Como pode um motor de três cilindros em ciclo Otto, com tempos pares na combustão, ser mais eficiente do ponto de vista técnico que um quatro-cilindros com a mesma engenharia como comandos duplos e variáveis, duas válvulas termostáticas, etc.? Um motor quatro-cilindros de mesmo deslocamento e com essas configurações não teria mais torque, potência, economia e suavidade que esses três-cilindros? Falar bem desse site é chover no molhado.
Juliano – Viamão, RS
Como esclarecemos no artigo técnico sobre a atual tecnologia dos motores, a vantagem em eficiência de usar menos cilindros para a mesma cilindrada está na relação volume/área dos cilindros. Quanto maior o cilindro, maior será (em termos de proporção) seu volume em relação à área, o que significa menor conversão da energia em calor perdido para as paredes do cilindro.
Para ficar mais didático, pense num cubo com um metro de lado. Seu volume será de 1 metro cúbico (m³), enquanto a soma das áreas das faces será de 6 metros quadrados (m²). Se aumentarmos o lado para 2 m, teremos volume de 8 m³ e área de 24 m²: o volume aumenta 8 vezes, mas a área apenas 4. Se pensarmos que dentro desse cubo se gera calor pela queima de combustível, veremos que sua área para trocar o calor foi reduzida pela metade em relação ao volume.
A BMW adotou um três-cilindros de 1,5 litro, que segue o recente parâmetro de 500 cm³ por cilindro como a cilindrada ideal
Usando o mesmo conceito para o motor, onde temos um cilindro e não um cubo para queimar a mistura ar-combustível, ao dobrar o volume do cilindro, tem-se a relação de metade da área para roubar o calor da energia liberada do combustível (que será convertida em movimento), o que aumenta a eficiência e a potência/torque do motor.
Essa relação volume/área também se aplica a nosso corpo: bebês e crianças tendem a sofrer mais de frio e entrar em hipotermia com maior facilidade que os adultos, por terem menor volume corporal para maior área de troca de calor, a pele. Por outro lado, pessoas corpulentas sofrem mais com o calor por seu grande volume e maior geração de energia para uma área de pele proporcionalmente menor. Grosso modo, é como se a pessoa maior produzisse 8 vezes mais calor e tivesse seu “radiador” (a pele) aumentado apenas 4 vezes.
Voltando aos motores, há outros fatores que limitariam o volume dos cilindros: ganha-se na relação volume/área, mas se perde na distância que a frente de chama tem de percorrer durante a combustão, o que limita também a rotação máxima. Exagerando para fins didáticos, o tempo para a frente de chama percorrer um cilindro muito grande poderia ser maior que o tempo para o pistão chegar ao ponto-morto inferior (PMI), não aproveitando o combustível por inteiro. Tanto que os motores mais eficientes são os de grandes navios, que chegam a ter 10 metros de altura, mas operam com rotações tão baixas quanto 100 rpm.
No caso de automóveis, há quem defenda que o volume ideal de um cilindro para eficiência e economia está próximo de 500 cm³. Marcas como Audi, BMW e Mercedes-Benz têm seguido essa doutrina nos últimos anos, como nos motores de 1,5 litro com três cilindros (apenas BMW), 2,0 litros com quatro cilindros, 3,0 litros com seis cilindros e 4,0 litros com oito cilindros (este não oferecido hoje pela BMW, mas pode ser questão de tempo para retomá-lo). Por esse prisma um motor de quatro cilindros e 1,0 litro (250 cm³ por cilindro), como se usou amplamente no Brasil desde 1990, estaria longe do ideal.
Além dessa vantagem termodinâmica, os motores de três cilindros têm menos partes móveis e, em consequência, menor atrito que os de quatro cilindros de mesma cilindrada. Quanto às vibrações, tanto uma configuração de motor quanto a outra apresentam problemas de formas diferentes, a ponto de muitos motores de quatro cilindros com maior cilindrada (em geral, acima de 2,0 litros) recorrerem a árvores de balanceamento para atenuá-las.
Em um motor de quatro cilindros em linha, as distâncias em relação ao centro do virabrequim não são as mesmas quando dois pistões estão no ponto-motor superior (PMS) os outros dois estão em PMI: isso causa diferenças de velocidade dos pistões e acaba por produzir forças diferentes e, em consequência, vibrações. Olhando o motor de lado, como se abrisse o capô de um carro com motor transversal, o quatro-cilindros em linha teria uma força resultante “jogando” o motor como um todo para cima e para baixo conforme o movimento alternado dos pistões.
Motores de forças autobalanceadas são apenas os de número pares de cilindros em linha, a partir de seis, e os V12. Tanto que a configuração de seis cilindros em linha já foi adotada por muitos fabricantes — e bastante apreciada — por seu funcionamento suave e com poucas vibrações (oito cilindros em linha foram usados em outros tempos). Mas tal disposição praticamente requer montagem longitudinal, devido ao comprimento do motor, além de exigir um bloco mais rígido e pesado para reduzir sua flexão, devido à grande distância do primeiro ao sexto cilindro. Seis cilindros em linha com posição transversal é solução rara, como em alguns Volvos e no Land Rover Freelander, anos atrás.
Em relação ao quatro-cilindros, o motor de três cilindros tem essas forças desbalanceadoras eliminadas, pois os cilindros estão defasados em 120 graus no virabrequim. Por isso não mostra a tendência a sair “pulando”. Por outro lado, devido à posição dos cilindros e à ordem de queima, criam-se forças que tendem a “balançar” o motor como se fosse uma gangorra de parque infantil (novamente olhando de lado).
Há uma questão adicional nessa configuração: o grande espaçamento entre a combustão de cada cilindro aumenta a tendência a vibrações em baixas rotações, o conhecido lugging (“arrastar-se”). Nesses casos há uma combustão a cada 240 graus da volta do virabrequim, o que se traduz em grande intervalo de tempo em desaceleração com um súbito golpe devido à combustão.
Por esses motivos os fabricantes devem usar virabrequim e volante com massa maior, para reduzir o efeito “gangorra” e a variação de rotação entre uma combustão e outra. Quanto mais massa, menor a vibração transferida e mais suave é o motor. Contudo, esse recurso aumenta a inércia para ganhar rotações, o que eleva o consumo (sobretudo no uso urbano) e reduz o desempenho em retomadas. Por isso, considerando que o foco desses modelos costuma ser a eficiência energética, vale ao fabricante gastar um pouco mais em coxins e isolamento — ou impor ao motorista que se acostume a certas vibrações em benefício do desempenho e da economia.
Texto: Felipe Hoffmann – Foto: divulgação