Controle de tração: a vantagem da vetorização de torque

O controle eletrônico de tração também pode servir como uma espécie de bloqueio de diferencial ou de diferencial de deslizamento limitado? O Best Cars é um dos melhores sites automotivos do Brasil, com matérias muito completas.

Bruno Santos – São Paulo, SP

 

Sim, pode, mas depende de cada modelo e de como foi calibrado. O bloqueio de diferencial a 100% (por exemplo, o sistema Locker usado pela Fiat em versões Adventure) faz com que as duas rodas girem à mesma rotação, sem depender de qualquer outro fator. Por isso, não deve ser usado em pisos de alta aderência e foi previsto apenas para uso em baixa velocidade — o sistema desativa-se ao atingir 20 km/h.

O diferencial autobloqueante ou de deslizamento limitado segue o mesmo princípio, mas só até certo limite de diferença de torque entre as rodas. Carros com esse dispositivo possuem uma característica interessante, em especial os de tração traseira. Em uma curva lenta em asfalto seco não se nota diferença, mas em curva fechada em superfície de pouca aderência — como terra ou cascalho — a roda interna à curva literalmente patina (gira mais do que deveria), devido à atuação do diferencial autobloqueante, que força as duas rodas a girarem juntas. Esses sistemas podem trazer melhor tração em arrancada, mas têm desvantagens como maior consumo de combustível e desgaste de pneus em curvas.

 

Ford Focus RS vetorizacao


Os componentes do sistema de vetorização de torque aplicado ao Ford Focus RS

 

O controle eletrônico de tração originou-se do sistema de freios antitravamento (ABS). Ao detectar que uma roda do eixo gira mais que a outra, o sistema aplica o freio àquela roda para igualar a rotação de ambas. Caso perceba que as duas rodas motrizes estão girando mais que as não motrizes, o controle pode ainda reduzir o torque produzido pelo motor.

No fim das contas, em uso severo fora de estrada, o controle eletrônico acaba fazendo o papel de diferencial com bloqueio, mas de forma passiva: só atua quando uma roda gira mais que a outra, freando-a e transferindo mais torque para a roda com mais tração. A mesma situação pode ocorrer em curva fechada com grande solicitação de torque, a ponto de fazer a roda interna perder tração. Mas esse sistema é limitado e lento, pois sempre será reativo, e não ativo. Por isso, não se pode dizer que traria o mesmo efeito de um diferencial com bloqueio ou autobloqueante.

 

 

Contudo, diversos fabricantes têm adotado a nova solução do torque vectoring ou vetorização de torque, que usa recursos do controle eletrônico de estabilidade, como acelerômetro e sensores de ângulo de direção e de velocidades das rodas. Por meio desses parâmetros, o sistema percebe que naquela condição a roda interna pode vir a perder tração — ou mesmo já a perdeu — e atua de forma bastante rápida para freá-la, de modo de mantê-la no limite de velocidade e de tração e a transferir mais torque para a roda externa à curva.

Assim, a vetorização obtém enorme vantagem em relação ao sistema mecânico de bloqueio, o qual sempre “força” as duas rodas a girarem à mesma velocidade. O novo sistema produz ainda uma diferença de torque entre as rodas do mesmo eixo, o que o sistema mecânico não consegue. Mais torque enviado à roda externa cria uma força que ajuda o veículo a contornar a curva, literalmente empurrando-o para dentro.

Mas ambos os sistemas possuem uma limitação. Em um carro de tração dianteira sem nenhum sistema (eletrônico ou mecânico) com esse fim, ao acelerar a fundo em uma curva fechada pode ocorrer que a roda interna comece a patinar, pois o torque em ambas as rodas é o mesmo, mas a carga normal no pneu interno é menor, ou seja, há menor capacidade de aderência. Nessa situação, em que a roda interna patina, limita-se o torque repassado para a roda externa, a qual continua como estava — o veículo não ganha velocidade, mas mantém a trajetória.

 

 
Exemplo de atuação do sistema do Focus em uma curva acentuada à esquerda

 

Já com bloqueio, tanto o mecânico quanto o eletrônico, a transmissão de mais torque para a roda externa pode chegar ao ponto de levá-la a seu limite de aderência. Nesse caso, com tração dianteira o veículo subitamente se torna subesterçante, ou seja, tende a abrir a trajetória da curva. Se a tração for traseira isso se torna mais perigoso, sobretudo em piso molhado ou com neve, pois de repente o carro se torna sobresterçante e tende a rodar.

É claro que o sistema eletrônico detecta essa situação e a corrige, por meio de redução do torque do motor e da frenagem da roda mais apropriada. Portanto, a vetorização de torque pode até aumentar a capacidade de curva, sobretudo em veículos com tração dianteira em curvas fechadas e em subida, mas há um limite para que ela consiga ajudar. O sistema mecânico, por sua vez, cria uma força adicional para manter o veículo em linha reta, pois a roda interna tenta seguir a mesma velocidade da externa. Por isso é que se trabalha com deslizamento limitado: o diferencial é bloqueado em apenas um percentual de quanto torque se “freia” entre uma roda e outra.

Hoje há também sistemas eletrônicos que atuam não apenas nos freios, mas no próprio diferencial — recurso mais comum em veículos com tração integral permanente, dotados de diferencial central, que é capaz de alterar a quantidade de torque enviada para o eixo dianteiro e para o traseiro. Com isso, em determinadas situações se transfere mais torque para onde se quer por meio de pacotes de embreagens controlados pelo sistema eletrônico.

Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: divulgação

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