Ascensão e queda do carro mundial

O conceito que ganhou força na década de 1980 vem
sendo abandonado, mas ainda pode ter lugar no futuro

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorNo início dos anos 80, ouvia-se com freqüência no mundo do automóvel uma expressão mágica: carro mundial. A idéia, colocada em prática por diversos fabricantes, era projetar um modelo que pudesse, com o mínimo de variações mecânicas e visuais, ser fabricado em vários pontos do globo e vendido no máximo de mercados. Vantagens: menor custo de desenvolvimento e ganhos expressivos em economia de escala.

Boa parte desses carros chegou ao Brasil, caso do Monza, Escort, Santana e Uno, lançados de 1982 a 1984. Antes deles, é verdade, tivemos o Chevette (1973) e, por que não, o Fusca (1959), praticamente iguais aos feitos na Alemanha e em outros países. Na sequência ainda vieram Kadett, Omega, Corsa, Vectras I e II, Fiesta... até que a onda começou a perder força em termos mundiais.

Na década passada começou-se a perceber que alguns mercados exigiam mais que pequenas adaptações. Os japoneses, tão adeptos de produzir carros em diferentes países com poucas mudanças, passaram a elaborar desenhos específicos. Nosso Corolla de 1998, por exemplo, era similar ao japonês, mas bem diferente do europeu na frente e na traseira. O S10 para o Brasil também havia mudado bastante em relação ao dos Estados Unidos. O Escort americano, de início parecido com o da Europa, passava a ser uma versão do Mazda 323 japonês.

A Ford também vendeu lá o Mondeo, renomeado Contour, mas não teve sucesso e parou ainda na primeira geração — hoje tem no mesmo segmento o Fusion, um projeto local sobre plataforma Mazda. Na Austrália a Holden, braço local da GM, lançava um novo Commodore em 1997 com importantes diferenças em relação ao Omega alemão, em seguimento a uma estratégia iniciada em 1978. E a Fiat, que nos anos 80 vendia Unos por todos os cantos, separou países desenvolvidos e emergentes: os primeiros ganharam o Punto, em 1993, e os demais a linha Palio, de 1996 em diante.

No fim do milênio ainda havia carros mundiais chegando às ruas — o primeiro Focus, de 1998, era quase o mesmo na Europa e nos EUA. Mas outras marcas indicavam um caminho alternativo. O Honda Accord de 2003 tornava-se dois carros bem distintos, um mais esportivo para a Europa, outro conservador para os EUA. Na Toyota, a diferenciação de estilo entre as versões do Corolla 2003 estava mais evidente: brasileiro, americano e tailandês eram bem diversos do europeu e japonês.

Hoje, 30 anos depois que o carro mundial ganhou as pranchetas dos projetistas, o conceito está quase extinto. O próprio Focus passou à segunda geração na Europa, enquanto os EUA fizeram uma ampla reestilização sobre o modelo original, a seu gosto — um tanto conservador, a meu ver. O novo Corolla é um na Europa e outro no Japão; o Civic tem diferenças visuais entre o nipônico e o dos demais mercados; o Fiesta brasileiro afastou-se do europeu e a versão indiana é bem diferente de ambos.

E, à medida em que alguns países se atrasam em relação a outros, surgem reestilizações regionais sobre gerações antigas, o que aconteceu no Brasil com Golf, Astra, Xsara Picasso e, em breve, Ka e Peugeot 206. Celta e Prisma são a mesma idéia levada um pouco adiante, pois derivam do Corsa de 1993. Há também carros que se parecem com os similares europeus, mas têm plataforma próprias, como Idea e Punto. E os que exibem desenho exclusivo, mas usam uma arquitetura conhecida, caso do Renault Sandero (projeto local derivado do Logan) e da linha Fox, baseada na plataforma do Polo.

Alguns carros insistem em retomar o conceito. O sedã da Holden, que perdeu o equivalente alemão e se tornou uma exclusividade australiana, voltará aos EUA como Pontiac G8; modelos da Opel alemã como Astra e Antara também chegaram ao mercado americano sob a marca Saturn. O Honda Fit/Jazz tem o mesmo desenho no Japão, Europa e Américas, assim como outros japoneses. E marcas de prestígio, como Mercedes-Benz, BMW e Porsche, continuam a vender nos quatro cantos do mundo os mesmos automóveis.

Em meio a tantas reviravoltas, não é impossível que algum fabricante — à parte os da elite citada — descubra como atender a diferentes mercados, seus gostos e exigências legais, e recupere a idéia do carro mundial. Afinal, o Fusca alcançou esse mérito em um tempo onde os recursos eram uma fração do que se tem hoje.

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Data de publicação: 29/9/07

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