Um dia desses, enquanto
via o ranking de vendas do mercado interno no ano passado, um fato
me chamou a atenção e trouxe uma certeza. Como eu já havia
percebido, a aceitação de um carro no Brasil tem muito pouca relação
com os atributos que ele mostra em uma avaliação especializada, como
as que fazemos no Best Cars há mais de oito anos.
Já comentei aqui, na edição nº 232, sobre o
insucesso de modelos como o novo Renault Mégane e o extinto
Mercedes-Benz Classe A, que por suas qualidades deveriam vender
muito mais, e sobre a influência da imagem da marca no êxito de um
automóvel. Só que a lista dos "injustiçados" é maior e deixa no ar a
pergunta: o que leva tantos brasileiros a escolher carros que nem
sempre são os melhores de sua categoria?
A mesma Renault tem o exemplo do Clio, modelo que considero dos mais
"honestos" e que vendeu em 2006 a média de 3.000 unidades mensais,
sedã e hatch somados. Como referência, Palio e Siena chegaram às
ruas à razão de 18.200 carros por mês! Seriam os modelos da Fiat tão
superiores a ponto de vender 500% a mais?
Outra fábrica de "injustiçados" é a Ford. É verdade que Fiesta e
EcoSport são sucesso, assim como o Fusion tem surpreendido em sua
categoria. Mas, e o resto? As vendas do Focus — vencedor de vários
comparativos no site e com notável relação custo-benefício — não
chegaram à média de 1.500 por mês, cerca de metade dos 2.800 Astras
mensais, sempre somando hatch e sedã. Um quadro que não foi
diferente nos anos anteriores.
Também da Ford, merecia êxito bem maior o Mondeo, que deixou o
mercado discretamente em abril. Para desprezarmos seu fim de
carreira, em 2004 e 2005 a média foi de 23 e 11 unidades por mês, na
ordem. O Fusion hoje consegue quase 800 carros mensais. Por melhor
que seja, faz sentido que o novo topo de linha da marca venda cerca
de 5.000% a mais que seu antecessor?
O papel do marketing
Entender essas diferenças requer não só acompanhar a estratégia
de marketing dos fabricantes, mas tentar saber o que se passa na
cabeça dos consumidores brasileiros. Sobre o primeiro ponto, nota-se
que os modelos que vendem mal têm sido praticamente esquecidos pelas
empresas. Mesmo quando recebem novidades, têm participação discreta
nas campanhas de publicidade, o que não ajuda a torná-los conhecidos
e desejados. Com um pouco de esforço de memória dá para comparar o
quanto se divulgou o Mondeo e o Fusion nos últimos anos. Ou, entre
diferentes marcas, quantas vezes se viram propagandas de Astra e de
Focus no período.
O outro aspecto, a mente do comprador, não é menos importante.
Sabe-se que o brasileiro é preocupado como poucos com o valor de
revenda, a ponto de comprar um carro novo na cor desejada pelo
mercado, não a que atende a seu gosto pessoal. A lógica parece ser a
de nunca nadar contra a corrente. É compreensível que, se não houver
outro fator relevante para escolher este ou aquele carro, a maioria
dê preferência ao mais vendido ou ao que tem maior aceitação no
mercado de usados. O problema é que essas nem sempre são as melhores
opções.
A regra aplica-se também a equipamentos. Nunca entendi por que
fracassou no Brasil a embreagem automática, excelente recurso
oferecido no Classe A, no Palio e no novo Corsa há alguns anos. A
Fiat cobrava cerca de R$ 800 — preço de uma direção assistida na
época — por esse opcional de grande conveniência, que tornava bem
menos incômodo o anda-e-pára no trânsito congestionado, sem trazer
aumento de consumo ou perda de desempenho como o câmbio automático.
Quase ninguém quis.
No passado, vimos a mesma rejeição ao ar-condicionado ("aumenta
demais o consumo", dizia-se), a direção assistida ("muito leve na
estrada, um perigo"), as quatro portas ("fazem barulho e dão imagem
de táxi") e o próprio câmbio automático. Quem comprasse um carro com
essas opções perdia um bom dinheiro na revenda e podia até ficar com
um "mico" nas mãos. Hoje, os quatro recursos são muito apreciados e
até exigidos em segmentos superiores. Como muitos, torço para que um
dia isso se estenda ao teto solar (leia editorial).
O que vale no mercado brasileiro, portanto, faz lembrar a bem-bolada
propaganda de biscoito, que perguntava se Tostines vendia mais
porque estava sempre fresquinho, ou se estava sempre fresquinho
porque vendia mais. Nos carros, a dúvida é se vendem mais porque são
os preferidos do público — por seus verdadeiros atributos — ou se
são os preferidos só porque vendem mais. |