Porsches eram uma das paixões de
Lettry, aqui ao volante de um 550
O Fusca de Heins e Martins, com
motor Porsche preparado por Jorge e radiador de óleo e estabilizador
feitos por ele, deu trabalho a carreteras
O preparador logo faria proezas
na mecânica DKW-Vemag, ajudando a brilhar pilotos como "Marinho" (na
foto), Caio Ferreira e Lauro Bezerra
A equipe Vemag: a partir da
esquerda, "Marinho", Eduardo Scuracchio, Jorge Lettry,
Francisco Lameirão, Roberto Dal Pont e Anísio Campos |
Na
década de 1950 era comum os apreciadores da bela mecânica dizerem que os
italianos tinham graxa nas mãos. Era um elogio feito por franceses,
espanhóis e alemães àqueles da península que amam "macchinas". O pequeno
país é conhecido por marcas que encantam os quatro cantos do mundo. As
provas Mille Miglia e Targa Florio revelaram carros e pilotos de talento
e o mesmo se pode dizer de templos como o Autódromo de Monza. Também não
faltam homens que nasceram lá, mas fizeram história no Brasil.
Um deles foi Jorge Lettry, nascido em Ivrea, na região piemontesa, norte
da Itália, em 1º de abril de 1930. Caçula de três filhos, chegou ao
Brasil com menos de um ano de idade com os pais e irmãos.
Estabeleceram-se na cidade onde desembarcaram, Santos, no litoral sul
paulista. Em 1947 Jorge perdia o pai e a família se mudava para a
capital do estado. Aos 18 anos optava por nacionalidade brasileira e
pouco depois conseguia emprego em uma concessionária que vendia o
Volkswagen, ainda importado. Para se aperfeiçoar em mecânica fez um
curso técnico na Brasmotor, empresa que em 1950 se tornava distribuidora
exclusiva do Fusca e da Kombi.
Lettry já era conhecido frequentador do meio automobilístico paulistano.
Passava horas trabalhando em carros e fora deles, conversava muito e
trocava ideias. Apreciava a marca Porsche e os carros alemães, apesar da
origem italiana. Em 1953 abria com o amigo Eugênio Martins a empresa
Argos Equipamentos. Gostavam e entendiam dos motores arrefecidos a ar.
Eram referência na cidade em dar músculos a Volkswagens e Porsches. Um
de seus clientes e amigos, Christian Heins, possuía um
Porsche 356 que deixava sempre aos
cuidados de Lettry. Desde cedo Jorge se mostrou muito organizado, sério
e disciplinado. Havia até algo de militar nele, pois se vestia de forma
discreta e formal. Os amigos o chamavam de tenente. Lettry não achava
muita graça.
Em novembro de 1956, Heins e Martins disputaram a primeira edição da Mil
Milhas de Interlagos e chegaram em segundo lugar com um VW que tinha
motor Porsche de quatro cilindros, 1,5 litro e potência de 74 cv,
preparado por Lettry. Para dar mais durabilidade ao motor, Jorge
instalou um radiador de óleo na dianteira do Fusca. O capô especial em
plástico e fibra-de-vidro, com duas aberturas para o radiador, foi
fabricado por outro homem que se tornaria famoso:
João Augusto do Amaral Gurgel.
Contava ainda com um grosso estabilizador na suspensão dianteira, item
ainda inexistente no Fusca de série e que a Argos vendia, o que lhe
permitia enfrentar curvas com atitude.
Com para-lamas recortados, o
número 18 e ar atrevido, o VW enfrentou muito bem os gaúchos
especialistas em carreteras, carros com motor e carroceria modificada de
origem norte-americana, bem mais potentes, com V8 de até 250 cv.
Os Fuscas continuaram a ganhar potência nas mãos de Lettry. Em 1957,
Mário César de Camargo Filho, o "Marinho", venceu pela
primeira vez uma prova de subida de montanha na antiga estrada de Santos
com um VW 1200 "envenenado" por Lettry. Tornaram-se grandes amigos. Na
época, a indústria brasileira engatinhava e poucos modelos aqui eram
produzidos, um deles o DKW-Vemag.
Jorge se apaixonou pelo motor a dois tempos e começou a estudá-lo a
fundo, testá-lo e modificá-lo.
Nasciam ali os primeiros DKW de
competição, que enfrentavam com galhardia carros maiores — e também o
preconceito, pois tinham tração dianteira e outras peculiaridades.
A Vemag tinha em Ângelo Gonçalves um engenheiro capacitado e
com novas ideias. Ele convidou Lettry para trabalhar e eles criaram um
serviço de testes que seria o Departamento de Competições da Vemag. Lettry fazia novas peças, junto com o engenheiro alemão Otto Kuetner, e testava em pistas e com amigos que pilotavam
muito bem, como Ciro Cayres. Trabalhavam em pistões, anéis, blocos de
motor, engrenagens de câmbio, freios a disco, pontas de eixo
traseiras.
Continua
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