“Meio motor” de carro e outras soluções peculiares em uma moto média que serve para tudo
Texto: Geraldo Tite Simões – Fotos: autor e divulgação
Motores de dois cilindros em linha em motos não são novidade — nos anos 50 já se usava essa configuração. Mas buscar inspiração em um motor de automóvel é bem incomum. E foi o que a Honda fez ao projetar a NC 750X, que inicialmente surgiu como 700.
A NC 700X de 670 cm³ nasceu com praticamente “meio motor” de Fit, que tinha cilindrada de 1.339 cm³. Quando esse carro passou a 1.497 cm³, a NC subiu para 745 cm³, mantendo medidas de diâmetro e curso bem próximas às do Fit. O motor é de concepção incomum para motos, com comando de válvulas simples no cabeçote, quatro válvulas por cilindro e potência em um regime baixo: 54,8 cv a 6.250 rpm. O torque de 6,94 m.kgf chega a 4.750 rpm. Na anterior eram 48 cv e 6,3 m.kgf às mesmas rotações.
A NC nasceu para ser uma moto simples, econômica, voltada para os mercados norte-americano e europeu e que funcionasse como uma “moto-scooter”, tanto que existe a versão com transmissão automatizada de dupla embreagem. Deu certo e o resultado é uma moto interessante, com um tipo de comportamento muito diferente de tudo que se conhece. Além disso, tem um tremendo pulo do gato: o porta-capacete no que parece ser o tanque de combustível, item que na verdade fica embaixo do banco. Realmente uma moto com cara de scooter, mas infelizmente a transmissão automatizada não veio para o Brasil.
Por R$ 30 mil com ABS, a NC 750X oferece conforto e desempenho tranquilo; guidão largo é inconveniente na cidade
O primeiro contato com a NC 750X deixa claro ser um produto feito para ser simples, caso da balança traseira de aço, assim como o quadro tubular do tipo diamante. Encontram-se poucas peças de alumínio e por isso ela é pesada (209 kg a seco na versão avaliada, com freios antitravamento ABS). Mas assim que a colocamos em movimento tudo muda.
Na estrada, a NC 750X é uma beleza de conforto: mesmo com duas pessoas garante viagens tranquilas, com baixa vibração
Embora o ronco e o funcionamento dos motores de dois cilindros não sejam os mais belos, depois que a BMW conseguiu produzir um bom exemplar na linha F800 foi a vez de a Honda também mostrar que dois podem ser bons. O ângulo de inclinação dos cilindros, 62º (quase planos), abriu espaço para o porta-objetos, mas resultou na grande distância entre eixos de 1,538 metro. Como comparação, a custom Harley-Davidson 883 tem 1,542 m.
Ao se posicionar, o piloto percebe o guidão bem largo e então começa a entender melhor essa moto: os pneus e suspensão são de motos urbanas, quase esportivos; a distância entre eixos é de custom e o guidão é de moto de uso misto. A bem da verdade, a Yamaha fez algo parecido nos anos 90 com a TDM 850/900, com dois cilindros paralelos, mas de característica bem mais esportiva.
A NC tem painel digital e tanque sob o banco, o que pode ser incômodo ao abastecer, mas abre espaço para um capacete
Motor acionado, confirma-se que se trata de um bicilíndrico diferente. Uma das novidades da versão 750 foi a inclusão de um segundo contrapeso no virabrequim, que fez reduzir as vibrações. Em baixa rotação é possível sentir uma vibração discreta, mas na faixa de 3.000 a 4.000 rpm o motor se transforma e fica “liso”. A 120 km/h o conta-giros (por barras) indica 3.500 rpm. Como comparação, o motor de 700 cm³ atingia 4.000 rpm na mesma velocidade.
Por outro lado, o torque também surge em regime baixo: apesar do máximo a 4.750 rpm, a partir de 1.800 rpm o motor responde com vigor. Outro dado curioso é a caixa de câmbio, que não “pede” marchas como nos motores mais esportivos. É possível rodar em terceira ou quarta sem sentir necessidade de trocas. No uso urbano o guidão largo atrapalha um pouco: reduzir 2 cm de cada lado não faria diferença na pilotagem, mas a deixaria melhor no trânsito. Por outro lado, esse guidão esterça pouco — mais um problema para o uso na cidade. Pelo menos o calor do motor não se transfere tanto para o corpo do piloto.
Já na estrada, a NC 750X é uma beleza de conforto. Mesmo com duas pessoas ela garante viagens bem tranquilas, com auxílio do baixo nível de vibração. Felizmente há indicador de marcha no painel, porque é comum esquecer de engatar a sexta (uma sobremarcha), de tão silencioso é o motor. A pequena bolha não desvia o vento do capacete, mas existem no mercado opções de bolhas maiores.
Na hora de abastecer, uma boa surpresa: sem maior empenho ela obteve 27,3 km/l, mas com mais moderação na mão direita conseguimos 30,1 km/litro. A Honda optou por um motor menos emocionante para privilegiar o consumo e a baixa emissão de poluentes — e parece que deu certo. Ela tem ótima retomada de velocidade, mesmo em sexta marcha, e pode-se ultrapassar com segurança apenas girando o acelerador, sem reduzir.
Não é moto para se escolher pelo desempenho, mas o torque em baixa e a operação suave tornam agradável dirigir essa bicilíndrica
Sob o banco
Um dos ovos de Colombo da NC 750X — a localização do tanque sob o banco — talvez acarrete sua grande mancada, a posição do bocal de abastecimento. Para acessar o bocal é preciso levantar o assento do garupa, operação trabalhosa quando se viaja com bagagem sobre o banco. A BMW F 800R resolveu isso colocando o bocal do tanque na lateral. A montagem do tanque ali tem como outro objetivo centralizar as massas: essa moto é um caso raro de distribuição equilibrada com 50% em cada eixo.
Em um trecho sinuoso, a grande distância entre eixos cobra seu preço: ela torce um pouco nas curvas de alta velocidade, como as motos custom, mas só quando perto do limite. Um usuário padrão nem deve notar essa peculiaridade. Em trecho de terra a NC revela que não foi feita para uso fora de estrada, mas aguenta firme: só mesmo os pneus limitam a aventura pela natural vocação urbana. Viagem à noite também não é problema, porque o farol ilumina bem.
Apesar de ainda incompreendida no mercado, a NC 750X parece ter obtido mais sucesso que a Honda Transalp 700, moto que encalhou no Brasil. A versão avaliada tem preço promocional de R$ 30 mil (em São Paulo; sem ABS são R$ 28 mil), o que a coloca em pé de igualdade com a Yamaha MT-07. Há quem critique motos com essa versatilidade de uso, afirmando que são como patos — a ave que não nada direito, não voa direito, não anda direito. Essa seria a visão pessimista do pato, porque o otimista o vê como um animal versátil, capaz de andar, nadar e… voar. De certo modo, como a NC 750X.
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Ficha técnica
Motor | |
Cilindros | 2 em linha |
Comando de válvulas | no cabeçote |
Válvulas por cilindro | 4 |
Arrefecimento | líquido |
Diâmetro e curso | 77 x 80 mm |
Cilindrada | 745 cm³ |
Taxa de compressão | 10,7:1 |
Alimentação | injeção |
Potência máxima | 54,8 cv a 6.250 rpm |
Torque máximo | 6,94 m.kgf a 4.750 rpm |
Transmissão | |
Tipo de caixa e marchas | manual, 6 |
Transmissão final | corrente |
Freios | |
Dianteiro | a disco |
Traseiro | a disco |
Antitravamento (ABS) | sim |
Quadro | |
Material | aço |
Suspensão | |
Dianteira | garfo telescópico invertido |
Traseira | monomola |
Pneus | |
Pneu dianteiro | 120/70 R 17 |
Pneu traseiro | 160/60 R 17 |
Dimensões | |
Comprimento | 2,209 m |
Largura | 850 mm |
Altura | 1,284 m |
Entre-eixos | 1,538 m |
Altura do assento | 831 mm |
Capacidades e peso | |
Tanque de combustível | 14,1 l |
Peso a seco | 209 kg |
Dados do fabricante; desempenho e consumo não disponíveis |