Lugging: motor “arrastando-se” causa vibrações nocivas

O que é exatamente o lugging? A dúvida surgiu em uma conversa entre amigos e nenhum foi capaz de encontrar uma resposta conclusiva. Sei apenas que ele ocorre quando existe muita abertura do acelerador para uma faixa de pouco torque do motor, o que pode romper o filme do óleo lubrificante. Existe uma regra de quando ele pode ocorrer ou varia de modelo para modelo? Como é bom ver esse espaço reativado no site, que é ímpar na mídia automotiva nacional.

Davi Reis de Souza – Belo Horizonte, MG

 

Lugging, ou arrastar-se em uma tradução livre, é um fenômeno interessante que o pessoal dos fabricantes da área de NVH (noise, vibration & harshness, ou ruído, vibração e aspereza) discute com frequência. Para entender melhor, vamos lembrar que o motor a combustão a quatro tempos tem apenas uma explosão a cada duas voltas para cada pistão. Ou seja, durante 1,5 volta a velocidade do virabrequim está diminuindo, desacelerando (sobretudo na fase de compressão), e de repente em meia volta se tem uma forte aceleração devido a uma grande explosão.

Além disso, essa explosão não resulta em força e aceleração ao pistão de forma muito progressiva. O resultado disso tudo são “golpes” que fazem o virabrequim girar, causando grande variação em sua velocidade de rotação (veja no gráfico abaixo). Pode parecer desprezível e mesmo imperceptível, pois tudo acontece muito rápido, “amortizando” todo esse efeito devido às inércias envolvidas, bem como à nossa capacidade de percepção de algo que acontece tão rápido.

Contudo, se medirmos com grande resolução a variação de velocidade de rotação do virabrequim, veremos grandes oscilações. Quanto maiores o número de cilindros — o que diminui o espaçamento entre as explosões — e a massa girante do motor (entenda-se inércia), menores serão essas variações, o que torna o movimento de rotação do virabrequim mais constante.

 

 

Olhando para o gráfico (linha preta), podemos ver que a rotação varia bastante em função do tempo e que há uma frequência (espaçamento) entre os picos e vales. Quanto maior a rotação do motor, menor será a variação de velocidade de rotação, devido à influência da inércia do motor e do sistema de transmissão, bem como será menor o espaçamento entre os picos. Levando em conta um motor em específico, essa frequência será a mesma com qualquer carga (abertura de acelerador) na mesma rotação.

No entanto, ao se aplicar grande carga ao motor, exigindo maior torque para manter a mesma rotação, os picos de variação (amplitudes) serão bem maiores: maior explosão para produzir mais torque e acelerar o conjunto e, ao mesmo tempo, maior desaceleração devido à carga que está “freando” o motor. Essa vibração se torna perceptível para nós após atingir certas amplitude e frequência, quando pode casar com a frequência natural de diversas partes do veículo e mesmo com nosso corpo.

Além disso, como visto no gráfico, a vibração oriunda da combustão é transmitida para a caixa de transmissão (linha azul) por meio da embreagem. Por isso é que existem molas no disco de embreagem e o volante de duas massas, ambos as soluções com o objetivo de filtrar tais vibrações. Vibrações que, além de desconfortáveis, são muito prejudiciais a todo o sistema de transmissão, incluindo as engrenagens, pois a fornecimento de torque por “golpes” reduz em muito a capacidade de torque que se pode transmitir sem quebra e aumenta bastante a fadiga mecânica de todo o sistema. Essas vibrações também induzem a fadigas em toda a estrutura do veículo.

 

 

Já em caso de transmissão automática, tal vibração é bem absorvida pelo conversor de torque, que transmite o torque e a rotação para a entrada da transmissão — nesse caso a transmissão é feita por um meio hidráulico, o fluido, e não mecânico. Mas as caixas de transmissão automáticas possuem bloqueio do conversor (lock-up), uma espécie de embreagem que elimina a atuação do conversor a partir de certa condição, definida na calibração, para economizar combustível.

Ou seja, todo o conjunto motor-transmissão sofre com esse “arrastar” e, ao mesmo tempo, influencia para que a rotação de ocorrência do fenômeno (o lug limit, como usado na indústria) seja maior ou menor. Não se pode isolar só o motor, a fonte da vibração, e dar o problema como resolvido: a ressonância é oriunda de todo o conjunto, que precisa estar com certa rotação para que ela seja notada.

Por isso em marchas mais altas, como uma quinta marcha a 1.200 rpm, se sente toda a vibração: o espaçamento (frequência) dos “golpes” no conjunto de transmissão se torna maior do que em marcha mais baixa. Indo além, todo o sistema de fixação e de buchas do conjunto motor-transmissão contribui, pois é responsável por deixar passar mais ou menos dessa vibração para a estrutura do veículo. A própria estrutura de carroceria ou chassi também influencia na percepção ou não dessas vibrações.

Volantes de motor: o de dupla massa (à direita) contribui para filtrar melhor as vibrações

 

Há diversas maneiras de reduzir a ocorrência do fenômeno. A seguir, algumas delas:

• Aumentar o número de cilindros para mesma cilindrada, caminho oposto ao do conceito atual de eficiência e baixo custo de fabricação.

• Aumentar a inércia do motor, sobretudo do volante, o que tem a desvantagem de aumentar a energia necessária para acelerar o conjunto e, em consequência, prejudica o consumo de combustível e o desempenho.

• Aumentar a inércia do sistema de transmissão (mesmo problema de aumentar inércia do motor).

• Aumentar a capacidade de amortecimento da embreagem, usando molas maiores em comprimento (claro que há um limite físico para isso). Por serem mais longas podem ser mais “macias”, o que aumenta a sensação de motor não tão “conectado” às rodas.

• Usar árvores de transmissão com menor rigidez torcional: mesmo efeito das molas mais macias e de comprimento maior da embreagem.

• Trabalhar com todo o sistema de posicionamento da fixação de motor e transmissão, bem como suas buchas: envolve grandes diferenças de custo.

Quanto à questão de possível quebra, há o mito de que o motor “arrastando-se” pode romper o filme de óleo lubrificante das bronzinas, com risco de quebra do motor. Estaria relacionado a maior carga nos mancais, devido ao torque alto em uma rotação na qual a vazão e a pressão de óleo não seriam suficientes, mas isso não ocorre em motores modernos. Contudo, digamos que não é saudável para o motor e a transmissão — bem como o veículo como um todo — ficar na condição de vibração excessiva, que só faz aumentar a fadiga de todos os componentes envolvidos.

O fenômeno em questão é um fator limitante para o método carga preconizado pelo Best Cars, pelo qual se trabalha com rotação mais baixa e maior carga para favorecer o consumo de combustível. É preciso perceber em cada condição, marcha e necessidade de torque se vale a pena insistir naquela marcha ou é preferível reduzir e aliviar o acelerador. Em carros de caixa automática há contínuos estudos de quais as rotações mínimas em cada marcha, com diversas solicitações de torque, para que o motor não se “arraste”.

Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: divulgação

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