pelos preços de 1918, o Raceabout custava US$ 3.600, cerca de 40% mais que os US$ 2.550 do Bearcat.
Mais tarde, em 2011, a Road & Track fazia um interessante paralelo entre o Stutz de 1914 e o então novo Chevrolet Corvette Grand Sport. Havia pontos em comum além da esportividade, como o fato de oferecerem desempenho à altura dos carros esporte europeus de seu tempo por um preço menor, a ênfase de suas mecânicas na confiabilidade e até mesmo o uso de transeixo na traseira. E quanto às sensações ao dirigir o clássico?
O sofisticado SV-16 Monte Carlo com carroceria Weymann, que simulava couro na
superfície externa, mostra como a Stutz se redirecionou para conforto e segurança
“Dê partida e você praticamente sente cada explosão individual fazendo girar os pesados componentes internos do Bearcat a uma preguiçosa marcha-lenta. Acertar a tangência de uma curva com o Stutz é mais uma questão de força nos braços que de precisão. E uma simples mudança de marcha — que requer a articulação de todo o braço e o torso, além de dupla debreagem — cansa mais que esticar as seis marchas do Corvette em uma travessia do país de costa a costa. Apesar de sua grande altura de rodagem, o Stutz ainda foi desenhado para ser estável, com um centro de gravidade relativamente baixo”, observava o teste.
Crise e mudança de mãos
Nos anos seguintes a Stutz enfrentou uma crise financeira que, em 1919, levou o fundador a vender a empresa. Harry instalou-se em outro endereço da mesma cidade e abriu a HCS (não confundir com o modelo de 1915, citado acima), uma competidora da marca original. Três anos mais tarde, em concordata, a Stutz passava às mãos de três investidores — sendo um deles Charles M. Schwab, um dos “magnatas do aço” dos EUA, que convidou para ser o novo presidente o húngaro Frederick Ewan Moskowics.
Com experiência nas marcas Daimler-Motoren-Gesellschaft, Marmon e Franklin, Moskowics assumiu em 1923 e redirecionou a política da Stutz de desempenho e esportividade para conforto, requinte e segurança, ao adotar soluções como vidros temperados, baixo centro de gravidade e o sistema Noback de transmissão, que impedia o carro de rodar para trás quando fosse arrancar em uma subida. Charles S. Crawford, que trabalhara na Cole Motor Company, era o engenheiro chefe.
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Para ler
Car: The Definitive Visual History of the Automobile – editora DK Publishing. O livro de 360 páginas, lançado em 2011, traz grande número de modelos de diferentes períodos. O Bearcat aparece entre os esportivos de sua época, mas a obra não é detalhada.
Racing Stutz – por Mark Howell, editora Ballantine Books. Uma antiga obra para quem tem grande interesse na marca norte-americana. Publicada em 1972, aborda sua trajetória nas pistas em 160 páginas.
Supercars Field Guide – por Doug Mitchel e Tom Collins, editora Krause Publications. No livro de 2005, com 408 páginas, o Bearcat mereceu quatro páginas. Estão na obra mais de 100 modelos, de clássicos como esse Stutz até os modernos Corvette, Ferrari e Lamborghini.
1001 Dream Cars You Must Drive Before You Die – por Simon Heptinstall, editora Universe. O Bearcat não foi esquecido entre os “1.001 carros de sonho que você deve dirigir antes de morrer”, merecendo duas páginas no livro de 960 páginas publicado em 2012.
Nas telas
Na série de TV Bearcats!, transmitida por 13 semanas na televisão norte-americana CBS em 1971, dois detetives particulares (personagens de Rod Taylor e Dennis Cole) dirigem os Stutzs em aventuras que se passam antes da Primeira Guerra Mundial. Os veículos eram réplicas construídas por George Barris, o “rei da customização”, e usavam motor Ford de seis cilindros.
Outras participações dos modelos Stutz no cinema são mais comuns do que sua reduzida produção pode fazer esperar. O Bearcat dos primeiros anos de produção pode ser visto na comédia The Roaring Road (1919), no drama Asas de Águia (The Wings of Eagles, 1957), na comédia Doce Verão dos Meus Sonhos (Summer Magic, 1963) e nos dramas Rascal (1969) e A Grande Esperança Branca (The Great White Hope, 1970). No policial Estranha Compulsão (Compulsion, 1959) aparece um modelo de 1920. Até no seriado Simpsons aparece um, no episódio 20 da nona temporada.
Outros carros da marca estão no filme de velho oeste Just Pals (1920), que mostra um modelo S de 1918; no policial Homens Perigosos (Hoodlum, 1997), com um modelo BB de 1928; e na aventura A Vingança de Bulldog Drummond (Bulldog Drummond’s Revenge, 1937), que traz um SV-16 de 1931.
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