Como anúncio de biscoito

Os resultados do mercado deixam a questão: um carro
vende mais porque é melhor ou... só porque vende mais?

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorUm dia desses, enquanto via o ranking de vendas do mercado interno no ano passado, um fato me chamou a atenção e trouxe uma certeza. Como eu já havia percebido, a aceitação de um carro no Brasil tem muito pouca relação com os atributos que ele mostra em uma avaliação especializada, como as que fazemos no Best Cars há mais de oito anos.

Já comentei aqui, na edição nº 232, sobre o insucesso de modelos como o novo Renault Mégane e o extinto Mercedes-Benz Classe A, que por suas qualidades deveriam vender muito mais, e sobre a influência da imagem da marca no êxito de um automóvel. Só que a lista dos "injustiçados" é maior e deixa no ar a pergunta: o que leva tantos brasileiros a escolher carros que nem sempre são os melhores de sua categoria?

A mesma Renault tem o exemplo do Clio, modelo que considero dos mais "honestos" e que vendeu em 2006 a média de 3.000 unidades mensais, sedã e hatch somados. Como referência, Palio e Siena chegaram às ruas à razão de 18.200 carros por mês! Seriam os modelos da Fiat tão superiores a ponto de vender 500% a mais?

Outra fábrica de "injustiçados" é a Ford. É verdade que Fiesta e EcoSport são sucesso, assim como o Fusion tem surpreendido em sua categoria. Mas, e o resto? As vendas do Focus — vencedor de vários comparativos no site e com notável relação custo-benefício — não chegaram à média de 1.500 por mês, cerca de metade dos 2.800 Astras mensais, sempre somando hatch e sedã. Um quadro que não foi diferente nos anos anteriores.

Também da Ford, merecia êxito bem maior o Mondeo, que deixou o mercado discretamente em abril. Para desprezarmos seu fim de carreira, em 2004 e 2005 a média foi de 23 e 11 unidades por mês, na ordem. O Fusion hoje consegue quase 800 carros mensais. Por melhor que seja, faz sentido que o novo topo de linha da marca venda cerca de 5.000% a mais que seu antecessor?

O papel do marketing
Entender essas diferenças requer não só acompanhar a estratégia de marketing dos fabricantes, mas tentar saber o que se passa na cabeça dos consumidores brasileiros. Sobre o primeiro ponto, nota-se que os modelos que vendem mal têm sido praticamente esquecidos pelas empresas. Mesmo quando recebem novidades, têm participação discreta nas campanhas de publicidade, o que não ajuda a torná-los conhecidos e desejados. Com um pouco de esforço de memória dá para comparar o quanto se divulgou o Mondeo e o Fusion nos últimos anos. Ou, entre diferentes marcas, quantas vezes se viram propagandas de Astra e de Focus no período.

O outro aspecto, a mente do comprador, não é menos importante. Sabe-se que o brasileiro é preocupado como poucos com o valor de revenda, a ponto de comprar um carro novo na cor desejada pelo mercado, não a que atende a seu gosto pessoal. A lógica parece ser a de nunca nadar contra a corrente. É compreensível que, se não houver outro fator relevante para escolher este ou aquele carro, a maioria dê preferência ao mais vendido ou ao que tem maior aceitação no mercado de usados. O problema é que essas nem sempre são as melhores opções.

A regra aplica-se também a equipamentos. Nunca entendi por que fracassou no Brasil a embreagem automática, excelente recurso oferecido no Classe A, no Palio e no novo Corsa há alguns anos. A Fiat cobrava cerca de R$ 800 — preço de uma direção assistida na época — por esse opcional de grande conveniência, que tornava bem menos incômodo o anda-e-pára no trânsito congestionado, sem trazer aumento de consumo ou perda de desempenho como o câmbio automático. Quase ninguém quis.

No passado, vimos a mesma rejeição ao ar-condicionado ("aumenta demais o consumo", dizia-se), a direção assistida ("muito leve na estrada, um perigo"), as quatro portas ("fazem barulho e dão imagem de táxi") e o próprio câmbio automático. Quem comprasse um carro com essas opções perdia um bom dinheiro na revenda e podia até ficar com um "mico" nas mãos. Hoje, os quatro recursos são muito apreciados e até exigidos em segmentos superiores. Como muitos, torço para que um dia isso se estenda ao teto solar (leia editorial).

O que vale no mercado brasileiro, portanto, faz lembrar a bem-bolada propaganda de biscoito, que perguntava se Tostines vendia mais porque estava sempre fresquinho, ou se estava sempre fresquinho porque vendia mais. Nos carros, a dúvida é se vendem mais porque são os preferidos do público — por seus verdadeiros atributos — ou se são os preferidos só porque vendem mais.

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Data de publicação: 17/2/07

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