Centenário em um país sem grandes fábricas de automóveis,
o evento suíço apresenta-se todo ano com glamour
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A neutralidade de seu território — que não possui grandes fabricantes de automóveis, mas apenas construtores de carros especiais — e o espaço de seis meses dos outros principais eventos na Europa (o de Frankfurt, nos anos ímpares, e o de Paris, nos pares, sempre entre setembro e outubro) são os fatores que garantem, há mais de 100 anos, o sucesso do Salão de Genebra.
Hoje realizado no centro de convenções Palexpo (Palais des Expositions et des Congrès), o evento teve sua primeira edição em 1905, um tempo em que o automóvel era por si só novidade para muita gente. A “Première Exposition Nationale Suisse de l’Automobile et du Cycle”, aberta de 29 de abril a 7 de maio daquele ano, apresentava não só carros com motor a combustão, mas também elétricos e a vapor, formas de propulsão que buscavam seu espaço nos primórdios da indústria.
Um desses automóveis, o Clément-Bayard francês, extraía 20 cv de um motor a gasolina de quatro cilindros e 2,3 litros, o bastante para assustar nas ruas, com seu barulho e com o rápido movimento — para os padrões da época, é claro —, os pedestres não acostumados a “carruagens sem cavalos”. Depois de três edições anuais (a última delas, em 1907, realizada em Zurique), o salão ressurgia apenas em 1923 e passava a acontecer em março, como ainda hoje.

O estande da Mercedes-Benz em 1924, o Clément-Bayard (atração
do primeiro salão suíço, em 1905) e o Opel Laubfrosch de 1925
No ano seguinte ganhava âmbito internacional, tornando-se o “Salon International de l’Automobile et du Cycle”. Aquela edição marcou a estreia do Fiat 502, um modelo médio com versões sedã e conversível e motor de 1,5 litro e 23 cv. Em 1925 os alemães lançavam o Opel 4/12 CV Laubfrosch (“três sapos”), primeiro carro do país feito em linha de montagem, que era oferecido como sedã, conversível Torpedo e furgão, sempre com motor de 950 cm³.
O Mercedes 540 K era atração em 1938:
oito cilindros em linha, 5,4 litros, mais de
170 km/h — um devorador das Autobahnen
Concluída a construção do novo pavilhão de exposições Plainpalais em 1926, o salão se mudava para um espaço maior. Dois anos mais tarde a Ford exibia o Modelo A, sucessor do carro que deu rodas à América, o Modelo T. Seria mais um grande êxito, com quase cinco milhões fabricados em cinco anos. Havia também espaço para carros suntuosos e potentes como o Mercedes-Benz SSK, que estreou no evento de 1929 com motor de seis cilindros, 7,1 litros e até 225 cv.
Nos anos 30, pilotos como Rudolf Caracciola se destacariam ao volante desse e de outros Mercedes com compressor. Ou o Maybach Zeppelin de 1931, o topo de linha dessa marca de prestígio, que a Mercedes faria renascer sete décadas depois de seu fim. Com o mesmo nome do famoso dirigível alemão, o carro usava motor V12 de 7,0 litros e 150 cv e podia vir também como conversível. Na edição seguinte do salão a Alfa Romeo lançava o 8C 2300, cujo motor de oito cilindros em linha e 2,3 litros fora desenvolvido para corridas, mas teve variações para uso em rua.
Enquanto o Mercedes SSK com compressor (em cima) esbanjava
desempenho, em 1928, a Ford apresentava o bem-sucedido Modelo A
Marcas hoje quase desconhecidas frequentavam os elegantes estandes de Genebra na época. Era o caso da Voisin, fabricante de aviões que em 1933 apresentava o sedã C23, com motor de seis cilindros, 3,0 litros e 90 cv e cuidados com a aerodinâmica.
Modelos revolucionários também estiveram por lá: o Chrysler Airflow em 1934, com sua baixa resistência ao ar e um estilo que criou grande resistência nos consumidores, e o Citroën 7 CV “Traction Avant” no ano seguinte, famoso por usar técnicas como a construção monobloco e a tração dianteira. A BMW mostrava em 1936 o 326, disponível como sedã e conversíveis de duas e quatro portas, com motor de seis cilindros e 50 cv, e um ano depois a Fiat divulgava a toda a Europa o 500 “Topolino”, que seria produzido com sucesso até 1955.
Outro grande Mercedes com compressor, o 540 K, era atração em 1938: oito cilindros em linha, 5,4 litros, 180 cv, mais de 170 km/h — um devorador de asfalto para as Autobahnen que Adolf Hitler havia mandado abrir pela Alemanha. No último evento antes da Segunda Guerra Mundial aparecia o Opel Kapitän, com estrutura monobloco e motor 2,5.
O aerodinâmico BMW 326, o suntuoso Maybach Zeppelin e o avançado
Citroën Traction Avant: luxo e tecnologia em Genebra nos anos 30
Retomado em 1947 em meio à recuperação física e econômica da Europa, o evento mostrava o inglês Bristol 400, um derivado do BMW 327 de antes do conflito, com motor de seis cilindros, 2,0 litros e 85 cv; e o italiano Maserati A6, seu primeiro modelo para uso em rua, com 1,5 litro, seis cilindros e 65 cv. Dois anos depois o público conferia o primeiro Ferrari não destinado apenas a competições: o 166 Inter, cupê ou conversível com linhas de Farina (só mais tarde se chamaria Pininfarina) e motor V12 de 2,0 litros com 115 cv. O alemão Borgward Hansa exibia-se com um recurso raro na época: caixa de câmbio automática.
Logo vinham modelos de diferentes categorias para renovar o mercado, como o Fiat 1400 em 1950, o Jaguar XK 120 em versão cupê em 1951 e o Fiat 8V (Otto Vu) no ano seguinte. De linhas imponentes, o 8V trazia motor V8 de apenas 2,0 litros e 115 cv — a Fiat nunca mais usaria essa configuração. Em 1953 a inglesa Triumph levava seu roadster TR2 com motor de 2,0 litros e, no ano seguinte, o sedã BMW 502 com um V8 de 2,6 litros revigorava o 501, até então criticado pelo baixo desempenho.
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