No início dos anos 80,
ouvia-se com freqüência no mundo do automóvel uma expressão mágica:
carro mundial. A idéia, colocada em prática por diversos
fabricantes, era projetar um modelo que pudesse, com o mínimo de
variações mecânicas e visuais, ser fabricado em vários pontos do
globo e vendido no máximo de mercados. Vantagens: menor custo de
desenvolvimento e ganhos expressivos em economia de escala.
Boa parte desses carros chegou ao Brasil, caso do
Monza,
Escort,
Santana e
Uno, lançados de 1982 a 1984.
Antes deles, é verdade, tivemos o
Chevette (1973) e, por que
não, o Fusca (1959),
praticamente iguais aos feitos na Alemanha e em outros países. Na
sequência ainda vieram Kadett,
Omega,
Corsa,
Vectras I e II,
Fiesta... até que a onda
começou a perder força em termos mundiais.
Na década passada começou-se a perceber que alguns mercados exigiam
mais que pequenas adaptações. Os japoneses, tão adeptos de produzir
carros em diferentes países com poucas mudanças, passaram a elaborar
desenhos específicos. Nosso
Corolla de 1998, por exemplo, era similar ao japonês, mas bem
diferente do europeu na frente e na traseira. O
S10 para o Brasil também havia
mudado bastante em relação ao dos Estados Unidos. O Escort
americano, de início parecido com o da Europa, passava a ser uma
versão do Mazda 323 japonês.
A Ford também vendeu lá o Mondeo, renomeado Contour, mas não teve
sucesso e parou ainda na primeira geração — hoje tem no mesmo
segmento o Fusion, um projeto local sobre plataforma Mazda. Na
Austrália a Holden, braço local da GM, lançava um novo
Commodore em 1997 com
importantes diferenças em relação ao Omega alemão, em seguimento a
uma estratégia iniciada em 1978. E a Fiat, que nos anos 80 vendia
Unos por todos os cantos, separou países desenvolvidos e emergentes:
os primeiros ganharam o Punto, em 1993, e os demais a linha
Palio, de 1996 em diante.
No fim do milênio ainda havia carros mundiais chegando às ruas — o
primeiro Focus, de 1998, era quase o mesmo na Europa e nos EUA. Mas
outras marcas indicavam um caminho alternativo. O Honda Accord de
2003 tornava-se dois carros bem distintos, um mais esportivo para a
Europa, outro conservador para os
EUA. Na Toyota, a diferenciação de
estilo entre as versões do Corolla 2003 estava mais evidente:
brasileiro, americano e tailandês eram bem diversos do europeu e
japonês.
Hoje, 30 anos depois que o carro mundial ganhou as pranchetas dos
projetistas, o conceito está quase extinto. O próprio Focus passou à
segunda geração na Europa,
enquanto os EUA fizeram uma ampla
reestilização sobre o modelo original, a seu gosto — um tanto
conservador, a meu ver. O novo Corolla é um na
Europa e outro no
Japão; o Civic tem diferenças
visuais entre o nipônico e o dos demais mercados; o Fiesta
brasileiro afastou-se do europeu e a
versão indiana é bem diferente de ambos.
E, à medida em que alguns países se atrasam em relação a outros,
surgem reestilizações regionais sobre gerações antigas, o que
aconteceu no Brasil com Golf, Astra, Xsara Picasso e, em breve, Ka e
Peugeot 206. Celta e Prisma são a mesma idéia levada um pouco
adiante, pois derivam do Corsa de 1993. Há também carros que se
parecem com os similares europeus, mas têm plataforma próprias, como
Idea e Punto. E os que exibem desenho exclusivo, mas usam uma
arquitetura conhecida, caso do Renault
Sandero (projeto local derivado do Logan) e da linha Fox,
baseada na plataforma do Polo.
Alguns carros insistem em retomar o conceito. O sedã da
Holden, que
perdeu o equivalente alemão e se tornou uma exclusividade
australiana, voltará aos EUA como Pontiac G8; modelos da Opel alemã
como Astra e Antara também chegaram ao mercado americano sob a marca
Saturn. O Honda
Fit/Jazz tem o mesmo desenho no Japão, Europa e Américas, assim como
outros japoneses. E marcas de prestígio, como Mercedes-Benz, BMW e
Porsche, continuam a vender nos quatro cantos do mundo os mesmos
automóveis.
Em meio a tantas reviravoltas, não é impossível que algum fabricante
— à parte os da elite citada — descubra como atender a diferentes
mercados, seus gostos e exigências legais, e recupere a idéia do
carro mundial. Afinal, o Fusca alcançou esse mérito em um tempo onde
os recursos eram uma fração do que se tem hoje. |